Martinho Júnior,
Luanda
5 – De 19 de Maio
de 1993 a 14 de Abril de 2002, quando ocorreu o entendimento de Luena logo a
seguir ao desaparecimento físico de Savimbi, os Estados Unidos mantiveram um
“relacionamento construtivo” contínuo reforçando as posições do governo
angolano interna e externamente no tabuleiro dos conflitos na África Austral,
bem como nas instituições internacionais, incluindo na ONU; isso foi mesmo
decisivo para a “mudança” das projecções do cartel de diamantes (tal como
ocorrera do “apartheid” para a “nação arco-íris”), do apoio inicialmente
concedido a Savimbi, até à produção do “processo Kimberley” e à recepção do
Presidente José Eduardo dos Santos no “Corporate Council on Africa” aquando da
sua visita aos Estados Unidos em Fevereiro de 2002, no seguimento da morte em
combate de Savimbi!
Houve durante esse
período a conjugação de factores favoráveis aos interesses e conveniências das
poderosas corporações norte americanas, sul africanas e britânicas em Angola,
como nunca antes e isso acabou por submergir a teimosia de Savimbi, que
cometera o erro de cálculo de se aliar “in extremis” à decadência e colapso do
regime de Mobutu a fim de provocar a “guerra dos diamantes de sangue”.
Em 2010, com a
série “Mercenários até quando?”, fiz uma síntese do tipo de alterações que
atingiram em cheio o movimento de libertação por via dum choque que foi
conjugado com as iniciativas diplomáticas, económicas e financeiras do império,
no âmbito duma hegemonia uni-polar e no quadro duma globalização de carácter
capitalista neo liberal, que condicionou por inteiro o poder de estado em
Angola aproveitando as vias negociais que se foram abrindo, de Bicesse a Lusaka
e a Luena.
Foi um longo
processo, que forçou o poder em Angola no caminho estipulado pela aristocracia
financeira mundial e seus “lobbies” historicamente também implantados na região
Austral e Central africana.
Durante essa
transição há dois factores a realçar:
- A inicial perda
de capacidade estratégica por parte dos contentores, entre 1992 e 1998, com o
governo a recuperá-la penosamente a partir do momento que conseguiu ganhar
capacidade de sustentação à custa desde logo do “lobby” do petróleo,
introduzindo possibilidades tácticas e de manobra dominantes em Angola e na
região, que levaram ao alastramento da guerra à RDC, ao armamento das FAA e à
utilização de mercenários; a recuperação de capacidade estratégica por parte do
governo conjugou-se com vantagens em crescendo nos relacionamentos
político-diplomáticos;
- A aproximação a
partir de posições antagónicas, dos “lobbies” do petróleo e dos minerais, o que
resultou no gradual abandono em que caiu o sistema de Savimbi, processo que se
acelerou com o ocaso e derrube do regime de Mobutu.
Quando o governo
angolano emergiu na sua maior capacidade estratégica sem mais suporte
socialista, estava já integrando as ementas de capitalismo neo liberal forjado
nos estímulos de globalização instigados pela aristocracia financeira mundial
por via da hegemonia uni-polar típica do império.
As elites angolanas
estavam já rendidas sob o ponto de vista filosófico-ideológico, económico e
financeiro e o socialismo era para elas algo a enterrar: o choque e os traumas
foram de tal ordem que nem sequer ousaram procurar enveredar por consolidar
alternativas que possibilitassem outra afirmação na entrada no século XXI,
conforme ocorreu na América Latina no seguimento do ensaio do malogrado governo
de Salvador Allende no Chile.
Essa evolução foi
em muitos aspectos forçada, algo que se arrasta até hoje com incidências
perniciosas sob o ponto de vista sócio-político: basta verificar por exemplo
que só agora, em 2012, estão oficiosamente a passar à disponibilidade dezenas
de milhar de efectivos, muitos deles antigos combatentes, uma parte deles
efectivos da própria segurança do estado, quando eles de facto o passaram em
1992!
Vinte anos depois
esses efectivos e antigos combatentes passam à disponibilidade e uma parte
deles à reserva e à reforma, processo que está apenas no seu início, depois de
vinte anos duma sobrevivência que para muitos deles foi de trabalho informal,
quando não marginalidade e pobreza!
O apogeu
estratégico do governo surgido desse tremendo choque ocorreu a 26 de Fevereiro
de 2002, quando o presidente José Eduardo dos Santos foi recebido pelo
presidente republicano George W. Bush na “sala oval” durante a sua visita aos
Estados Unidos, um facto contestado pelo núcleo duro de apoio a Savimbi,
conforme declaração endereçada ao próprio presidente norte americano por Howard
Phillips, “chairman” do “Conservative Caucus”:
“Dr. Jonas Savimbi
was a great Angolan patriot, truly a man who served as a loving,
self-sacrificing father to those of his countrymen who shared his love of
freedom and who were willing to die to escape the bonds of Portuguese
colonialism and Communist tyranny.
In the war against
Soviet imperialism America had no more faithful and courageous ally.
Unfortunately, many
Americans betrayed Savimbi's heroic friendship.
Chevron and other
oil companies and their minions in the top ranks of both major political parties
degraded themselves for filthy lucre, even consenting to have their employees
in Angola guarded by Fidel Castro's Cuban Communist troops.
At the State
Department, Ronald Reagan's Assistant Secretary for African Affairs, Chester
Crocker, consistently strove to undercut the Reagan Doctrine and to undermine
Dr. Savimbi's UNITA freedom fighters.
Herman Cohen who,
under George Bush the elder, succeeded Crocker as Assistant Secretary for
Africa, was such a despicable traitor to the cause of freedom and to America's
national interests that he hired himself out as a foreign agent to the Leninist
tyrants who still rule in Luanda, Angola.
In 1992, Savimbi
won a popular election, which victory was stolen from him even more blatantly
than Mayor Daley stole Illinois for John F. Kennedy in 1960.
On September 27,
1993, Bill Clinton issued an Executive Order and sent a message to Congress
which asserted, I have exercised my statutory authority to declare a national
emergency with respect to the actions and policies of the National Union for
the Total Independence of Angola ('UNITA'). These actions are mandated in part
by United Nations Security Council Resolution No. 864 of September 13, 1993.
Disgracefully, on
September 24, 2001, George Bush the younger extended Clinton's outrageous
Executive Order, demonstrating that, while the names of the players change,
nonetheless, under both Democratic and Republican governance, considerations of
commercial profit override commitments to liberty, or, indeed, to the larger national
interest”…
O fim desse período
de enorme destruição para Angola, um período de choque traumatizante para todo
o tecido social, a 1ª fase de relacionamentos após o reconhecimento do governo
angolano, coincidiria com o fim da administração de George W. Bush, uma
administração que recorde-se, praticamente só respondia aos “lobbies”,
principalmente os do petróleo, do armamento e dos minerais, em Novembro de
2008!
O respeito pelos
interesses das corporações multi-nacionais do petróleo por parte do Governo do
MPLA desde o 11 de Novembro de 1975, ao ponto desses interesses serem
defendidos pelas FAPLA e as FAR cubanas contra as incursões das SADF e das
FALA, acabou por dar guarida à capacidade do governo angolano para ainda que de
forma forçada engrenar na trilha da recuperação estratégica nos estritos moldes
da conveniência do império!
Não haveria pois
que admirar se o estado angolano acabasse por ser “formatado” a quente, sujeito
aos traumas e ao choque, em função da sangrenta trilha que teve que percorrer inclusive
sem capacidade inicial de estratégica própria, entre 1992 e 1998!
A”guerra dos
diamantes de sangue”, que se estendeu à região conjugando-se com o fim do
regime de Mobutu e a afirmação de Laurent Kabila (até à sua morte por
assassinato) na RDC, foi o choque que obrigou ao governo angolano a atrair-se à
órbita da conveniência do império.
6 – É esse aliás o
período prodigamente substantivo de referências do “democrata-cristão” Jaime
Nogueira Pinto, que ilustra os “Jogos Africanos” desde então.
Jaime Nogueira
Pinto foi ele próprio apanhado no trânsito entre Savimbi e as novas elites
angolanas em formação, depois de tantos insucessos acumulados desde os tempos
do ESINA e das alianças pardas com o regime do “apartheid” que serviram de
catapulta tanto a Jonas Savimbi, como a Afonso Dhlakama, tal como aos seus
interesses e ligações em relação aos diamantes, conjuntamente com franjas
próximas a Mário Soares (que incluíam o criador dos Flechas em Angola, o
Coronel das SADF que dá pelo nome de Óscar Piçarra Cardoso, ex-Inspector da
PIDE/DGS).
São aliás os
diamantes que no fundo explicam, na sombra, a trajectória de Jaime Nogueira
Pinto e dessas franjas afectas a Mário Soares em África…
Os portugueses
participes dessa “trajectória oblíqua” não tiveram dificuldade alguma com a
síntese de interesses que os norte americanos em função dos processos elitistas
dos “lobbies” do petróleo e dos minerais conseguiram na África do Sul e em
Angola, muito pelo contrário… algo que tem que ver, por exemplo, com Frank
Charleas Carlucci e até com o Carlyle Group…
Que indeléveis
marcas as administrações norte americanas, em especial as de Bill Clinton,
George W. Bush e a última, a de Barack Hussein Obama, não foram deixando nas
elites políticas, económicas e financeiras portuguesas e angolanas, ao ponto de
quantas vezes extremar e valorizar suas próprias ingerências e manipulações em
função dos ensinamentos que foram recolhidos no laboratório de Cuba e na
tentativa de bloquear psico, emocional e politicamente a sua sociedade?
Quanto elas não têm
estimulado os processos comuns de parceria e de acção, espelhadas aliás em
alguns artigos que já produzi em relação por exemplo ao Bilderberg, a Francisco
Pinto Balsemão, a Ricardo Espírito Santo Salgado, ao BES e à ESCOM?...
A longa administração
do republicano George W. Bush foi particularmente perniciosa para a gestação
das novas elites angolanas incrementando parcerias e montando o dispositivos
filosófico-conceptuais, influindo até no carácter do poder, levando muitos a
supor que o MPLA se esgotava nisso, esquecendo que as reservas históricas do
MPLA, se atravessavam um deserto de um quarto de século, no fundo davam provas
de fidelidade e resistência, tornando-se capazes de contribuir para a renovação
das forças sem macular princípios e convicções e abrindo-se, sobretudo
permitindo sempre a abertura à criatividade alternativa possível no século XXI!
Foto: Presidente
angolano discursa no Corporate Council on África, dia 26 de Fevereiro de 2002.
Livros
recomendados:
- Angola do
afro-estalinismo ao capitalismo selvagen – Tony Hodges.
- Jogos africanos –
Jaime Nogueira Pinto.
- Morte da
dignidade – a guerra civil em Angola – Victoria Britais.
- Angola órfão da
guerra fria – Margareth Anstee.
- Les gemmocraties
– l’economie politique du diamant africain – François Misser e Olivier Vallée.
- Mercenaires SA –
Phillippe Chapleau e François Misser.
Internet:
- CCA & U.S. –
Angola Chamber of Commerce Dinner for Angolan President José Eduardo dos
Santos, Washington, D.C., February 26, 2002 – http://www.africacncl.org/Whats_New/CCA_Dinner(dosSantos).asp
- Statement of
Howard Phillips, Chairman, The Conservative Caucus – President Bush Should Not
Meet Tomorrow With Savimbi's Assassin – http://archive.newsmax.com/archives/articles/2002/2/26/01047.shtml
- Genocide of
Christians in Angola, UN and the resistance of UNITA – http://web.archive.org/web/20020627223414/http://verdade.no.sapo.pt/soares_e.html
- A family affair:
The House of Bush maintains its dynasty with Middle East connections – http://www.illuminati-news.com/house-of-bush.htm
- À qui profite le
crime ?
Les liens financiers occultes des Bush et des Ben Laden – http://www.voltairenet.org/article7613.html#article7613
Les liens financiers occultes des Bush et des Ben Laden – http://www.voltairenet.org/article7613.html#article7613
- Os negócios
ilícitos da dinastia Bush – http://alainet.org/active/27379&lang=es
- Mercenários até
quando? – I – http://pagina--um.blogspot.com/2010/11/mercenarios-ate-quando-i.html
- Mercenários até
quando? – II – http://pagina--um.blogspot.com/2010/11/mercenarios-ate-quando-ii.html
- Uma das placas
giratórias ao dispor do Bilderberg – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao.html
- Uma das placas
giratórias ao dispor do Bilderberg – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao.html
- Uma das placas
giratórias ao dispor do Bilderberg – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao_03.html
- As veias abertas
de África – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/as-veias-abertas-de-africa-i.html
- As veias abertas
de África – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/as-veias-abertas-de-africa-ii.html
- As veias abertas
de África – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/as-veias-abertas-de-africa-iii.html
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