domingo, 1 de fevereiro de 2015

HOJE A GRÉCIA, AMANHÃ A ESPANHA E DEPOIS A ITÁLIA?



JORGE ALMEIDA FERNANDES – Público, opinião

O Syriza interpreta a crise como uma luta de libertação nacional contra o jugo estrangeiro

Na noite da vitória do Syriza escreveu Paolo Flores D’Arcais, filósofo e radical italiano: “Hoje na Grécia, amanhã na Espanha, depois de amanhã na Itália.” Alexis Tsipras, líder do Syriza, prometeu refundar a Europa. “O 25 de Janeiro é o começo, a vitória do Syriza será seguida pela do Podemos em Espanha e, no próximo ano, pela do Sinn Féin na Irlanda.”

Pablo Iglesias, líder do Podemos, proclamou: “2015 será o ano da mudança na Espanha e na Europa. Vamos começar pela Grécia.” Anuncia-se o fim da “era da austeridade” e um novo efeito dominó, inverso daquele que a Grécia abriu na zona euro em 2010. Os mais ousados sonham com uma nova “Primavera dos Povos”, como a de 1848.

Três factos perturbam a festa. Primeiro, o Syriza escolheu para aliado um partido da direita radical — Gregos Independentes (Anel). Foi um balde de água fria para Roma e Paris. É uma “aliança contra natura”, protestou Daniel Cohn-Bendit. Não é um ponto acessório e a ele voltaremos.

A 19 de Abril, há eleições legislativas na Finlândia. Os Verdadeiros Finlandeses, partido populista eurocéptico, contam com Atenas para mobilizar o eleitorado contra Bruxelas e contra o Sul. Seria a primeira de uma série de vitórias eleitorais “anti-Grécia”. O perdão parcial da dívida grega provocaria uma ressaca no Norte da Europa que fortaleceria a extrema-direita e os partidos nacionalistas, anotou o analista britânico Gideon Rachman.

Por fim, o Sul não é homogéneo. Em Portugal, mantém-se a lógica bipartidária. Na França, quem capitaliza eleitoralmente a luta anti-euro e anti-austeridade é a Frente Nacional, de Marine Le Pen — que as sondagens colocaram esta semana na casa dos 30%. Marine apoia o Syriza. Ou melhor: utiliza o Syriza para reabrir o “julgamento” da União Europeia. Também na Itália não é a esquerda radical quem capitaliza a vitória do Syriza: são os adeptos de Beppe Grillo e a Liga Norte, convertida hoje a Le Pen. Tsipras e Iglesias esqueceram-se de juntar Marine à sua lista de desejos.

Os novos radicais

O Syriza e o Podemos são um fenómeno político novo, uma esquerda radical que não deve ser confundida com as antigas extremas-esquerdas de que provêm. É Iglesias quem melhor o teoriza. O velho esquerdismo visava manter a pureza doutrinal e os seus mitos ideológicos, permanecendo uma força marginal. Iglesias explica que ao Podemos não interessa ter 10 ou 15% dos votos — aspiração do Bloco de Esquerda ou das extremas-esquerdas europeias. Quer seduzir o eleitorado do centro e mesmo da direita. Quer o poder. Não fala em luta de classes — relíquia do século XX — mas no confronto entre os de “cima” e os de “baixo”, entre a “gente” e a “casta”.

A sua aprendizagem na Venezuela ou na Bolívia não visa assimilar a Europa do Sul à situação da América Latina. O seu objectivo é encontrar novos mecanismos da acção política. A antiga esquerda radical sonhava “mudar o mundo sem tomar o poder”. Podemos quer o poder. Por isso estudaram as experiências de “conquista da hegemonia” pelos populismos bolivarianos. “Ganhar eleições não é ganhar o poder”, escreve Iglesias. 
Por enquanto, a meta são as eleições. O resto, e o depois, é deliberadamente vago.

O seu “primeiro mandamento” é deixar de falar para a esquerda e falar para a “gente”. O segundo é estar em sintonia com o “estado de espírito” (não com as ideologias) dos espanhóis. O Podemos quer dizer “aquilo que as pessoas pensam”. Os grandes partidos só agora começam a perceber um fenómeno que menosprezaram (Ponto de Vista de 30.11.14).

O Podemos reconhece que o terreno lhe foi aberto não só pela crise económica — que popularizou a hostilidade a Bruxelas e Berlim — mas sobretudo pela degradação do sistema bipartidário, que se propõe destruir. Tal como o Syriza, rompeu com a anterior estratégia de aliança com a esquerda social-democrata — o objectivo é “pasokizar” o PSOE.

O Syriza começou por ser uma coligação de várias forças da extrema-esquerda clássica que, agora, se vê forçada a funcionar como partido. Tem um estilo mais clássico que o Podemos. Mas começou recentemente a usar uma retórica mais próxima de Iglesias, falando para “toda a sociedade”, para “a nação”, ultrapassando a dicotomia esquerda-direita.

O seu sucesso não decorre apenas do “desespero social” mas do descrédito do sistema bipartidário e da ruína das “dinastias gregas”. Depois, soube condensar o descontentamento social num sentimento de “humilhação nacional”. Faz uma leitura da crise com raízes na História. “A esquerda radical interpretou a crise dos últimos anos como uma luta de libertação nacional contra o jugo estrangeiro”, anota o economista Manos Matsaganis. “Prometeu um regresso fácil e indolor aos bons velhos tempos de antes do resgate. (...) O partido é alérgico às reformas, combatendo asperamente as mais inócuas.” A mola unificadora é o nacionalismo. Não é surpresa que se tenha aliado ao Anel, “uma direita reaccionária e xenófoba” com laivos de anti-semitismo. “A Europa é governada por alemães neo-nazis” — é a tese de Panos Kammenos, líder do Anel. Tudo os separa ideologicamente menos a questão principal: a austeridade e a Europa.

Não será a primeira vez, nem a última, que os extremos se aliam. Não é de excluir, na actual conjuntura, inesperadas recomposições políticas que não passam pela clivagem esquerda-direita. Lembremos o referendo francês sobre a Constituição europeia, em 2005. Esquerdistas partidários de “outra Europa”, soberanistas e eurocépticos, de esquerda e de direita, e a extrema-direita de Le Pen uniram-se para derrotar o tratado.

“Credores e devedores”

O governo grego está numa posição de fraqueza negocial no plano económico: a chantagem sobre o fim do euro deixou de funcionar. Mas tem uma posição política forte. Joga numa vaga de simpatia, na contestação da austeridade noutros países do Sul e no aumento da pressão sobre Berlim. Estabeleceu uma base negocial maximalista para dramatizar a negociação, tentando forçar uma mediação por parte de países como a Itália ou a França.

Diagnostica o alemão Joschka Fischer: “Dado o impacto do resultado das eleições gregas na Espanha, na Itália e na França, onde os sentimentos anti-austeridade são igualmente altos, subirá significativamente a pressão sobre o Eurogrupo — tanto à direita como à esquerda. (...) A eleição grega já produziu uma inequívoca derrota de Merkel e da estratégia baseada na austeridade para defender o euro.”

“O elo fraco da teoria europeia é político”, escreveu há semanas Gideon Rachman. “É, especificamente, o risco de os eleitores se poderem revoltar contra a austeridade e darem os seus votos a partidos ‘anti-sistema’ que rejeitam o consenso europeu para manter a moeda única.” É nisto que Atenas aposta, ignorando o efeito bumerangue que vai criar.

Que significa politicamente? Crescerão as reacções “soberanistas anti-europeias”, a Norte e a Sul. Que margem de manobra terá Merkel na Alemanha para retomar a iniciativa? Como vão Paris e Berlim responder à divisão Norte-Sul que se alarga e mudará a UE? A Europa está a radicalizar-se entre dois blocos: credores e devedores.

A DEMOCRACIA CONTRA O CAOS – Especial Carta Maior




A Carta Maior oferece um especial de matérias e análises sobre a experiência em curso na Grécia que deve ser acompanhada de perto pelos brasileiros.

Joaquim Ernesto Palhares - Diretor da Carta Maior 

Uma das grandes vitórias do neoliberalismo em nosso tempo foi subtrair do capitalismo o seu conteúdo político e social.

A naturalização daquilo que está assentado em uma indissociável relação de poder consumou uma das mais eficazes operações ideológicas do nosso tempo.

A serviço dessa assepsia vicejam as editorias de economia e o colunismo dos vulgarizadores do capital metafísico.

Cabe-lhes o diuturno trabalho de reafirmar a petulante condição de ciência a uma economia encarregada de reproduzir um sistema ordenado pelo virulento antagonismo com o bem comum da sociedade.

Não se negue à economia leis próprias, circunstâncias limitadoras e incertezas a exigir gestão, equilíbrio e bom senso.

Mas dizer  ‘economia de mercado’ e não ‘capitalismo’, ou ‘intervencionismo’, em contraposição a ‘eficiência’, faz parte do serviço de entorpecimento social encarregado de preservar e engordar interesses sabidos.

De quando em vez, a operação falha.

Nas crises cíclicas do sistema, quando se descarrega sobre a sociedade um fardo de sacrifícios dificilmente vendável como ciência ou fatalidade, o labor da catequese midiática é afrontado pela natureza crua do regime.

Foi o que aconteceu na Grécia, de onde faísca agora um clarão de discernimento que ameaça iluminar o imaginário social para muito além de suas fronteiras.

A vitória eleitoral da frente de esquerda, o Syriza, no último domingo, carrega essa dimensão de um simbolismo com poder epidêmico.

Súbito, democracia e capitalismo se deparam em pé de igualdade na disputa pelo destino de uma nação e do seu desenvolvimento.

Aos olhos do mundo, Atenas se transformou na capital da transgressão ao interdito neoliberal.

Tudo o que a derrocada do bloco comunista, e a rendição da socialdemocracia aos mercados autorreguláveis, martelou nos corações e mentes, em mais de três décadas de fastígio conservador, vacila sob a luz desse clarão.

Afinal, se ‘there is no alternative’, como proclamava lady Margaret Tatcher, e assim reafirma o desesperanto de Merkel e Levy, como é que uma nação inteira aposta a própria cabeça na direção oposta?

O repto histórico acontece em um momento de particular transparência do moedor de carne dos mercados.

É essa singularidade que devolve à Grécia a condição de uma ‘ágora’ a escrutinar os destinos de muitos povos nos dias que correm.

Os números da tragédia imposta à população grega pelo conluio entre elites predadoras e mercados financeiros insaciáveis são conhecidos (leia ‘A gororoba brasileira e o ajuste à grega’; nesta pág).

Um tridente resume a temperatura do inferno.

Para pagar bancos sem afetar a plutocracia, o estado grego reduziu o salário mínimo, cortou a merenda escolar e deixou milhares de famílias pobres sem eletricidade.

Sob a chibata de Merkel, da troika do euro e do FMI, o berço da democracia vivenciou o degrau mais indigente de degeneração desse regime desde a crise de 1929 nos EUA.

O que se discute agora, portanto, não é pouca coisa.

Em que medida a democracia, leia-se, o Estado orientado pela mobilização popular, poderá equacionar restrições de natureza não apenas local - mas global -  e reverter a marcha fúnebre de uma nação rumo ao abismo da história?

A revolução mundial não consta das opções disponíveis na mesa dos povos para desmontar a supremacia  das finanças desreguladas nesse momento.

A Grécia terá que renascer a partir de um trabalho de parto sincronizado com a construção de antídotos à hegemonia financeira no âmbito do euro.

As relações entre Estado, mercados, democracia e desenvolvimento ganham assim um laboratório de ponta alternativo à gororoba metafísica receitada pelo jornalismo de economia a serviço do dinheiro grosso.

A complexidade e a nitroglicerina embutidas nessa transição não aconselham ilusões.

Arranjos alternativos terão que ser negociados, concessões ocorrerão. Mas com uma diferença não negligenciável em relação ao que se passa em outras latitudes nesse momento:  o cristal metafísico que revestia a dominação dos mercados sobre a sociedade se espatifou em Atenas.

A
mão invisível materializou-se atada ao esqueleto do qual nunca se separou.

Dele fazem parte vértebras não estranhas à perplexidade atual dos brasileiros: elites descomprometidas da sorte da sociedade; endinheirados cuja pátria é o paraíso fiscal; burocracias públicas capturadas pelos oligopólios; políticos degenerados; sistemas partidários cevados no numerário privado; coalizões conservadoras dispostas a destruir o país e os alicerces do seu desenvolvimento para retomar o poder.

Sempre foi assim. Mas em sua versão neoliberal, potencializada pelo poder de chantagem da livre mobilidade dos capitais, a engrenagem adquiriu a ubíqua condição de um ectoplasma que até uma parte da esquerda passou a tratar como ‘o novo normal’.

Ou, o estado de exceção permanente.

O nó górdio dos que tem buscado se opor a ele é a rala contrapartida de organização coletiva e discernimento histórico para levar a cabo a luta por uma outra lógica de sociedade e desenvolvimento.

A frase acima condensa boa parte da encruzilhada brasileira atual.

Nela, um governo de raiz progressista debate-se entre a fidelidade aos seus compromissos e as concessões exigidas pelos mercados, sob risco de ser defenestrado por eles num arrastão de fuga de capitais, explosão de preços e greve dos investimentos.

Como escapar da disjuntiva se o sujeito do processo persiste alheio às raízes do conflito que determinarão o seu destino?

Durante um período longo demais, muitos dentro do PT acharam que essa era uma ‘não-questão’.

Que tudo se resolveria no piloto automático dos avanços incrementais do consumo, que se propagariam mecanicamente na correlação de forças da sociedade, fechando-se um círculo virtuoso e progressista.

A paralisia atual, que ameaça conquistas arduamente acumuladas, argui os termos dessa equação.

Com os limites do jogo ainda mais estreitos, o desafio agora é romper a capa da fatalidade ortodoxa para repor os termos de uma repactuação do desenvolvimento, capaz de assegurar um novo estirão da democracia social no país

A experiência em curso na Grécia deve ser acompanhada com a respiração em suspenso pela esquerda brasileira.

O que uma frente de esquerda que sempre perdeu as eleições, até se unir, ensina de antemão ao estilhaçado campo progressista brasileiro assume contornos de uma objetividade vertiginosa nos dias que correm.

Para a democracia enfrentar os mercados é crucial saber onde se pretende chegar mas, sobretudo, providenciar os instrumentos organizativos necessários à sustentação do percurso.

Clique aqui para ter acesso aos textos do Especial sobre a Grécia.

POLÍTICOS DIZEM QUE DESIGUALDADE É CAUSA DA ESTAGNAÇÃO ECONÓMICA



Benjamim Formigo – Jornal de Angola, opinião

No final da semana passada, em Davos, dirigentes políticos e económicos concordaram que a desigualdade social impede a retoma económica, fizeram um diagnóstico quase unânime mas não passaram a escrito a receita.

As reuniões inconclusivas dos fóruns internacionais que reúnem o poder (político e/ou económico) começam a ser aberrantes. O poder de decisão mundial reúne dias na mesma sala, debate os assuntos que domina e que tem uma capacidade única de influenciar, faz um diagnóstico quase, senão mesmo, consensual, discutem as receitas para uma saída da situação que se arrasta desde a crise de 2007/2008, até fazem declarações públicas e voltam todos para casa sem que um conjunto de recomendações – que teriam um peso político considerável – seja elaborado e tornado público. 

Isso obviamente forçaria Governos e a comunidade de negócios a tomar os remédios prescritos ou ignorando-os assumir a responsabilidade perante o público. O silêncio, pelo contrário, não ofende ninguém nem coloca interrogações incómodas. No encerramento do encontro chegou a notícia já esperada de que na Grécia o Syriza, um até aqui pequeno partido da esquerda radical, havia ganho as eleições com uma maioria confortável baseando a sua campanha na renegociação da dívida (e/ou eventual perdão de uma parte) com os credores internacionais.

A Grécia é um caso paradigmático do fracasso do dogma da austeridade que em Davos foi acusado de ser responsável pelo fosso crescente entre ricos e pobres, o aumento dos pobres e a estagnação da economia mundial mesmo com preços de petróleo a rondar os 50 dólares o barril, ou seja metade de Junho do ano passado. 

Nos países sujeitos à austeridade, por força da imposição da troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu (BCE)) ou nos que a auto-impuseram por estarem à beira de uma situação grave, as taxas de juro dispararam e a dívida das famílias cresceu em flecha, arrastando para o fosso uma parte considerável da classe média de quem o consumo, e portanto o desenvolvimento da economia dependem. 

Atenas poderá, se o Syriza se mantiver fiel às promessas eleitorais, fazer finca pé numa renegociação da dívida, juntar-se à Irlanda que fala nisso há semanas e levar consigo outros países europeus menos dominados pelo neoliberalismo, como a Itália e a Espanha, a França é um caso mais complicado e Portugal mantém-se, pelo menos na última semana, irredutível quanto a uma renegociação que a oposição defende.

Pior é que o BCE já vinha descendo as taxas de juro há meses sem que isso se reflectisse no aumento do consumo, na procura de bens, na retoma económica; nem a conjugação das baixas taxas de juro com a descida dos preços do crude estão a ter qualquer impacto positivo na economia mundial e arriscam arrastar para uma crise financeira os países produtores em geral.

A recente decisão do BCE conjuntamente com as descidas das taxas de juro e a queda nos preços do petróleo veio criar uma janela de oportunidade onde os Governos poderiam usar os fundos de 60 mil milhões de euros que o BCE injectará mensalmente na economia para investirem em infra-estruturas e outras obras com efeito directo sobre o emprego, a geração de riqueza, que permitiriam a retoma a médio prazo. Contudo nem todos os Governos europeus, e designadamente Espanha e Portugal, estão na disposição de usar aumentando os quadros do Estado e arriscando o crescimento da dívida, independentemente do retorno fiscal que os empresários envolvidos trariam tal como os postos de trabalho criados e o consumo por eles estimulado. Isso permitia também subir as necessidades de crude e pressionar a subida de preços, o que ao aumentar a riqueza dos produtores se iria reflectir nas exportações dos países ditos desenvolvidos.

Em Davos tudo isto ficou claro. Até Christine Lagarde ou Martin Sorrell concordaram que o dogma do FMI tinha mudado e que esta janela de oportunidade poderia estreitar o fosso entre ricos e pobres, fortalecer a classe média e ter reflexos positivos nos países em desenvolvimento. 

Concordaram que o efeito multiplicador positivo na economia era maior se houvesse um enriquecimento dos desfavorecidos do que no actual contexto que continua a centralizar a riqueza numa minoria cujos impostos e consumo não têm impacto relevante na retoma económica mundial. Não menos importante a coordenação de políticas fiscais que garantissem uma estabilidade na competição fiscal tornando-se o “know how” o factor decisivo. 

De igual modo o fim dos paraísos fiscais, segundo foi dito em Davos, faria entrar na economia 80 mil milhões (triliões na designação anglo-americana) de dólares que neste momento estão parados e escapam aos fiscos. 

Outro princípio daria o de recompensar as empresas, porventura por via fiscal, pela sua iniciativa, resultados, investimentos e criação de emprego – não de postos de trabalho mal pagos. Segundo Sorrell as empresas têm parados nas suas contabilidades sete mil milhões de dólares sem estímulo para serem investidos.


O que se passa na Europa, como o que se passa, em menor grau nos EUA, tem reflexos que podem ser de longo prazo nas economias emergentes e em especial nas que dependem em grande medida do petróleo. A crise nestes países, em especial na Rússia, Venezuela e Nigéria, pode ter um efeito multiplicador e por isso são muitos os que neste momento apoiam o fim da austeridade e o aproveitamento da conjuntura para pôr a máquina em movimento.

Moçambique: AFONSO DHLAKAMA PROMOVE A DIVISÃO




O primeiro-ministro moçambicano condenou “enérgica e veementemente” as últimas afirmações do líder da RENAMO que, “directa ou indirectamente, consubstanciam a guerra e a divisão do país” e desafiou os deputados daquele partido a ocuparem os lugares na Assembleia Nacional.

Carlos do Rosário reagia às promessas de Afonso Dhlakama feitas ao centro e norte de Moçambique de formar um Governo autónomo.

O primeiro-ministro disse que todos os moçambicanos devem defender a paz, unidade nacional e desenvolvimento.

O governo, salientou, continua a investir no diálogo aberto e tem equipas que o mantém no Centro de Conferências Joaquim Chissano. 

Carlos do Rosário referiu haver várias maneiras de dialogar, mas nunca com a incitação à violência e à divisão do país. 

O secretário-geral da FRELIMO disse na véspera que o programa do seu partido tinha sido aceite pela população e que o objectivo de Afonso Dhlakama era “a desestabilização e bloqueio da governação”.

Eliseu Machava questionou a razão que leva a RENAMO a querer “um Governo de gestão”, quando durante a campanha eleitoral afirmou que não tinha nada com “os princípios do partido do batuque e da maçaroca”.

O presidente do MDM sublinhou “não haver espaço para as exigências de Afonso Dhlakama de formar Governo de gestão enquanto não for alterada a Constituição” e aconselhou-o a apresentar uma proposta de alteração constitucional.

 Daviz Simango referiu que a ideia de um Governo de gestão “é extemporânea na vigência da actual Constituição, pelo que uma proposta do género deve ser feita no quadro de uma revisão da Lei Fundamental”.

Jornal de Angola – Foto AFP

Angola: A CRISE E A FALTA DE REALISMO POLÍTICO



Filomeno Manaças – Jornal de Angola, opinião

Dizer que a actual crise dos preços do petróleo é uma “manobra de diversão” e que isso não afecta a nossa economia, é de uma tremenda falta de realismo político, sabendo-se a grande apreensão que a situação está a causar em muitos países exportadores, membros e não membros da OPEP, que tradicionalmente têm nas receitas petrolíferas o principal sustentáculo dos seus orçamentos públicos.


A Rússia, a Venezuela, o Irão e a Nigéria são alguns exemplos de como a queda dos preços do petróleo, uma tendência que começou em Junho de 2014 e que levou o crude a ser comercializado actualmente em menos de 50 dólares o barril, está a criar imensas dificuldades à economia, com uma redução drástica dos níveis de desempenho e obrigando a restrições sérias para salvaguardar os sectores produtivos fundamentais e a estabilidade política e social.

Apesar de a actual queda dos preços do petróleo afectar essencialmente os países exportadores, nem por isso economias que dependem da importação dessa matéria-prima e dos seus derivados embarcaram numa onda de euforia, não obstante a presente situação representar um grande desafogo financeiro e, por conseguinte, uma significativa poupança em termos de despesas, que desagrava, de certo modo, o peso da crise económica e financeira que desde 2008 afecta o mundo.

Atentemos para o caso português: com o preço do petróleo no mercado internacional a 119,7 dólares o barril, o país tinha uma factura anual de 13,1 mil milhões de dólares. Com o barril a cerca de 74 dólares, as contas baixaram para 8,1 mil milhões de dólares. Ou seja, se as cotações do petróleo se mantiverem a preços constantes abaixo dos 70 dólares por barril, Portugal consegue poupanças na ordem dos 5 a 10 mil milhões de dólares por ano. Na sequência da baixa dos preços do petróleo, em Dezembro os combustíveis sofreram também ligeiras reduções em Portugal. Mas, mal soou insistentemente a campainha do FMI a alertar que o défice orçamental para este ano poderá ser superior aos 3 por cento previsto pelo Governo, a baixa dos preços dos combustíveis passou apenas a ser um pequeno “bónus” da quadra natalícia e deixou de ser encarada como “ensaio” de um pacote destinado a aliviar a pressão sobre o bolso do contribuinte fiscal. Este exemplo mostra que mesmo os países importadores, que estão a comprar o petróleo mais barato, não arriscam uma política de redução dos preços dos combustíveis.

A situação é obviamente diferente nos Estados Unidos, onde a produção de petróleo e gás de xisto está a contribuir para a retoma da economia, com a criação de novos postos de trabalho e sobretudo para a auto suficiência energética do país, o que teve implicações, de forma determinante, na queda actual dos preços do crude. Factor a que se deve acrescer também o fraco desempenho da economia europeia e chinesa.

Não se deve, pois, em relação à economia angolana, ter uma opinião simplista, do género da vertida por Isaías Samakuva, segundo a qual “não existe crise económica no país, resultante da baixa do preço do barril do petróleo, e que falar dela se destina a distrair as pessoas”. A crise está aí e já afectou de modo drástico o Orçamento Geral do Estado. Todavia o Executivo fez questão de sublinhar  que, embora alguns projectos venham a ser adiados, vai dar continuidade ao programa de combate à fome e à pobreza, precisamente para fazer face aos efeitos adversos que ela (a crise) possa causar, mas também - não nos podemos esquecer - às vicissitudes que os longos anos de guerra provocaram ao país. Nada é menos avisado do que pensar que a totalidade dos recursos financeiros que o Estado acumulou em reservas devem servir apenas e exclusivamente para fazer face à crise, sem que outras medidas (e que estão em curso há já algum tempo, como a diversificação da produção) sejam tomadas de modo a dotar a economia de mecanismos que lhe confiram capacidade de, com algum desafogo, resistir aos choques resultantes das alterações cíclicas dos preços do petróleo. Este é precisamente o ponto de viragem que a economia angolana persegue e que está há apenas alguns passos de o conseguir, pois foram feitos investimentos de vulto em infra-estruturas que, mal terminou a guerra, se impunham para recuperar o país dos anos de atraso causados pelo conflito militar. E, é claro, nada podia ter calhado melhor numa época em que o preço do petróleo esteve em alta.

Agora, estamos em melhores condições de encarar a crise, porque a economia registou ganhos significativos em termos organizacionais.

Se algum mérito teve a intervenção de Isaías Samakuva, foi o de espicaçar a atenção para situações já pontualmente esclarecidas, como é o facto de o Fundo Soberano ter objecto social específico e perseguir, também, a diversificação da economia nacional, apoiando nomeadamente os chamados “veículos de investimento” que sejam especializados para cada sector, tendo a instituição  nomeado, o ano passado, a firma Deloitte & Touch como auditor independente para as suas contas. A falta de atenção em relação à actividade do Fundo e as interpretações enviesadas sobre o seu papel, carregadas de forte subjectivismo, têm levado leitores inadvertidos a não entender com profundidade a razão do seu surgimento e a essência da sua intervenção, que não se resume ao mercado angolano.

União Africana empenhada na criação de uma força para combater Boko Haram




A 24.ª cimeira de chefes de Estado e de Governo da União Africana decorre esta sexta-feira e sábado (30+31.01) em Addis Abeba. A criação de uma força regional para combater o Boko Haram é um dos temas do encontro.

O grupo radical islamista Boko Haram ameaça a segurança e o desenvolvimento de toda a África e por isso o continente deve adotar “uma resposta coletiva e decisiva”, disse esta sexta-feira (30.01) Nkosazana Dlamini-Zuma, presidente da Comissão da União Africana, em Addis Abeba, na cimeira dos chefes de Estado da organização panafricana.

Dlamini-Zuma lembra que “no início o Boko Haram parecia ser apenas um grupo muito bem localizado", mas que atualmente ganhou outra forma: "Mas agora vemos que o grupo alargou a sua área de ação para a África Central e Ocidental. Pelo facto devemos prosseguir juntos no combate contra esta ameaça, porque caso não seja travado, o Boko Haram será um perigo para todos os nossos países”.

Na noite de quinta-feira (29.01), o Conselho de Paz e Segurança da União Africana (UA), lançou um apelo para a criação de uma força militar regional composta por 7.500 homens para combater os islamistas radicais do Boko Haram, cujos avanços na Nigéria e as incursões nos Camarões, nomeadamente, preocupam os países vizinhos.

A Nigéria, os Camarões, o Niger, o Tchade e o Benin já tinham acordado nos finais do ano passado, criar uma força de 3 mil homens, que ainda não está operacional devidio a querelas entre Abuja e os seus vizinhos.

Mugabe na presidência da UA

Entretanto, a cimeira, que tem lugar esta sexta-feira (30.01) e sábado (31.01), designou para a presidência rotativa da União Africana o Presidente do Zimbabué, Robert Mugabe, um autocrata de quase 91 anos de idade, no poder desde a independencia do seu país em 1980. Mugabe substitui no cargo o seu homólogo mauritaniano Mohamed Ould Abdel Aziz.

Segundo alguns analistas, a nomeação de Mugabe para a presidência da UA suscitou um certo embaraço nas fileiras da organização pan-africana. Eles consideraram que a escolha representa um mau sinal enviado pela organização sobre os valores da democracia e governação que pretende defender e pode prejudicar a sua imagem.

Aliás na abertura da Cimeira da UA, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apelou aos dirigentes africanos para "não se prenderem ao poder". Ban Ki-moon disse ainda que os dirigentes modernos não podem permitir-se ignorar os desejos e aspirações dos que representam.

Mais à frente na sua intervenção", Ban considerou o Boko Haram como uma ameaça para a região e mesmo internacional, tendo acrescentado que "o terrorismo não conhece fronteiras. Está em todo o lado... em muitos países africanos, no Corno de África e na Zona do Sahel... Em todo o lado", sublinhou.

Boko Haram em cima da mesa, mas Goodluck Jonathan ausente da cimeira

Entretanto, o Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, por estar em campanha eleitoral no país não está presente nesta cimeira, embora o combate ao grupo radical Boko Haram seja um dos principais temas em discussão.

Na verdade, enquanto em Addis-Abeba os discursos se sucedem e os participantes na cimeira se mostram preocupados com os ataques do Boko Haram, na Nigéria Goodluck Jonathan nos seus discursos de campanha insiste em manifestar a certeza na vitória contra os islamistas radicais, como fez num comício em Yola, no leste do país: ”As nossas destemidas forças recapturaram várias cidades e em breve teremos sob controle todo o país."

Para os analistas, o exército da Nigéria está muito mal equipado e treinado, enquanto no seu seio a corrupção é elevada. Esse quadro dificulta grandemente as ações do exército nigeriano no combate ao Boko Haram notam os especialistas.

E apesar de todas mensagens de sucesso do Presidente Jonathan e dos seus generais, desde a criação do Boko Haram, no início de 2000, os islamistas espalharam-se não só pelo nordeste da Nigéria, onde terrorizam as populações, mas também realizam ataques contra o exército e a polícia.

Recorde-se que essa insurreição já provocou mais de 13 mil mortos desde 2013 e fez mais de um milhão de refugiados, que atualmente se encontram nos Camarões, no Niger e no Tchade.

Aval do Conselho de Segurança da ONU

A comunidade internacional já anunciou que está pronta para ajudar financeiramente no combate ao Boko Haram. Mas a forma como essa ajuda será feita está ainda em aberto e será uma das questões a ser resolvidas nestes dois dias de trabalho da cimeira da UA.

Solomon Abu Dersso, do Instituto de estudos de Segurança em Adis-Abeba, em entrevista à DW repisa que ”é exatamente uma das questões a ser resolvida e a outra tem a ver com a autorização e a criação de uma força regional com um mandato da Comissão de Paz da UA e do Conselho de Segurança da ONU.

Dersso também apoia a ideia de uma força regional: "E esperemos que a questão seja submetida ao Conselho de Segurança para autorizar a sua implementação”.

Para o analista, os Estados devem concordar em submeter a questão ao Conselho de Segurança da ONU porque se trata de "uma das exigencias mais prementes para o continente, particularmente por ser uma resposta concreta a ameaças terroristas que estão a acontecer na Nigéria, no Mali e assim por diante”, conclui.

Outros assuntos em discussão

A reunião é subordinada ao lema "2015: Ano da Capacitação e Desenvolvimento da Mulher Rumo à Agenda 2063 de África" e enquadra-se nas celebrações de cinco anos da vigência da Década da Mulher Africana proclamada em janeiro de 2009.

O surto do ébola na África Ocidental, a situação de segurança no continente africano, particularmente no Burkina Faso, Líbia, República Centro Africana, Sudão do Sul, República Democrática do Congo e Somália, as mudanças climáticas e fontes alternativas de financiamento da União Africana são outros temas em agenda durante este encontro de alto nível.

Peter Hille / António Rocha / Reuters / AFP – Deutsche Welle

Rússia-China-Índia: NASCIMENTO DE UM NOVO CENTRO DE PODER



Vladimir Fedorov – Voz da Rússia

Em 2 de fevereiro, os ministros das Relações Exteriores da Rússia, China e Índia irão se reunir em Pequim, a fim de elaborar uma agenda comum de cooperação para 2015.

Para responder aos novos desafios, os chanceleres Serguei Lavrov, Wang Yi e Sushma Swaraj terão que elevar as consultas tripartidas para um novo patamar, segundo acreditam os especialistas. Com muita probabilidade, se visará o objetivo de formar, em um par dos próximos anos, um "triângulo de poder" de dimensão global.

Os titulares da pasta das Relações Exteriores da Rússia, China e Índia se reúnem no formato trilateral, lançado em 2005 em Vladivostok, uma vez por ano. A próxima edição das conversações em Pequim será a décima, marcando as "bodas de alumínio" do mecanismo que em reiteradas ocasiões provou a sua utilidade. As posições coordenadas dos três países em relação a questões globais e "pontos quentes" fazem com que os outros centros de poder escutem com uma maior atenção a voz da China, Índia e Rússia.

Na véspera da reunião ministerial em Pequim, os três países têm formulado uma nova agenda operacional de riscos geopolíticos. Além dos problemas em torno do Estado Islâmico, Afeganistão e Síria, envolve respostas a prováveis evoluções do conflito no sudeste da Ucrânia e reações a possíveis mudanças no regime de sanções contra a Rússia, incluindo o endurecimento e/ou prolongamento das medidas restritivas.

A par disso, há uma extensa agenda ligada aos desafios globais. A Rússia, a China e a Índia devem ter, pelo menos, um projeto de sua própria resposta a estas questões, está convencido Nikita Maslennikov, conselheiro do Instituto de Desenvolvimento Contemporâneo:

"Não são poucos os assuntos que o chanceler Serguei Lavrov tem para abordar e harmonizar com os seus homólogos. Não se trata apenas das soluções momentâneas e passageiras, mas também das de projeção para o futuro, não só para este ano senão para um espaço de tempo mais prolongado. Aliás, o que importa é começar a desenvolver uma agenda consistente e coerente a médio prazo.

"Em geral, a expectativa das consultas e encontros em Pequim se traduz em uma ideia de que a potencialidade, o poder econômico alcançado pelos três países precisa, naturalmente, de algum projeto novo, ou seja, requer um tipo de organização que tenha uma gravitação mais pronunciada e representação mais impactante na política externa global. Por todas estas razões, a reunião de 2 de fevereiro poderá se tornar emblemática".

De acordo com a maioria dos especialistas, a Rússia, a China e a Índia são as locomotivas dos BRICS. A Rússia e a China desempenham o mesmo papel de liderança na Organização para Cooperação de Xangai, enquanto a Índia virá a ser membro da OSX neste verão boreal – a decisão já tem sido tomada ao mais alto nível político e falta apenas uma tramitação organizacional.

Segundo Alexei Martynov, diretor do Instituto Internacional dos Estados Emergentes, o triângulo Moscou – Pequim – Nova Deli, nascido há dez anos, vem se transformado em uma força poderosa do mundo multipolar:

"Sem dúvida alguma, o formato composto pela Rússia, Índia e China tem todas as chances e perspectivas de se converter em um novo polo, aliás, um dos principais polos do mundo multipolar. Vista sob esta ótica, a reunião dos chanceleres em Pequim dará um passo firme nessa direção.

"Cada um dos três países deixa entender claramente aos EUA que a época do mundo unipolar já pertence à história. Que as tentativas de dominar o mundo não darão resultados nas relações bilaterais. De igual maneira, carecem de perspectiva os esforços de encontrar, por exemplo, o apoio da Índia, contrapondo-a à Rússia e à China, ou da China contra a Rússia.

"Neste sentido, a reunião dos chanceleres em Pequim, segundo calculo, deverá dar um novo sinal aos EUA: o formato Rússia – China – Índia é uma realidade geopolítica que tem de ser respeitada".

Dmitri Abzalov, presidente do Centro de Comunicações Estratégicas, está convencido de que hoje já se pode falar de uma tendência expressa para a articulação de um G3:

"Estes três países poderão representar um novo centro de poder concentrado no sul e leste da Ásia, o novo vetor oriental na política global. E isso se torna realidade apesar de a política dos EUA na Ásia se basear precisamente nas contradições entre a Índia e a China.

"Enquanto isso, os dois países têm um relacionamento muito complicado com os principais parceiros orientais de Washington. No caso da Índia, é o Paquistão; e no da China, o Japão. Mas Moscou sabe negociar e vir a ser um bom parceiro, capaz de fortalecer seriamente as posições dos três países no Oriente.

"É possível que dentro em breve o formato G3 passe a substituir em certo sentido o G20 ou ser uma versão abreviada deste".

O programa de estadia em Pequim prevê também reuniões bilaterais entre os chefes das diplomacias russa, chinesa e indiana. Em particular, é esperado que as negociações entre Sushma Swaraj, que pela primeira vez visita a China como ministra das Relações Exteriores da Índia, e o seu colega chinês, Wang Yi, consolidem a dinâmica positiva que as relações bilaterais obtiveram após a visita do presidente Xi Jinping à Índia, em setembro do ano passado.

Foto: RIA Novosti - arquivo

Vice-premiê russo: defesa estadunidense não é capaz de abater nossos mísseis




O vice-primeiro-ministro russo Dmitri Rogozin acha que o sistema de defesa antimíssil (DAM) norte-americano em perspectiva não será capaz de abater os mísseis estratégicos russos. Esta informação foi divulgada pela agência Tass.

Segundo a opinião de Rogozin, Washington está preocupada com os planos russos de rearmamento. “Três anos atrás muitos riam-se do estado do nosso complexo militar-industrial e todos pensavam que nós só conseguíamos produzir caçarolas. Mas agora tudo é diferente. Os Estados Unidos estão preocupados com os planos de rearmamento do exército russo. Além disso, não se trata somente de planos. Não são projetos mas sim volumes e qualidade dos equipamentos militares que crescem anualmente”, afirmou.

O vice-premiê disse que só em 2014 a Rússia produziu 170 aviões, 289 helicópteros, 87 navios e cinco submarinos (dois deles foram exportados ao Vietnã).

Foto: RIA Novosti/Сергей Мамонтов - arquivo. Dmitri Rogozin


Brasil: “O GOVERNO DILMA É TOTALMENTE REFÉM DO MERCADO” - Rosa Maria Marques



Gabriel Brito – Correio da Cidadania

O ano econômico brasileiro começou recheado de medidas de contenção de investimentos na área social e trabalhista, plenamente ao gosto do mercado e dos ministros escolhidos para contentá-lo. Como resposta, os sindicatos prometem não aceitar os cortes com a mesma solenidade de outros momentos, o que se explica por um cenário de crise econômica que ameaça seriamente a renda e o emprego de suas bases. Para discutir tal cenário, o Correio da Cidadania entrevistou a economista Rosa Maria Marques.

“É preciso lembrar o já sabido: é o investimento que permite a manutenção de um crescimento contínuo na sociedade capitalista. Ocorre que o investimento está baixo em todo o mundo, com exceção da China. E isso não só porque a economia capitalista enfrenta uma crise profunda e longa, mas por conta da mundialização e a desregulamentação dos mercados, no qual se destaca o financeiro. Assim, à parte as dificuldades que existem no Brasil e que foram aprofundadas com o câmbio valorizado, soma-se esse ‘traço geral’”, explicou.

No entanto, do momento em que o país se encontra rodeado de outras crises, como da água e da energia, é necessário discutir o próprio modelo de desenvolvimento e seu eventual esgotamento. Além disso, Rosa Marques, também professora da PUC-SP, destaca a posição de submissão do governo brasileiro ao mercado, o que contribui para o agravamento do quadro. “No Brasil, sempre foi importante o papel do investimento público. Ocorre que este é limitado pelo poder dos credores da dívida, pela via da realização dos superávits primários”, lembrou.

Quanto às medidas específicas sobre os direitos trabalhistas, a economista relativiza algumas delas, umas por não terem tanto peso, outras porque, na realidade, já eram alvo de debates técnicos desde outros tempos. Apenas lamenta que não se tenha passado pelo crivo do Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador), onde tradicionalmente se tratam tais questões de maneira mais equilibrada.

De toda forma, a entrevista prevê tempos difíceis para os trabalhadores, inclusive para além das medidas mais publicizadas. “O que realmente é digno de nota é que um dos argumentos utilizados foi o déficit da Previdência, mas nada foi dito sobre a desoneração de 56 setores da economia e sobre a Seguridade Social continuar superavitária. O governo Dilma acabou de aprovar a entrada do capital estrangeiro na saúde. Ao mesmo tempo, a PEC 358 está tratando os Royalties do Petróleo destinados à saúde não como um acréscimo de recursos, mas como sendo contabilizados no interior do valor já praticado. Enfim, não é só cortando benefícios ou dificultando o acesso a eles que o governo está pensando em fazer caixa”, destacou.

A entrevista completa com Rosa Maria Marques pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, a estagnação da economia em 2014, as perspectivas de um ano ainda mais arrochado em 2015, a crise energética e a crise hídrica são demonstrações de que o modelo de “desenvolvimento” que vigorou durante a era do lulismo está no limite ou até se esgotou?

Rosa Maria Marques: Desde o início de 2014, dizíamos que o crescimento fundado na expansão do mercado interno – via políticas de transferência de renda, crédito para os setores de mais baixa renda, valorização do salário mínimo, entre outras políticas – havia se esgotado. E, pior do que se esgotado, nada havia sido feito para alterar a situação do câmbio “fora do lugar”, isto é, a valorização do real, e impedir a destruição de parte importante da indústria.

As políticas voltadas para a expansão da capacidade de compra dos setores de renda mais baixa, bem como o ciclo expansivo das commodities e o desempenho da China, criaram a falsa impressão de que era possível manter a economia crescendo, mesmo que a taxas não muito expressivas, a despeito do que ocorria no resto do mundo. O ano de 2014 mostrou quão falso isso era.

Evidentemente, não estou dizendo que as políticas de transferência de renda, de valorização do salário mínimo e de ampliação da capacidade de compra dos setores de menor renda não deveriam ter sido feitas. O que estou dizendo é que a capacidade de essas políticas resultarem na ampliação ou sustentação da demanda tem um limite. Na sociedade capitalista, o que permite manter taxas contínuas de crescimento é o investimento, algo sabido.

A questão da crise energética e da crise hídrica não está diretamente relacionada ao governo Dilma, a não ser por sua clara incompreensão do que se passa em termos de mudança climática e por decisões tomadas que aprofundam os problemas nessa área no Brasil. Embora se possa dizer que faltaram investimentos públicos, os especialistas em meio ambiente há muito vêm dizendo que o desmatamento da Amazônia – Antonio Nobre nos diz que são destruídas 2.000 árvores por minuto na região -, que vem se somar ao que foi feito muito antes, tal como a destruição da Mata Atlântica, já alterou o clima no Brasil.

O baixo volume e duração do período de chuva e a ampliação da estação seca são produtos dessa mudança. Mas os poderes públicos continuam a desconsiderar esse fato e, inclusive, a incentivar ou permitir, por sua ausência regulatória, a ocupação de áreas que deveriam ser preservadas e/ou recuperadas. Isso para os negócios de todos os tipos ou mesmo para a ocupação imobiliária.

Correio da Cidadania: Neste contexto, o que diria, especificamente, sobre o investimento público e privado no Brasil nos últimos anos?

Rosa Maria Marques: É preciso lembrar o já sabido: é o investimento que permite a manutenção de um crescimento contínuo na sociedade capitalista. Ocorre que o investimento está baixo em todo o mundo, com exceção da China, e não só aqui. E isso não só porque a economia capitalista enfrenta uma crise profunda e longa, mas porque houve, nas últimas décadas, com a mundialização e a desregulamentação dos mercados, nos quais se destaca o financeiro, a ampliação de maneira absurda das possibilidades de o capital ampliar-se sem ter de se preocupar com investimentos no sentido restrito do termo.

E isso é dado pelo mercado de títulos, ações e derivativos, que perfazem várias vezes o PIB mundial. Vários economistas já chamaram atenção para o fato de que, desde o início dos anos 1990, houve um descolamento entre o investimento e os lucros, isto é, se antes eles evoluíam juntos, criou-se uma brecha, de modo que, cada vez mais, parte dos lucros não é reinvestida, mas, sim, dirigida para o mercado financeiro de capital especulativo ou fictício, com rentabilidade extraordinária.

Assim, à parte as dificuldades que existem no Brasil e que foram aprofundadas com o câmbio valorizado, soma-se esse “traço geral” que caracteriza o capitalismo contemporâneo, o que empurra ainda mais o nível do investimento para baixo.

Mas estamos falando de investimento privado. E, no Brasil, sempre foi importante o papel do investimento público. Ocorre que este é limitado pelo poder dos credores da dívida, pela via da realização dos superávits primários – termo que hoje ficou conhecido por grande parte da população brasileira, tal foi a avalanche de comentários e notícias veiculadas na imprensa, televisiva ou não, sobre um pretenso descontrole total dos gastos públicos...

Na impossibilidade, real ou política (enquanto escolha de governo), de realização de investimentos públicos significativos, e na ausência ou inibição do privado, não há como a economia crescer.

Correio da Cidadania: Como analisa as primeiras medidas econômicas adotadas pelo segundo mandato de Dilma Rousseff, entre os momentos finais de 2014 e iniciais de 2015?

Rosa Maria Marques: As medidas tomadas ao final de 2014 e que prosseguem neste início de ano apenas mostram que o governo Dilma é totalmente refém do que se convencionou chamar de mercado. Foi o mercado que introduziu como inexorável a realização de superávits primários (mesmo que em nível inferior do que já foi obtido no passado), impondo contingenciamentos no orçamento e buscando reduzir gastos em todos os lados.

A opção por reduzir ou conter os gastos públicos, que constituem um importante componente da demanda interna do país, em um quadro de uma economia estagnada ou, como querem alguns, caminhando para uma recessão, certamente irá deprimir ainda mais a situação econômica.

Correio da Cidadania: A partir do reforço dessa ótica conservadora, quais efeitos você espera sobre seguro-desemprego, pensão por morte, abono e auxílio doença?

Rosa Maria Marques: Não há, a princípio, problema em se alterarem as condições de acesso e mesmo certos aspectos da concessão de benefícios. Isso é feito corriqueiramente junto aos sistemas de proteção, sempre que for considerado necessário. Contudo, no caso específico das medidas que foram encaminhadas, embora elas ainda necessitem aprovação do Congresso Nacional, alguns problemas se colocam.

No que se refere ao seguro-desemprego, a primeira coisa que chama atenção é que a medida encaminhada não foi objeto de discussão do Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador), onde participam, paritariamente, empresários, trabalhadores e governo. Não há, contudo, nenhuma regulamentação que determine que matéria desse teor fosse nele discutido, mas, dada a tradição democrática desse conselho, e a importância da mesma sobre a vida do trabalhador, era de se esperar que isso ocorresse. O mais grave é que, se for confirmada a piora da situação econômica, o que implica aumento do desemprego, é possível que parte dos desempregados não tenha como solicitar o seguro-desemprego, caso não comprove vínculo empregatício junto ao mercado formal nos últimos 18 meses. Enfim, é um mau momento para mudar as regras de acesso.

Quanto ao abono, mesmo considerando que isso pode ser entendido como uma perda de direito, não tinha muito fundamento, em termos de justiça no campo da proteção social, a concessão de um salário mínimo para todos trabalhadores que ganhassem até dois salários mínimos, independentemente do número de meses trabalhados no ano. As novas regras exigem que se tenha trabalhado pelo menos seis meses, de forma ininterrupta, no lugar de um, e o pagamento passa a ser proporcional ao tempo trabalhado, tal como ocorre com o 13º. O que se pode discordar é sobre a exigência de seis meses ininterruptos, bem como o fato de, mais uma vez, não ter havido prévia discussão com as entidades e sindicatos que representam os principais interessados. Agora, a bem da verdade, estas e outras propostas de ajustes são discutidas pelos especialistas da área há muito tempo.

No que se refere à pensão por morte, houve piora nas condições de acesso, pois foi ampliado o tempo mínimo de contribuição (e de comprovação da união) para que o cônjuge ou companheiro (a) tenha direito à pensão, bem como foi introduzida a expectativa de vida do cônjuge sobrevivente e dos filhos na definição do tempo de concessão. Em outras palavras, foi extinta a concessão perpétua para qualquer idade: para as condições demográficas atuais, somente aqueles com 44 anos ou mais (com expectativa de sobrevida de 35 anos), têm direito à pensão durante toda sua vida. O tempo para os demais cônjuges ou filhos é função de suas expectativas de vida. Aspectos dessas alterações, principalmente quanto à concessão perpétua, sempre foram objeto de muita crítica entre os especialistas. Contudo, chama atenção que nada mudou quanto às regras dos militares, somente afetando aqueles regidos pelo INSS e os funcionários públicos.

A mudança do auxílio-doença me parece ainda mais problemática, pois o trabalhador irá receber de acordo com a média das últimas 12 contribuições, no lugar de 91% de seu salário (limitado ao teto do INSS). Certamente isso irá significar uma redução do nível do benefício, o que é particularmente preocupante em caso de doença, quando despesas aumentam, ainda que o mesmo tenha cobertura pública ou privada dos cuidados com a saúde.

Mas pouco importa se parte dessas medidas encontra apoio em termos de justiça previdenciária. O que realmente é digno de nota é que um dos argumentos utilizados para seu encaminhamento foi o déficit da Previdência Social, e nada foi dito sobre a desoneração permanente na contribuição sobre a folha de salários, de 56 setores da economia, e que a Seguridade Social, a despeito de tudo, continua superavitária. Vale lembrar que os recursos da Seguridade, entre os quais estamos incluindo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), são recursos dos trabalhadores, muito embora a Desvinculação de Receitas da União (DRU) promova um “confisco” de 20%, exatamente com vista ao superávit primário.

Correio da Cidadania: O que se pode, por sua vez, esperar dos ministros escolhidos por Dilma na área econômica no longo prazo, considerando que os próprios representantes do governo anunciam que os ajustes serão necessários por pelo menos dois anos?

Rosa Maria Marques: Não há longo prazo à vista. O que iremos assistir, e já estamos assistindo, é ao recrudescimento das lutas em defesa do emprego, dos salários e dos direitos sociais. Para alguns setores da esquerda, enquanto o governo, mesmo fazendo inúmeras concessões ao capital financeiro, ao agronegócio e às empresas em geral (vide as desonerações), continuasse a manter nível baixo de desemprego, elevação do salário mínimo, ampliação do acesso à universidade, políticas de transferência de renda, entre tantas outras ações que sem dúvida beneficiaram parcelas importantes da população brasileira, tudo estaria bem.

Contudo, quando aquilo que parecia ser uma concessão – para acalmar os mercados – passa a ser o determinante dos rumos gerais do governo, parte de sua base de apoio se desloca e se põe a lutar pela defesa daquilo que lhe é mais caro: emprego e renda, sendo que nesta última se incluem os direitos sociais.

E para completar, gostaria de tocar em um assunto da maior importância. O governo Dilma acabou de aprovar a entrada do capital estrangeiro na saúde, o que era vetado pela lei 8.080, de 1990. Ao mesmo tempo, a PEC 358 está, entre outras coisas, tratando os Royalties do Petróleo destinados à saúde não como um acréscimo de recursos para a área, mas como sendo contabilizados no interior do valor já praticado. Ainda nessa PEC, a proposta do Projeto de Iniciativa Popular, conhecida como Saúde +10, subscrito por 2,2 milhões de brasileiros, foi totalmente desconsiderada. Enfim, não é só cortando benefícios ou dificultando o acesso a eles que o atual governo está pensando em fazer caixa.

Correio da Cidadania: Que efeitos podem ser projetados sobre a sociedade brasileira e os trabalhadores?

Rosa Maria Marques: Serão tempos muito difíceis. A capitulação ao mercado, em matéria de política econômica, com todos os desdobramentos que acarreta, terá consequências negativas para os trabalhadores. Elas só não serão maiores se estes continuarem (como já estão fazendo) a se mobilizar na defesa do emprego, dos salários e dos direitos sociais, como disse anteriormente. 

Gabriel Brito é jornalista.

Brasil – São Paulo: ESTADO MAIS IMPORTANTE DO PAÍS SOFRE CRISE HÍDRICA




Em entrevista, tecnólogo em saneamento aponta a falta de planejamento, a devastação das florestas e a gestão privativista da Sabesp como causas da crise

Gabriel Brito e Paulo Silva Júnior – Carta Maior

Para muitos, o racionamento de água em São Paulo já é uma realidade líquida e certa. Resta saber até quando políticos ganharão tempo para escondê-la ou se a população agirá, a ponto de, quem sabe, se repetirem as chamadas ‘guerras da água’, já vistas em locais onde os serviços hídricos e sanitários foram privatizados. De toda forma, o assunto não é passageiro e exige toda uma reflexão a respeito dos atuais modelos de vida e economia.

“Em primeiro lugar, é preciso reeducar a população a reduzir o consumo. As empresas também, pois quando se fala em redução de consumo parece que só a população consome. Mas, no Brasil, 70% da água é consumida pela agricultura, 22%, pela indústria e 8%, pelas residências. E quando se fala em redução de consumo, só se fala dos 8%, mas não dos 92%”, afirmou Marzeni Pereira, tecnólogo em saneamento da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), em entrevista ao Correio da Cidadania.

Na conversa, Marzeni elenca uma série de razões históricas, desde as locais até as mais abrangentes, que levaram São Paulo à atual crise hídrica, cujas consequências ainda não foram quantificadas. Trata-se de mais um fracasso do modelo de gestão privativista, de mãos dadas com um projeto desenvolvimentista que tem gerado mudanças ambientais em todos os grandes biomas do país.

“A Sabesp é a empresa mais preparada do Brasil para gerir o sistema de saneamento. Tem o melhor corpo técnico, a melhor estrutura etc. O problema principal é justamente a administração voltada para o mercado e ao lucro. Além disso, a empresa, sem dúvida, vem sofrendo sucateamento. Em 2004, tinha 18 mil trabalhadores e a sua base de atuação era menor. Hoje, a empresa tem menos de 14 mil. A terceirização (subcontratação) é um dos principais problemas, por exemplo, na perda de água”, explicou, em relação ao contexto paulista.

Por outro lado, Marzeni não deixou de fora toda a relação com um modelo já há décadas hegemónico. “No ano passado, em torno somente de soja, carne, milho e café, o Brasil exportou cerca de 200 mil milhões de m³ de água. Significa abastecer São Paulo por quase 100 anos. A humidade atmosférica, mantida através dos chamados ‘rios voadores’, que vêm do Norte do Brasil e precisam da continuidade da vegetação, foi reduzida. A atuação do agronegócio, quem mais desmata, teve influência em São Paulo. E houve também o desmatamento de todo o centro-oeste do estado”, resumiu.

A entrevista completa com Marzeni Pereira, realizada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Qual o resumo que faz, num breve histórico, das origens e razões da crise da água no estado de São Paulo? 

Marzeni Pereira: Podemos dizer que o histórico da crise de água em São Paulo tem bastante tempo. Em 2003, por exemplo, o sistema Cantareira[1] chegou próximo de zero, com menos de 5% da sua capacidade de armazenamento e todo o sistema de saneamento quase entrou em colapso. Houve um princípio de racionamento, com a Operação Pajé (na qual se bombardeavam nuvens e se pulverizava a sua água).

Nesse período, foi elaborado um plano para que o saneamento de São Paulo dependesse menos do Cantareira, ao ser assinada uma outorga com vistas a reduzir a dependência do reservatório – o que mais abastece a capital e a região metropolitana. De lá para cá, a ideia era reduzir perdas, aumentar a reutilização e encontrar novas formas de abastecimento, por outros mananciais. Isso não aconteceu.

Em 2004 e 2005, houve uma recuperação da reservação de água; em 2009, houve um pico, com quase 100% das represas cheias. Em 2009, houve um período de enchentes, como a do Jardim Pantanal (zona leste); e em 2011, houve a enchente de Franco da Rocha, por conta da abertura da represa Paiva Castro. Mas, de toda forma, não houve redução da participação do sistema Cantareira. As perdas caíram, mas não o suficiente para suprir a procura, que cresceu. Não houve, portanto, contrapartida suficiente na disponibilidade de água. Esse é o principal problema.

Com eleições e Copa do Mundo, havia a necessidade de o governo manter a sua imagem em alta. Por isso, não se tomaram medidas para reduzir o consumo. 

Outro ponto é que tivemos, recentemente, em 2013 e 2014, uma estiagem bastante forte, apesar de curta, comparando com outras regiões do Brasil, com 5 ou 10 anos de estiagem. Aqui são menos de dois anos, de modo que não era para estarmos na atual situação.

Neste ano, também houve outro problema: com eleições e Copa do Mundo, havia a necessidade de o governo manter a sua imagem em alta. Por isso, não se tomaram medidas para reduzir o consumo de água a partir de janeiro e fevereiro de 2014.

Qual o papel da Sabesp, com o seu modelo de gestão, nesse processo? 

A Sabesp é a empresa mais preparada do Brasil para gerir o sistema de saneamento. Tem o melhor corpo técnico, a melhor estrutura etc. O problema principal é justamente a administração voltada ao mercado e ao lucro. Outra coisa é a dependência das influências diretas do governador e dos acionistas privados.

Além disso, a empresa, sem dúvida, vem sofrendo sucateamento e redução da sua capacidade de trabalho. Em 2004, a Sabesp tinha 18 mil trabalhadores e sua base de atuação era menor. Hoje, a empresa tem menos de 14 mil, uma redução de cerca de 20% do quadro. Isso influencia, certamente.

Outra coisa é que, a partir do momento em que se reduz o número de trabalhadores diretos, há a necessidade de subcontratar serviços. Esse é um dos principais problemas, por exemplo, na perda de água. Porque o serviço é mal feito, o cara faz num dia e no outro dia já vaza de novo... Significa que o serviço tem de ser feito várias vezes, e aí temos mais perdas.

É uma lógica adotada nos últimos 20 anos: a empresa depender de outras empresas privadas. Hoje, as empresas privadas têm muita influência no dia-a-dia da Sabesp. Portanto, é claro que o modelo de gestão tem tudo a ver com a crise.

Como dimensiona a crise da água no país como um todo, em si e relativamente a São Paulo? Em que medida a destruição dos biomas do Cerrado e amazónico explicam a grave situação que vivemos?

A estiagem em São Paulo, com certeza, tem relação com o desmatamento da Amazónia e do Cerrado. Obviamente, sempre que há desmatamento se reduz a evaporação de água pela evapotranspiração das árvores. O Cerrado brasileiro sofreu muito com a devastação promovida pelo agronegócio.

Para se ter ideia, no ano passado, em torno somente de quatro produtos (soja, carne, milho e café), o Brasil exportou cerca de 200 bilhões de metros cúbicos de água. Não produziu, apenas exportou, ‘água virtual’, como se diz. Tal número significa abastecer São Paulo por quase 100 anos, apenas com a quantidade de água gasta por esses quatro produtos.

Outro problema é que houve redução da quantidade de água superficial. À medida que há uma degradação, tanto pela remoção da vegetação como pela irrigação intensiva de larga escala, reduzem-se os afluentes dos grandes rios, como os amazónicos e o São Francisco, que já está sofrendo muito com a redução da água.

A humidade atmosférica, mantida através dos chamados “rios voadores”, que vêm do Norte do Brasil e precisam da continuidade da vegetação, foi reduzida. A atuação do agronegócio, quem mais desmata no Brasil, teve influência em São Paulo.

Mas não é só isso. Houve também o desmatamento de todo o centro-oeste do estado de São Paulo. Praticamente toda a vegetação de tal região foi removida, para plantios de cana, eucalipto, laranja etc. A redução dessa vegetação também tem influência. A redução das matas ciliares dos rios que abastecem as represas é outro fator, pois provoca o assoreamento e um secamento mais rápido.

O que pensa dos primeiros protestos que começam a ser organizados, ou que ocorrem até espontaneamente, em torno à água, a exemplo do que tem ocorrido em cidades como Itu? Acredita que possam crescer a ponto de se tornarem massivos, e até mesmo reproduzirem as chamadas “guerras da água” que ocorreram em vários países?

Itu é um caso bastante emblemático. Lá, a gestão da água é de uma empresa privada, que vendeu água até acabar. E há o risco de a empresa abandonar a cidade quando a água acabar de vez e começar o prejuízo. Afinal, ela está lá atrás de lucro, não para fazer serviço filantrópico. Esse é o grande risco de o setor privado atuar no saneamento. Temos de combatê-lo.

Em Itu, a gestão da água é de uma empresa privada, que vendeu água até acabar.

Quanto aos protestos, são iniciativas interessantes da população. Ela tem de fazer parte da vida política do país, não pode ficar omissa em casa. É importante ter pauta de reivindicações, um programa a ser apresentado no momento. As manifestações ainda estão tímidas, mas acredito que a tendência é de ganharem força.

Mesmo porque a previsão para 2015 é de faltar mais água. Se não chover muito neste verão, a coisa será pior. Portanto, há tendência de aumento de protestos no ano que vem. Como cidadão, já estou a participar, como nos dias 1 e 5. São manifestações importantes e precisam continuar.

Nesse sentido, como acredita que será o ano de 2015 em São Paulo, especialmente no que toca a vida do cidadão médio? O racionamento, que de fato já ocorre, vai ser intensificado?

Na realidade, ainda não existe racionamento. O que é racionamento? É a definição de quanto cada pessoa, ou família, pode usar. Seria, por exemplo, definir uma cota de 150 litros por dia. Isso é racionamento. Existe outro modelo, o rodízio, que é quando se joga água de uma região para outra. Num dia, um local fica sem água e outro a recebe. Portanto, há diferença entre um e outro tipo de política.

Eu penso que o racionamento tem de ser adotado, especialmente quando a situação se acirrar. Se não, alguns terão água e outros não, como acontece no rodízio. Quem tem caixa d’água ou um reservatório grande em casa não fica sem água. Quem não tem, fica sem. Imagine uma pessoa que sai de casa às 8 da manhã e volta às 10 da noite. Se não tiver caixa d’água, não toma banho. O rodízio é injusto para quem não tem condição de comprar caixa d´água grande.

Em relação ao ano que vem, observamos que a recuperação do reservatório da Cantareira, nos últimos 10 anos, tem sido, em média, de 23%. Se, por exemplo, está em 10% em outubro, quando chegar a março deverá estar com 30% ou 40%. E essa marca não tem sido ultrapassada, com exceção de 2004 e 2008.

O problema é que neste ano estamos com 17% negativos. O volume operacional acabou em 15 maio; de lá para cá, está a ser usado o volume morto. Se o reservatório recuperar 20% do volume, no final do período de chuvas não teremos mais de 5% de volume operacional. Se não houver chuva em abril, quando normalmente ela é escassa, esses 5% durariam uns 30 dias, o que nos faria voltar a usar o volume morto em maio. Há um risco de usarmos o volume morto do Cantareira bem antes do período em que começámos a usar em 2014.

Finalmente, o que pensa que poderiam ser soluções tanto a curto, dada a gravidade da situação, como a médio e longo prazos?

A principal solução é chover. Se chover, tudo se resolve. Torcemos para isso; de facto, caso contrário, a população vai sofrer. Se não chover, temos de tomar algumas medidas (na verdade, mesmo que chova, teremos que tomá-las).

Em primeiro lugar, é preciso reeducar a população a reduzir o consumo. As empresas também, pois quando se fala em redução de consumo parece que só a população consome. Mas, no Brasil, 70% da água é consumida pela agricultura, 22%, pela indústria e 8%, pelas residências. E quando se fala em redução de consumo, só se fala dos 8%, mas não dos 92%.

A região metropolitana de São Paulo não tem muito peso da agricultura, mas tem da indústria. É preciso reduzir o consumo residencial e industrial. É preciso também uma forte redução de perdas. Precisa de uma orientação sem meio-termo para a população. Não pode ser como hoje, o governo e a Sabesp têm de falar mais claramente à população de como a situação é grave, além de esclarecer se precisamos de fazer rodízio, racionamento ou as duas coisas juntas.

Há a necessidade de definir as atividades humanas básicas que terão suprimento de água garantido, como hospitais, escolas, creches. Quanto à população de baixo rendimento, com menos condição de comprar caixas d’água, seria necessário o governo distribuir tais caixas, distribuir filtros de hipoclorito, porque muita gente vai usar água de mina se precisar, o que traz risco de contaminação. Em caso de falta de água generalizada e uso de carros-pipa, tem de se saber como aqueles que não têm caixa poderão armazená-la.

Outro ponto é em relação ao emprego. Se de facto se concretizar a previsão, ou seja, se ocorrer falta de água generalizada em 2015, muitas empresas vão fechar, ao menos temporariamente, ou mudar-se. Se não tiver política de estabilidade no emprego, pode ser uma catástrofe.

Também se deve incentivar uso de água de chuva e reutilização. Pouco se fala em coletar água de chuva. Se a população fizesse isso, e reduzisse pelo menos 10% do consumo, teríamos cerca de 5 metros cúbicos por segundo de economia de água. Isso equivale ao novo sistema que a Sabesp constrói agora, o São Lourenço, que custará 2 mil milhões de reais.

Finalmente, é necessário estatizar o saneamento – não a Sabesp, mas o próprio saneamento. Não tem sentido um serviço tão importante quanto esse na mão de quem quer lucro. Mas a estatização não pode ficar na mão do governo, com empresários a controlar por dentro. É preciso controlo dos trabalhadores. Além de uma comissão e investigação populares, que apurem responsabilidades. É preciso coletar e tratar mais esgoto, usando tal água em atividades, principalmente, industriais, pois há uma série de usos possíveis com a água de esgoto.

Recuperar mananciais é outro ponto importante. Se isso não for feito, as consequências futuras podem ser mais graves. O Rodoanel[2] passou pelos mananciais, o que mostra como não se deu importância a eles. Pessoas que moram em áreas de mananciais precisam sair de lá, através de negociações sérias, com plano habitacional. Com casa garantida, claro, ao invés de serem retiradas como lixo.

Há uma série de ações possíveis no médio e curto prazo. Mas têm de ser feitas em diálogos com a população, se não os interesses pelo lucro vão falar mais alto.

* Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas. Publicado originalmente no Correio da Cidadania
  
[1] Sistema Cantareira é o maior dos sistemas destinados à captação e tratamento de água para a Grande São Paulo e um dos maiores do mundo, sendo utilizado para abastecer 8,8 milhões de clientes da Sabesp. O sistema é composto por seis barragens interligadas por um complexo sistema de túneis, canais, além de uma estação de bombeamento de alta tecnologia para ultrapassar a barreira física da Serra da Cantareira. (da Wikipédia)
[2] Autoestrada de aproximadamente 180 quilómetros, duas pistas e seis faixas de rodagem que está a ser construída em torno do centro da Região Metropolitana de São Paulo, com a finalidade de aliviar o intenso tráfego de caminhões oriundos do interior do estado e das diversas regiões do país.

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