quinta-feira, 25 de outubro de 2012

SINAIS CONTROVERSOS – III

 

Martinho Júnior, Luanda
 
5 – De 19 de Maio de 1993 a 14 de Abril de 2002, quando ocorreu o entendimento de Luena logo a seguir ao desaparecimento físico de Savimbi, os Estados Unidos mantiveram um “relacionamento construtivo” contínuo reforçando as posições do governo angolano interna e externamente no tabuleiro dos conflitos na África Austral, bem como nas instituições internacionais, incluindo na ONU; isso foi mesmo decisivo para a “mudança” das projecções do cartel de diamantes (tal como ocorrera do “apartheid” para a “nação arco-íris”), do apoio inicialmente concedido a Savimbi, até à produção do “processo Kimberley” e à recepção do Presidente José Eduardo dos Santos no “Corporate Council on Africa” aquando da sua visita aos Estados Unidos em Fevereiro de 2002, no seguimento da morte em combate de Savimbi!
 
Houve durante esse período a conjugação de factores favoráveis aos interesses e conveniências das poderosas corporações norte americanas, sul africanas e britânicas em Angola, como nunca antes e isso acabou por submergir a teimosia de Savimbi, que cometera o erro de cálculo de se aliar “in extremis” à decadência e colapso do regime de Mobutu a fim de provocar a “guerra dos diamantes de sangue”.
 
Em 2010, com a série “Mercenários até quando?”, fiz uma síntese do tipo de alterações que atingiram em cheio o movimento de libertação por via dum choque que foi conjugado com as iniciativas diplomáticas, económicas e financeiras do império, no âmbito duma hegemonia uni-polar e no quadro duma globalização de carácter capitalista neo liberal, que condicionou por inteiro o poder de estado em Angola aproveitando as vias negociais que se foram abrindo, de Bicesse a Lusaka e a Luena.
 
Foi um longo processo, que forçou o poder em Angola no caminho estipulado pela aristocracia financeira mundial e seus “lobbies” historicamente também implantados na região Austral e Central africana.
 
Durante essa transição há dois factores a realçar:
 
- A inicial perda de capacidade estratégica por parte dos contentores, entre 1992 e 1998, com o governo a recuperá-la penosamente a partir do momento que conseguiu ganhar capacidade de sustentação à custa desde logo do “lobby” do petróleo, introduzindo possibilidades tácticas e de manobra dominantes em Angola e na região, que levaram ao alastramento da guerra à RDC, ao armamento das FAA e à utilização de mercenários; a recuperação de capacidade estratégica por parte do governo conjugou-se com vantagens em crescendo nos relacionamentos político-diplomáticos;
 
- A aproximação a partir de posições antagónicas, dos “lobbies” do petróleo e dos minerais, o que resultou no gradual abandono em que caiu o sistema de Savimbi, processo que se acelerou com o ocaso e derrube do regime de Mobutu.
 
Quando o governo angolano emergiu na sua maior capacidade estratégica sem mais suporte socialista, estava já integrando as ementas de capitalismo neo liberal forjado nos estímulos de globalização instigados pela aristocracia financeira mundial por via da hegemonia uni-polar típica do império.
 
As elites angolanas estavam já rendidas sob o ponto de vista filosófico-ideológico, económico e financeiro e o socialismo era para elas algo a enterrar: o choque e os traumas foram de tal ordem que nem sequer ousaram procurar enveredar por consolidar alternativas que possibilitassem outra afirmação na entrada no século XXI, conforme ocorreu na América Latina no seguimento do ensaio do malogrado governo de Salvador Allende no Chile.
 
Essa evolução foi em muitos aspectos forçada, algo que se arrasta até hoje com incidências perniciosas sob o ponto de vista sócio-político: basta verificar por exemplo que só agora, em 2012, estão oficiosamente a passar à disponibilidade dezenas de milhar de efectivos, muitos deles antigos combatentes, uma parte deles efectivos da própria segurança do estado, quando eles de facto o passaram em 1992!
 
Vinte anos depois esses efectivos e antigos combatentes passam à disponibilidade e uma parte deles à reserva e à reforma, processo que está apenas no seu início, depois de vinte anos duma sobrevivência que para muitos deles foi de trabalho informal, quando não marginalidade e pobreza!
 
O apogeu estratégico do governo surgido desse tremendo choque ocorreu a 26 de Fevereiro de 2002, quando o presidente José Eduardo dos Santos foi recebido pelo presidente republicano George W. Bush na “sala oval” durante a sua visita aos Estados Unidos, um facto contestado pelo núcleo duro de apoio a Savimbi, conforme declaração endereçada ao próprio presidente norte americano por Howard Phillips, “chairman” do “Conservative Caucus”:
 
“Dr. Jonas Savimbi was a great Angolan patriot, truly a man who served as a loving, self-sacrificing father to those of his countrymen who shared his love of freedom and who were willing to die to escape the bonds of Portuguese colonialism and Communist tyranny.
 
In the war against Soviet imperialism America had no more faithful and courageous ally.
 
Unfortunately, many Americans betrayed Savimbi's heroic friendship.
 
Chevron and other oil companies and their minions in the top ranks of both major political parties degraded themselves for filthy lucre, even consenting to have their employees in Angola guarded by Fidel Castro's Cuban Communist troops.
 
At the State Department, Ronald Reagan's Assistant Secretary for African Affairs, Chester Crocker, consistently strove to undercut the Reagan Doctrine and to undermine Dr. Savimbi's UNITA freedom fighters.
 
Herman Cohen who, under George Bush the elder, succeeded Crocker as Assistant Secretary for Africa, was such a despicable traitor to the cause of freedom and to America's national interests that he hired himself out as a foreign agent to the Leninist tyrants who still rule in Luanda, Angola.
 
In 1992, Savimbi won a popular election, which victory was stolen from him even more blatantly than Mayor Daley stole Illinois for John F. Kennedy in 1960.
 
On September 27, 1993, Bill Clinton issued an Executive Order and sent a message to Congress which asserted, I have exercised my statutory authority to declare a national emergency with respect to the actions and policies of the National Union for the Total Independence of Angola ('UNITA'). These actions are mandated in part by United Nations Security Council Resolution No. 864 of September 13, 1993.
 
Disgracefully, on September 24, 2001, George Bush the younger extended Clinton's outrageous Executive Order, demonstrating that, while the names of the players change, nonetheless, under both Democratic and Republican governance, considerations of commercial profit override commitments to liberty, or, indeed, to the larger national interest”…
 
O fim desse período de enorme destruição para Angola, um período de choque traumatizante para todo o tecido social, a 1ª fase de relacionamentos após o reconhecimento do governo angolano, coincidiria com o fim da administração de George W. Bush, uma administração que recorde-se, praticamente só respondia aos “lobbies”, principalmente os do petróleo, do armamento e dos minerais, em Novembro de 2008!
 
O respeito pelos interesses das corporações multi-nacionais do petróleo por parte do Governo do MPLA desde o 11 de Novembro de 1975, ao ponto desses interesses serem defendidos pelas FAPLA e as FAR cubanas contra as incursões das SADF e das FALA, acabou por dar guarida à capacidade do governo angolano para ainda que de forma forçada engrenar na trilha da recuperação estratégica nos estritos moldes da conveniência do império!
 
Não haveria pois que admirar se o estado angolano acabasse por ser “formatado” a quente, sujeito aos traumas e ao choque, em função da sangrenta trilha que teve que percorrer inclusive sem capacidade inicial de estratégica própria, entre 1992 e 1998!
 
A”guerra dos diamantes de sangue”, que se estendeu à região conjugando-se com o fim do regime de Mobutu e a afirmação de Laurent Kabila (até à sua morte por assassinato) na RDC, foi o choque que obrigou ao governo angolano a atrair-se à órbita da conveniência do império.
 
6 – É esse aliás o período prodigamente substantivo de referências do “democrata-cristão” Jaime Nogueira Pinto, que ilustra os “Jogos Africanos” desde então.
 
Jaime Nogueira Pinto foi ele próprio apanhado no trânsito entre Savimbi e as novas elites angolanas em formação, depois de tantos insucessos acumulados desde os tempos do ESINA e das alianças pardas com o regime do “apartheid” que serviram de catapulta tanto a Jonas Savimbi, como a Afonso Dhlakama, tal como aos seus interesses e ligações em relação aos diamantes, conjuntamente com franjas próximas a Mário Soares (que incluíam o criador dos Flechas em Angola, o Coronel das SADF que dá pelo nome de Óscar Piçarra Cardoso, ex-Inspector da PIDE/DGS).
 
São aliás os diamantes que no fundo explicam, na sombra, a trajectória de Jaime Nogueira Pinto e dessas franjas afectas a Mário Soares em África…
 
Os portugueses participes dessa “trajectória oblíqua” não tiveram dificuldade alguma com a síntese de interesses que os norte americanos em função dos processos elitistas dos “lobbies” do petróleo e dos minerais conseguiram na África do Sul e em Angola, muito pelo contrário… algo que tem que ver, por exemplo, com Frank Charleas Carlucci e até com o Carlyle Group…
 
Que indeléveis marcas as administrações norte americanas, em especial as de Bill Clinton, George W. Bush e a última, a de Barack Hussein Obama, não foram deixando nas elites políticas, económicas e financeiras portuguesas e angolanas, ao ponto de quantas vezes extremar e valorizar suas próprias ingerências e manipulações em função dos ensinamentos que foram recolhidos no laboratório de Cuba e na tentativa de bloquear psico, emocional e politicamente a sua sociedade?
 
Quanto elas não têm estimulado os processos comuns de parceria e de acção, espelhadas aliás em alguns artigos que já produzi em relação por exemplo ao Bilderberg, a Francisco Pinto Balsemão, a Ricardo Espírito Santo Salgado, ao BES e à ESCOM?...
 
A longa administração do republicano George W. Bush foi particularmente perniciosa para a gestação das novas elites angolanas incrementando parcerias e montando o dispositivos filosófico-conceptuais, influindo até no carácter do poder, levando muitos a supor que o MPLA se esgotava nisso, esquecendo que as reservas históricas do MPLA, se atravessavam um deserto de um quarto de século, no fundo davam provas de fidelidade e resistência, tornando-se capazes de contribuir para a renovação das forças sem macular princípios e convicções e abrindo-se, sobretudo permitindo sempre a abertura à criatividade alternativa possível no século XXI!
 
Foto: Presidente angolano discursa no Corporate Council on África, dia 26 de Fevereiro de 2002.
 
Livros recomendados:
- Angola do afro-estalinismo ao capitalismo selvagen – Tony Hodges.
- Jogos africanos – Jaime Nogueira Pinto.
- Morte da dignidade – a guerra civil em Angola – Victoria Britais.
- Angola órfão da guerra fria – Margareth Anstee.
- Les gemmocraties – l’economie politique du diamant africain – François Misser e Olivier Vallée.
- Mercenaires SA – Phillippe Chapleau e François Misser.
 
Internet:
- CCA & U.S. – Angola Chamber of Commerce Dinner for Angolan President José Eduardo dos Santos, Washington, D.C., February 26, 2002 – http://www.africacncl.org/Whats_New/CCA_Dinner(dosSantos).asp
- Statement of Howard Phillips, Chairman, The Conservative Caucus – President Bush Should Not Meet Tomorrow With Savimbi's Assassin – http://archive.newsmax.com/archives/articles/2002/2/26/01047.shtml
- Genocide of Christians in Angola, UN and the resistance of UNITA – http://web.archive.org/web/20020627223414/http://verdade.no.sapo.pt/soares_e.html
- A family affair: The House of Bush maintains its dynasty with Middle East connections – http://www.illuminati-news.com/house-of-bush.htm
- À qui profite le crime ?
Les liens financiers occultes des Bush et des Ben Laden –
http://www.voltairenet.org/article7613.html#article7613
- Os negócios ilícitos da dinastia Bush – http://alainet.org/active/27379&lang=es
- Uma das placas giratórias ao dispor do Bilderberg – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao.html
- Uma das placas giratórias ao dispor do Bilderberg – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao.html
- Uma das placas giratórias ao dispor do Bilderberg – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao_03.html
 
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