sexta-feira, 8 de junho de 2018

OBTUSOS CRITÉRIOS E CRITÉRIOS JUSTOS


Martinho Júnior | Luanda 

1- Ao longo das quatro décadas da independência de Angola, em nome da história, dos “direitos humanos” (decorrentes do entendimento ao serviço dos processos dominantes), ou até evocando pretensões com raiz no carácter do próprio colonialismo, muitas campanhas se têm desenvolvido pelas mais diversas correntes doutrinárias e ideológicas, com abertura a aproveitamentos que, duma forma ou de outra, vão encaixando nos padrões do exercício do poder dominante que instrumentaliza os próprios Estados Unidos e seus vassalos na multiplicidade de relacionamentos mantidos no decorrer da globalização, em especial desde o início da década de 90 do século passado (incluindo no recurso que fazem às novas tecnologias).

O vácuo que ocorreu com o desaparecimento do socialismo no espaço euro-asiático, por tabela, ainda que em relatividade própria, no africano, escancarou as portas a esse tipo de correntes (a oportunidade da “Open Society”, um padrão para novos fluxos de ingerência e manipulação conformes ao “perfil” do filantropo-especulador George Soros, um “modelo” que se inscreve no capitalismo neoliberal), bem como à alimentação de campanhas que acabam por criar vínculos, quando é aplicado o “soft power” das potências, na esteira dos velhos “expedientes de assimilação”, algo que vem ocorrendo em relação a Angola, mais sensivelmente a partir do Acordo de Bicesse, assinado a 31 de Maio de 1991.

A esta distância é verificável a quem serviu Bicesse, seguindo a trilha de um dos seus principais artífices, Durão Barroso, que se apresentará em Turim à reunião de 2018 do Bilderberg…

É evidente que desse modo passou a haver a oportunidade para, em nome da história, da antropologia e até da filosofia, se arranjarem todo o tipo de narrativas de conveniência, que subsistem não por causa dos lindos olhos dos cidadãos do mundo, ou no caso de Angola dos angolanos, mas por que as campanhas fazem parte intrínseca do domínio, aninhando-se nos braços de seus interesses egoístas, de suas ingerências multiformes e de suas múltiplas manipulações e ingerências mais ou menos subversivas que ocorrem em função dos seus imensos recursos acumulados à custa do sacrifício dos povos e das potencialidades de ordem geométrica atiçadas pela especulação (não só financeira, mas neste caso de índole psicossocial).

Muito recentemente abordei este vasto e naturalmente controverso assunto na intervenção “Vitória estratégica para toda a humanidade” e a propósito, além do mais, do chavão “Guerra Fria”, ele próprio motivador duma campanha que, sem olhar a meios, foi guerra psicológica sobretudo contra a União Soviética e o socialismo, capaz até de substituir a objectividade histórica comprovada e relativa ao desenrolar dos acontecimentos antes, durante e imediatamente a seguir à IIª Guerra Mundial até meados do século XX, com influência em todo o mundo por causa das correntes derivadas dos mais poderosos interesses, os da aristocracia financeira mundial, até aos nossos dias.

Essa é uma das funções dos bancos de família, poderosos bancos “transatlânticos” que tomaram a Reserva Federal dos Estados Unidos (conforme testemunho vivencial de Louis T. McFadden em 1934, “An astounding exposure”) e foram decisivos na criação e gestão do papel-moeda Dólar, que propositadamente deixou de ter indexação ao ouro para passar a tê-la em relação aos produtos energéticos, com o petrodólar à cabeça, expediente consolidado após o encontro entre o Presidente Roosevelt e o rei Ibn Saud no Suez, a bordo do cruzador pesado USS Quincy atracado no porto de Suez, a 14 de Fevereiro de 1945 (final da IIª Guerra Mundial).


2- Tem sido relativamente fácil aos que tocam para a frente campanhas contra os países mais vulneráveis da Terra, onde se encaixam praticamente todos os países africanos, preencher o espaço vazio, por que por outro lado, a revolução das novas tecnologias socorreu esse poder imperial dominante, que organizou todo o tipo de escalonamentos globais e os irrefutáveis vínculos do domínio e de opressão inscritos na sua “polícia do mundo”.

É evidente que o Movimento de Libertação em África tornou-se para essas correntes uma autêntica “letra morta”, um alvo que por tabela foi abatido com o colapso do socialismo, até por que o poder hegemónico unipolar dominante, o império de cultura anglo-saxónica pretende, inclusive por via de ideologias elitistas, que os africanos não conheçam as raízes históricas e antropológicas que visem consolidar e nutrir o rumo de suas tão vulneráveis identidades, nações e estados!...

O império da hegemonia unipolar pretende que o único rumo seja o determinado por si e “em toda a linha”… massivamente e desde raízes por si programadas; não pode haver outra leitura a fazer!

A título de exemplo: os procedimentos neoliberais que Angola absorveu desde o Acordo de Bicesse e particularmente no seguimento do fim da última convulsão militar que foi um autêntico choque, deliberado e programado para se introduzir a terapia, encarregaram-se eles próprios de fazer o corte e por isso a marginalização da comunidade de membros do ex-MINSE (de facto a comunidade mais ideologicamente comprometida com o Movimento de Libertação em África após a independência de Angola), assim como a produção da moldagem da juventude angolana às ideologias afins ao neoliberalismo, ou seja, provocar que a juventude tenha tanta dificuldade em conhecer e entender o passado entre o 11 de Novembro de 1975 e o 4 de Abril de 2002 e seja, em simultâneo, tão facilmente “absorvida” por outros comportamentos “simpáticos” à “esquadria” da cadeia de domínio!...

Dessa marginalização à consideração da comunidade de membros do ex-MINSE como um “potencial inimigo”, vai apenas um pequeno passo, sensível e “muito útil”: o comportamento de rigor ao estimar-se o estado angolano como o fiel depositário dos interesses de todos os angolanos, não pode ser aceite pelos formatados mercenariamente pelo capitalismo neoliberal ávidos de propriedade e de lucro fácil (quantas vezes derivado de especulações, ou mesmo da devassa de parcerias, comissões ou roubos que levam à trilha do “apartheid social”), muito menos por aqueles que fomentaram todo o tipo de corrupções que começaram substancialmente a vingar desde o dia 2 de Março de 1986!

Uma radiografia sobre a deriva da superestrutura ideológica dum estado que começava praticamente com um programa socialista identificado com o marxismo-leninismo e acabou sofrendo os mais nocivos impactos do capitalismo neoliberal desde o início da “guerra dos diamantes de sangue” (inclusive laços que foram estimulados pela NATOe foram“alimentados” pela “mestria” dum Durão Barroso), passa necessariamente pelo conhecimento do que ocorreu aos instrumentos do poder do estado, neste caso angolano, do que ocorreu em relação aos seus próprios organismos de defesa e segurança, desde o antecedente que constituiu a Conferência de Lusaka do MPLA (de 18 a 23 de agosto de 1974)!


3- Voltando à pista externa, essa é a razão da manutenção do dólar (petrodólar) como moeda-padrão internacional, mesmo que já não esteja indexada ao padrão ouro e por que é uma utilidade intrínseca à prossecução da banca aristocrática que tomou a Reserva Federal, ou a garantida manipulação sobre os preços estipulados pelos organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI, para a esmagadora maioria das matérias-primas, bens e serviços…

Por outro lado, às matérias-primas típicas da produção no âmbito da revolução industrial, somaram-se outras matérias-primas indispensáveis às novas tecnologias e África, uma ultraperiferia económica e financeira sistematicamente vulnerabilizada e dominada, continuou a ser “um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”, ainda que os africanos tenham massivamente a ilusão que não o é!

Essa “esquadria” impunha as suas regras que para a aristocracia financeira mundial determinavam-se no sentido de ninguém as poder romper (daí o papel de “polícia do mundo”, conseguido com a instrumentalização da vocação imperial dos Estados Unidos), algo que procuram salvaguardar de forma reforçada desde a década de 90 do século passado, pelo que foi mantida uma atenção redobrada a todo o tipo de “criatividades” que fugissem aos seus mecanismos de controlo, assim como à malha apertada dos seus interesses e conveniências, desde a intervenção nos Balcãs pulverizando a Jugoslávia!...

A Líbia dirigida pelo coronel Kadafi rompeu com essas regras, abrindo a janela duma trilha que visava um renascimento africano que estava fora da “esquadria”, chegando a chocar até directamente com os interesses e conveniências intrínsecos ao “pré carré” da “FrançAfrique”, pelo que em 2011, ainda que à revelia da ONU e de qualquer outra instituição “não-alinhada”, ficou decidida não só a sua sorte, mas também o grau de caos, de terrorismo e de desagregação injectados com as contramedidas dominantes, do âmbito do império da hegemonia unipolar, aguardando um futuro concerto de volta à “esquadria” dominante, ainda que afectando praticamente toda a bacia mediterrânica, a norte e o Sahel, a sul até ao paralelo da bacia do Congo, do Lago Chade e dos Grandes Lagos!…

É o desaparecimento de Kadafi que serviu para a introdução das linhas wahabitas radicais em África, financiadas pelos interesses coligados ao petrodólar (agentes das monarquias arábicas, britânicos, gauleses e estado-unidenses), que têm alterado o ambiente sócio-político no Médio Oriente e em todo o continente africano, neste caso numa expansão que vai em direcção ao sul e acaba de afectar já, a título de exemplo, o norte de Moçambique, explorando a antropologia humana em equilíbrio instável entre as regiões das maiores extensões de desertos quentes do globo e o espaço vital sobretudo das bacias do Congo, do Nilo, do Níger e do Zambeze, assim como dos lagos interiores (desde o Lago Chade aos Grandes Lagos)!


4- Os “jogos” que compõem a “esquadria” do império face aos outros, inclusive dentro duma NATO que tem sido usada até no ninho de drogas que passou a ser o contemporâneo Afeganistão e pode passar a ser usada noutro ninho similar como o é a Colômbia, começam agora e ter rupturas, como são os casos mais flagrantes provocados pelo evoluir da situação no Iraque e na Síria.

Essas rupturas tornam-se também intestinas e, no caso da NATO, à deriva da Turquia cujas envolvências pouco têm a ver com o Atlântico Norte, começa-se a desenhar a deriva franco-alemã na direcção da emergência a leste (começam a“espreitar” as múltiplas especialidades que darão consistência à Rota da Seda), por que os interesses das oligarquias da União Europeia já não têm outra alternativa senão sair da “camisa de forças” que as obriga à vassalagem e ao papel subjacente na “esquadria” da hegemonia unipolar do império que de forma tão oportunista se faz sentir nos países do leste europeu que fizeram um dia parte do Pacto de Varsóvia e até no Cáucaso.

Um caso flagrante que está na ordem do dia é o acordo de fornecimento de gás russo à Finlândia, Suécia, Alemanha, Áustria, Holanda e os que se seguirão, por via dum pró activo North Stream 2, que obriga a uma reactiva oposição dos países Bálticos, da Ucrânia e dos Estados Unidos, com reflexos na gestão intestina da NATO.

Impossível os europeus encontrarem melhor solução que socorre não só as suas preocupações ambientais, mas também abre uma janela para integrar o pelotão de interesses na Belt and Road, na Rota da Seda que começa a unir por dentro da imensidão continental euro-asiática, o Pacífico ao Atlântico.

As campanhas de guerra psicológica que se arrastam como crónicos vírus desde a IIª Guerra Mundial, começam a ser postas em causa por que, se uma grande parte do acervo histórico está noutras mãos e fazem parte de outras culturas, isso impede não só que uma mentira de tantas vezes repetida se torne em verdade, mas também permite que a história e os vínculos (grande parte deles de natureza antropológica, mas também de natureza económica) que nutrem outras correntes, de geração em geração, socorra os conteúdos e o carácter das emergências multipolares e das cada vez mais eficazes resistências à barbárie de injustiças que assolam toda a humanidade e desrespeitam a natureza da Mãe Terra!

Entre as últimas campanhas inscrevem-se as dos casos Skripal, a partir da Grã-Bretanha e Babchenko, a partir da Ucrânia, deliberadamente dirigidas contra a Rússia, mas com enredos tão mal montados que ambos sobreviveram à morte…

É evidente que essa campanha nada pôde contra o North Stream 2!


5- Em Angola e em África, lutar contra o subdesenvolvimento tirando partido da plataforma de paz e aplicando uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável inspirado numa lógica com sentido de vida que advém do rumo do Movimento de Libertação, é não só colocar um pé no futuro, mas também dar início, finalmente, à corrente dum telúrico renascimento africano intimamente associado à sobrevivência humana, que forjará por seu turno o seu rumo, na força crítica e inteligente capaz de assumir a necessária noção consciente sobre muitas das nocivas campanhas que se arrastam desde o passado de trevas da escravatura, do colonialismo e do “apartheid”!

É evidente que, chegando-se a esse patamar, muitas questões se irão levantar na confrontação de dados e no conhecimento crítico que urge ampliar e aprofundar entre África e a América, acerca dos afrodescendentes que só existindo em função do movimento transatlântico da escravatura e do colonialismo, sobrevivem marginalizados, ou isoladamente espalhados pelas pequenas ilhas das Caraíbas, ou pelos guetos humanos no imenso espaço do “Novo Continente”, num “apartheid” não declarado, mas evidente, com as saudáveis excepções de Cuba e ultimamente da Venezuela Socialista e Bolivariana!

Nessa linha de pensamento, ocorre a urgência que o génio dum Eduardo Galeano, seja assumido numa visão transatlântica e fluente entre os dois continentes, com toda a legitimidade histórica que isso implica, algo que pode ser sustentado com o exemplo incomparável e incontornável de solidariedade e internacionalismo conforme Cuba, plenamente identificada com o Movimento de Libertação em África, “de Argel ao Cabo da Boa Esperança”!...

Para abrir o caminho da luta armada contra o colonialismo e o “apartheid” o Movimento de Libertação em África era obrigado a assumir-se como uma vanguarda em torno dum líder e foi isso que se levou por diante no MPLA, em torno do Presidente Agostinho Neto.

Para em paz se realizar a longa luta contra o subdesenvolvimento, aproveitando as possibilidades consensuais que se abrem com a democracia e o seu aprofundamento, os líderes precisam criar consensos e plataformas capazes de responder aos desafios, colocando na vanguarda a abertura dum processo de inteligência patriótica e não elitista, um amplo processo educacional que resgate para o conhecimento dos angolanos tudo o que à partida diga respeito ao relacionamento do espaço físico-geográfico-ambiental com o homem.

6- Posso lembrar em reforço a uma construção progressista no Atlântico Sul, abrindo espaço a um Tratado do Atlântico Sul progressista sob o olhar silencioso de Fidel, mas comprometido com a versatilidade do seu repto, um repto dialético muito para além de sua própria vida, a premente necessidade de continuar a batalha das ideias entre o que à civilização diz respeito enquanto presente e futuro e o que à barbárie pertence, que toda a humanidade pretende que faça finalmente parte do passado:

… “Levando o ardor progressista desde contra o baluarte do colonialismo francês no Norte de África…

… Até contra o bastião mais retrógrado e fascista que existia à face da Terra após a IIª Guerra Mundial, em seu perverso domínio em toda a África Austral…

… Precisamente no sentido inverso ao projetado pelo império anglo-saxónico sob inspiração de Cecil John Rhodes… do Cabo ao Cairo…”
  
Há pilares progressistas nas duas margens do Atlântico Sul, em África e na América, capazes de formular um Tratado vocacionado para a paz, contrapondo-se à agressividade carregada de intestinas contradições da NATO: Angola, Namíbia e África do Sul, tal como Cuba, Venezuela e Uruguai.

Se antes Cuba revolucionária encontrou os parâmetros necessários para reforçar uma vanguarda de luta armada contra o colonialismo e o “apartheid”, agora com a paz Cuba revolucionária é uma intérprete fiel, por via da solidariedade internacionalista especialmente consolidada na educação e na saúde, do que substancialmente mais interessa para com África, algo que é uma ponte contemporânea entre os africanos e os afrodescendentes, uma ponte que tanto interessa à América e a África, livre de qualquer propaganda e num entendimento recíproco capaz de alterar muitas das trevas e dos vícios que advêm do passado!

Martinho Júnior - Luanda, 4 de Junho de 2018

Imagens:
Propaganda da Guerra Colonial, um elemento esclarecedor dos processos de assimilação, aplicados aos conceitos de acção psicológica e guerra contrassubversão;
Simbologia das unidades especialistas em Guerra Psicológica das Forças Armadas dos Estados Unidos;
Contra factos, escasseiam argumentos e a propaganda nada pode – Road and Belt, a nova Rota da Seda sino-russa;
Em nome dos interesses da União Europeia, a vassalagem em relação aos Estados Unidos começa a abrir múltiplas brechas;
Xi Jiping e Putin estimulam a emergência multipolar, com novos moldes de relacionamento e poderosas articulações geoestratégicas

AMÉRICA MONSTRUOSA


Os EUA arrogam-se, em nome dos direitos humanos, o direito de derrubar governos e destruir países. É o “excepcionalismo EUA”. Mas até organizações norte-americanas que escrutinam as suas práticas internas denunciam não apenas as violações de tais direitos, mas o facto de, em vários casos, tais violações configurarem verdadeiros crimes contra a humanidade.

António Santos* | O Diário

O governo dos EUA é responsável pela sistemática violação dos direitos humanos das crianças presas nos centros de detenção dos Serviços Aduaneiros e de Protecção Fronteiriça (CBP, na sigla inglesa). A conclusão é da centenária ACLU, União Americana pelas Liberdades Civis, e consta de um relatório divulgado na semana passada, baseado em mais de 30 mil documentos internos dos CBP relativos ao período entre 2009 e 2014.

Separadas das famílias, as crianças capturadas a cruzar ilegalmente a fronteira com o México são enviadas para estes nebulosos «centros de detenção», pequenos Abu Ghraib onde não entram advogados, nem jornalistas, e presas dentro de «jaulas» (é esta a expressão que consta no relatório) sem cama nem latrina. Depois, os funcionários deitam fora «os pertences pessoais dos imigrantes, incluindo os seus documentos». E então começa a tortura.

«Os funcionários dos CBP recorrem frequentemente à violência contra as crianças», começa por avisar o relatório, mas à medida que se percorre as páginas e se somam às centenas os casos, torna-se difícil conceber que o alvo de uma violência tão monstruosa são adolescentes, crianças e bebés: um funcionário «atirou um jovem de 16 anos ao chão e esmagou-lhe a cabeça com a bota», pode ler-se; outro agente «atropelou uma criança de seis anos durante a detenção partindo-lhe uma perna (…) e recusou-lhe cuidados médicos»; o relatório prossegue «frequentemente, os funcionários disparam as armas de electrochoques contra as crianças, só por diversão».

E depois há os abusos sexuais: «obrigaram uma rapariga de 16 anos a despir-se, abriram-lhe as pernas e tocaram-lhe nas partes íntimas enquanto ela gritava». Outra queixosa, de 15 anos, denunciou que ameaçaram violá-la caso ela se recusasse a assinar um papel de «auto-deportação». No mesmo registo, um menino de 14 anos foi mantido durante uma semana nu na jaula, enquanto o ameaçavam com abusos sexuais, de forma a pressioná-lo a assinar o mesmo documento.

As condições, essas, são sempre infra e desumanas: há «fluídos humanos nas paredes e no chão, onde também se vê papel higiénico usado com fezes (…) o que causa um odor ofensivo»; há relatos de fome e crianças a quem é recusada água; há jovens grávidas a quem é dito que «vêm para aqui contaminar o nosso país» e mães adolescentes que se queixam a guardas indiferentes «de não terem leite para dar aos bebés, que choram de fome»; há crianças mais velhas, a quem é dado «sistematicamente leite estragado, o que causa várias intoxicações alimentares» e há o relato de «um funcionário [que] negou-lhe [a uma menina] analgésicos e pensos higiénicos após uma operação a um quisto nos ovários».

Estes crimes contra a humanidade, porque é isso que são, aconteceram durante o mandato de Obama. Sabe-se que com Trump a situação se agravou: os CBP têm hoje mais opacidade, mais armas de guerra, mais orçamento e mais crianças presas nos seus centros. Lembremo-nos disto da próxima vez que «Estados Unidos» e «direitos humanos» surgirem na mesma frase.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2322, 30.05.2018

PSD: Setas, para que vos quero?


PSD e o símbolo da revolta

Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Ou melhor, a ausência das setas a ladearem o PSD é que instou a revolta, tudo a propósito da remodelação do site do partido em que a sigla dispensa as famigeradas setas.
O que é que esta polémica diz do PSD? Em primeiro lugar que tudo serve para atacar a actual liderança de Rui Rio e, em segundo que o vazio ocupado apenas parcialmente pela mediocridade de que Passos Coelho foi fervoroso precursor, é ainda maior do que se pensava e alimenta-se das mais gritantes vacuidades. Simplesmente não há capacidade para mais. Não há. De resto, as medidas agora propostas para combater o problema demográfico do país são disso paradigma: propõe-se atirar dinheiro para cima dos problemas e com isso esperar que estes se resolvam.

A propósito da perda das ditas três setas, a militante Virgínia Estorninho, em declarações ao Observador, indignada, afirma: "Tiraram-nos as setas e enfiaram-nos num quadrado". A frase, para além de promissora do ponto de vista humorístico, revela ainda que Virgínia não sabe ou não estará disposta a admitir que o problema do partido não se prende com as setas ou com figuras geométricas, mas com a mais inexorável ausência de substância. A militante não fica por aqui e ameaça a organização de protestos.

Ora, quando são sites a provocar a revolta e a tirar-nos o sono, o que é que exactamente isso diz da nossa vida? E mais: o que é que isso diz de um partido político?

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

AQUI NA TERRA ESTÃO JOGANDO FUTEBOL, PÁ… E QUE MAIS?



Cafeína do Curto com futebol. Até parece que esta modalidade tão profissional nos milhões merece mesmo toda esta atenção exagerada e doentia. Pfff. Na terra estão jogando futebol, e que mais? Então está bem, vamos lá nessa. Siga o mundial e todos os joogos do mundo de uns quantos atrás da bola, ao lado da bola, na frente da bola… Ora bolas! (CT | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Aqui na terra tão jogando futebol

Cristina Figueiredo | Expresso

"Meu caro amigo, me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta"


(Meu Caro Amigo, Chico Buarque)

Se bem me lembro a situação no Sporting fez o lead do meu último Expresso Curto, há três semanas, e à hora que escrevo é novamente forte candidato a tema do dia, já que hoje, 8 de junho, são ouvidos no Tribunal do Barreiro os quatro novo arguidos do caso das agressões a técnicos e jogadores do clube, na academia de Alcochete, a 15 de maio. Depois dos 23 detidos iniciais já há mais quatro e a lista pode não estar fechada, garante a Tribuna. Os detalhes da operação que resultou nas últiomas detenções são contados pelo Observador. Ficamos a saber, por exemplo, que a Polícia, atenciosa, esperou que Fernando Mendes acabasse de jantar antes de o enfiar num carro patrulha.

Um dos (novos) detidos é Nuno Torres o condutor do BMW que na altura dos acontecimentos deu uma cândida entrevista à SIC onde jurava que se tinha limitado à função de motorista (precisamente dos três membros da claque sportinguista agora detidos: Fernando Mendes (líder da Juve Leo), Ba Amadu e Joaquim Costa). O seu advogado contou que o seu cliente estava "muito orgulhoso" deter ido à Academia ter com os jogadores naquela tarde de 15 de maio, e reiterou que ele nada teve a ver com as agressões. Ontem, à chegada ao Tribunal do Barreiro, Nuno Torres tentou pontapearum dos jornalistas que se encontravam no local.

Para ajudar à festa (esta longe de "bonita, pá"), Mário Machado, antigo líder da Frente Nacional, apresenta hoje a sua candidaturaa líder da claque. Num dois em um que pode ser muito útil para o próprio e para o seu projeto de vida (que já conta com seis anos na prisão por posse ilegal de armas e coação) mas nada tem de agradável para o resto do país, também é hoje que apresenta o NOS (nada a ver com a operadora de telecomunicações), um novo partido nacionalista.

A novela sportinguista não fica por aqui. Luis Felipe Scolari, o brasileiro que conseguiu que um país inteiro pusesse as bandeiras nacionais à janela no Euro 2004 e levou a selecção pela primeira vez na história a uma final de um campeonato de futebol voltou aos títulos dos jornais portugueses quando se soube que Bruno de Carvalho pensou nele na hora de substituir Jorge Jesus (que esta semana trocou o clube de Alvalade por uma equipa da Arábia Saudita). "Felipão" confirmou o convite à Tribuna com esta declaração... à Scolari: “Agradeci pela lembrança mas neste momento não posso aceitar o convite”. O burro, definitivamente, não é ele.

OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO...

Se as coisas no Sporting continuam pretas, o mesmo não se pode dizer na seleção nacional, que parte para Moscovo (onde joga, já na próxima sexta-feira, com a Espanha, no primeiro jogo da fase de grupos do Mundial) com o astral em alta depois da vitória esta noite, face à Argélia, por 3-0 (dois golos de Gonçalo Guedes e um de Bruno Fernandes). Mas depois da boa exibição da equipa nacional, o que está a "bombar" nas redes sociais é mesmo este video, publicado na página da seleção com a frase "quem sai aos seus não degenera", que mostra Cristianinho, o filho mais velho de Cristiano Ronaldo, no relvado da Luz, já depois do jogo, a... marcar um belo golo.

A 'tensão na geringonça' soma e segue - e não se prevê que haja abrandamento (pelo contrário) daqui até à aprovação do Orçamento do Estado para 2019. Depois das negociações com os professores, que marcaram e vão continuar a marcar o quotidiano. O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, em jornadas parlamentares no Alentejo, revelou a sua "crescente preocupação"com o que se lhe afigura ser a deriva do Governo socialista para a direita (a propósito, nomeadamente, das alterações ao Código do Trabalho). E o líder parlamentar, João Oliveira, sem assumir explicitamente que está com os olhos postos no Orçamento 2019, carregou nas tintas: "O que é preciso é contratar pessoal, não é respeitar as metas de Bruxelas", disse após uma visita ao hospital do litoral alentejano que o deixou "chocado". E quer o ministro no Parlamento, com urgência, para dar explicações.

Já ontem Catarina Martins também não poupou o Executivo por se ter unido aos patrões para negociar a legislação laboral e deixou o aviso: quando as alterações aprovadas na concertação social forem ao Parlamento não será com o voto do BE que passarão; ao mesmo tempo, a líder bloquista considera que seria "muito estranho" que os socialistas preferissem a direita para fazer aprovar uma matéria tão central como esta. A coisa promete.

Do outro lado do hemiciclo, Rui Rio continua na senda dos acordos de regime. Ontem, no que acabou por resultar como uma resposta ao Presidente da República (que, intervindo na Convenção Nacional de Saúde, reiterou o seu pedido para um pacto na Saúde), garantiu estar totalmente disponível para ser parceiro, do Governo ou dos demais partidos, nas grandes reformas estruturais de que o país precisa, como... na Saúde.

O setor continua, de resto, nas parangonas: o Diário de Notícias faz manchete com a notícia de que o Azerbaijão é o novo destino para os médicos portugueses - prometendo salários na ordem dos 90 mil euros por ano. Nada que espante num país que não tem vagas na especialidade para 700 dos médicos que forma todos os anos. E a Renascença dá conta de que há médicos de família em Lisboa a cumprir menos horas de trabalho do que deviam, mas a receber mais do que outros colegas que trabalham mais horas.

Marcelo Rebelo de Sousa parte hoje para os Açores, para o primeiro de três dias na ilha de S.Miguel, onde vai celebrar a primeira parte do 10 de junho (a segunda será nos EUA, no Massachusetts, onde reside uma significativa comunidade portuguesa). António Costa há-de juntar-se-lhe no domingo. Hoje, Dia Mundial dos Oceanos, tem visita marcada ao Oceanário de Lisboa pelas 16h00, depois de esta manhã ir à Feira Nacional de Agricultura, em Santarém.

Uma história triste de todos os dias com um final inesperado mas (relativamente) feliz que promete tornar-se viral ao longo do dia: um carro roubado, com pertences valiosos lá dentro, entre os quais uma cadeira de rodas e vários relatórios médicos; um apelo nas redes sociais e... o ladrão devolveu tudo (menos o carro). "Obrigado senhor ladrão", escreveu a proprietária.

O Primavera Sound 2018 começou ontem e prossegue até domingo no Porto. José Barreiro, diretor do festival (que já vai na sétima edição) deu uma entrevista à Luciana Leiderfarb, publicada ontem no Expresso Diário (só para assinantes), a quem conta que há mais de 10 mil estrangeiros por dia a viajarem até ao Porto para estarem num festival que é, no seu entender, o mais internacional de todos os que acontecem em Portugal.

Se precisar de atravessar o Tejo de transportes públicos esta tarde tenha atenção: há plenários de trabalhadores da Soflusa e da Transtejo a decorrer que poderão causar paralizações nas carreiras; um "mal menor" para os utentes pois destas reuniões poderá resultar a desconvocação das greves agendadas para 11 e 12, vésperas do feriado de Lisboa.

...E LÁ FORA

Está tudo a postos para o acontecimento do ano. E, não, não falo do Mundial de futebol na Rússia (que se inicia na quinta-feira com um desafio entre a seleção anfitriã e a da Arábia Saudita) mas da cimeira entre Donald trump e Kim Jong Un que se realiza (se nada surgir entretanto - o que não é uma impossibilidade) em Singapura na próxima terça-feira. O Washington Post explica-lhe(em inglês) tudo o que precisa de saber sobre este encontro que "is on, is off, is on again". Otimista sobre o desfecho da reunião, o presidente norte-americano até já admite uma visita em breve do líder norte-coreano aos EUA. Será o início de uma bela amizade?

Antes disso, hoje ainda, Trump viaja até ao Quebec para mais uma cimeira do G7 (Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Japão e EUA). Não se antevê o melhor dos climas para os EUA, depois da Casa Branca ter anunciado taxas aduaneiras sobre o carvão e o aço que "aborreceram" sobremaneira os seus principais parceiros... esses mesmos do G7. Como resume o New York Times: a decisão de Trump provocou "uma raiva rara e unânime" entre os aliados norte-americanos.

Entretanto, do outro lado do mundo, outros dois grandes que não fazem parte do G7 têm a sua própria cimeira: a esta hora, Vladimir Putin já terá aterrado em Pequim e estará reunido com o seu homólogo chinês, Xi Jinping. Isto numa altura em que a imprensa chinesa dá eco à tensão crescente entre Pequim e Washington a pretexto de Taiwan.

Ainda sobre os EUA, vale a pena ler este artigo de Bernie Sanders(o adversário que Hillary Clinton derrotou nas primárias presidenciais em junho de 2016) denunciando a exploração da gigante Disney sobre os seus trabalhadores. Eis um caso em que, ao contrário do que diria Eça de Queiroz, "a nudez forte da realidade" se impõe ao "manto diáfano da fantasia".

A Argentina e o FMI chegaram a acordo: a instituição financeira vai emprestar 42 mil milhões de euros no âmbito de um programa de assistência financeira ao país, por forma a "evitar nova implosão económica", na explicação do presidente argentino, Maurício Macri.

Em França, uma decisão da Assembleia Nacional promete dar que falar também por cá (e só a discussão já vale a pena): os deputados aprovaram uma lei que proíbe o uso de telemóveis nas escolas, como "medida de desintoxicação" das crianças. "Os telemóveis são um avanço tecnológico, mas não podem monopolizar as nossas vidas”, explicou o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer,

Em Espanha reúne-se hoje o primeiro "conselho de ministras e ministros" (assim mesmo, na designação oficial) presidido pelo socialista Pedro Sanchez, depois da posse, ontem. O diário espanhol online El Español resume (?) a 85 os objetivos do novo Executivo, ministério a ministério, e diz-nos que quer o PP quer o Podemos vaticinam o mesmo a Sanchez: "um calvário".

Ainda por tierras d'el rey (e, já agora, saiba que Felipe e Letizia vão ser recebidos na Casa Branca a 19 de junho): "Cristiano se va o se queda?" continua a ser pergunta sem resposta. O que é certo é que o capitão da seleção portuguesa e o Real Madrid (onde joga desde 2009) estão longe de um acordo para a renovação do contrato. Mas há-de haver nova reunião entre Jorge Mendes (empresário do jogador) e a direção do clube madrileno nos próximos dias.

AS MANCHETES DOS JORNAIS

"Estudantes já pagam 500 € por quarto" (Jornal de Notícias)
"Multas a partidos em risco de prescrever" (Público)
"Azerbaijão é o novo destino para os médicos portugueses" (Diário de Notícias)
"Quando era estudante de Medicina pensava que se tocássemos no coração o doente morria" (i)
"Combustíveis engordam lucros das bombas" (Correio da Manhã)
"Contratos verbais chegam às lojas e cafés" (Jornal de Negócios)
"Chineses querem ter 60% da EDP e prometem colocar o restante em bolsa" (Jornal Económico)
"Scolari dá nega a Bruno" (A Bola)
"Guedes à frente" (Record)
"Artilharia afinada" (O Jogo)

O QUE ANDO A OUVIR (porque a ler, desta vez, não tenho mesmo nada de novo para sugerir)

Está à venda a partir de hoje o CD duplo que colige os 28(!) concertos que António Zambujo e Miguel Araújo deram nos coliseus de Lisboa e Porto ao longo de 2016. Eu assisti a apenas um (com grande pena minha) e... amei. Permitam-me que me cite, num texto que escrevi na altura para o site do Expresso: "Dupla que, à partida, se diria improvável – um vindo do Alentejo profundo, do cante alentejano e do fado tradicional; outro nascido nos subúrbios do Porto, “caído de pequenino no caldeirão” (a expressão é dele) da música anglo-saxónica dos Beatles, dos Rolling Stones ou de Bob Dylan –, aquele mais intérprete, este sobretudo compositor, partilham (e alardeiam) o amor à música e à língua portuguesa (...). É esse chão comum, que pisam com naturalidade evidente, que os torna únicos na sua duplicidade. Muitas vezes confundidos (até porque são sensivelmente da mesma idade e ambos têm barba), brincaram com o facto: “Uma das razões porque fizemos este concerto foi para mostrar que somos duas pessoas diferentes”, garantiu Araújo. E são. Mas que bem que ficam juntos." Escusado será dizer que vou ouvir em loop.

No seu último álbum a solo, António Zambujo canta Chico Buarque. Mas é Chico que se canta a ele próprio por estes dias em Portugal. O amado bardo brasileiro (como assim, "apenas um mulato que toca boleros"?!) esteve doze anos sem atravessar o "tanto mar" que separa Portugal do país-irmão mas compensou(-nos) a longa espera com seis concertos: dois no Porto (no fim de semana passado) e quatro em Lisboa, o primeiro dos quais aconteceu esta noite. A minha colega Débora Henriques esteve lá e "canta-nos como foi". Impossível não ler o texto sem trautear as palavras. Já eu tenho bilhete para sábado, só para confirmar ao vivo e a cores que "meros lero-leros de (tal) cantor"jamais me darão (a mim e aos milhares de fãs portugueses) qualquer "dissabor".

Com banda sonora deste calibre não há dia, por mais cinzento que se afigure neste junho meteorologicamente estranho (parece que não havia primavera chuvosa assim desde 1956), que não se leve bem. Aceite a sugestão, ponha os fones e vá navegando à bolina da língua portuguesa (em diversos sotaques) pelos sites do costume. E vai ver que nem sempre "a coisa aqui está preta" (às vezes há vitórias por 3 a 0). Amanhã há Expresso nas bancas. Tenha um bom fim-de-semana.

Portugal | Do banco de horas individual

Glória Rebelo | Diário de Notícias | opinião

Como é sabido, o governo apresentou recentemente um conjunto de alterações ao Código do Trabalho (CT), designadamente em matéria de banco de horas individual. Sabemos que hoje um dos desafios que se colocam no plano laboral é o de encontrar um equilíbrio que permita conciliar direitos de cidadania dos trabalhadores com o aumento da capacidade de adaptação das empresas, sendo em especial a matéria relativa à organização do tempo de trabalho decisiva para responder a este intento.

No Código do Trabalho, o regime do banco de horas individual (artigo 208.º-A) existe a par de um outro, muito idêntico, a adaptabilidade individual (artigo 205.º), dado que ambos assentam na ideia de individualização da relação de trabalho - e resultam da apresentação por parte do empregador de uma proposta escrita dirigida ao trabalhador, presumindo-se a aceitação deste que a ela não se oponha, por escrito, nos 14 seguintes ao conhecimento da mesma - permitindo, em ambos os casos, o aumento do período normal de trabalho convencionado em duas horas por dia, no limite das cinquenta horas de trabalho por semana. Subjacente à consagração destas duas figuras esteve a reivindicação empresarial de redução dos custos associados à prestação de trabalho suplementar no caso de acréscimos de tempo de trabalho necessários ao funcionamento das empresas. Ora, a crítica que se pode fazer a duas formas de organização do tempo de trabalho - a adaptabilidade individual e o banco de horas individual - é, acima de tudo, a de que se encontram consagradas desacompanhadas de um conjunto de exigências para salvaguarda do trabalhador, acentuando assim a assimetria existente entre empregador e trabalhador na relação de trabalho subordinado.

E se Portugal é dos países da OCDE onde o período normal de trabalho, diário e semanal, mais tem aumentado, sendo que cada vez mais pessoas trabalham 50 horas por semana (ao contrário, por exemplo, do que vai acontecendo nos países nórdicos e na Alemanha, com um forte movimento de redução dos períodos normais de trabalho), este é um tema que assume especial relevância social. De acordo com o Livro Verde sobre as Relações Laborais 2016, se em 2010 estavam em regime de adaptabilidade individual 252 mil pessoas, em 2014 já eram 305 mil pessoas; e se em 2012 estavam em regime banco de horas individual 11 mil pessoas, em 2014 eram já 18 mil pessoas.

Assim, importaria que se consagrasse expressamente no Código do Trabalho, um conjunto de garantias para o trabalhador, assegurando ainda, concomitantemente, à Autoridade para as Condições de Trabalho um controlo efetivo das condições de trabalho em matéria de acréscimos de tempo de trabalho. Desde logo, em nome dos direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na Constituição da República Portuguesa, mormente o direito à organização do trabalho de forma a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida pessoal e familiar. Observe-se, a título de exemplo, que o atual regime jurídico do trabalho suplementar exige, além de um fundamento para o pedido, a observância de um conjunto de formalidades que se destinam, precisamente, quer a permitir o controlo externo da observância legal do regime quer a garantir futuramente um meio de prova do trabalho suplementar prestado. Tanto mais que, em rigor, a disponibilidade assumida contratualmente pelo trabalhador para certo período normal de trabalho assenta, antes de tudo, na sua disponibilidade, atenta a organização da sua vida pessoal e familiar, aspeto que é essencial em matéria de determinação quantitativa da prestação de trabalho.

Especialmente considerando a acentuada individualização da organização do tempo de trabalho, e a circunstância de estes dois mecanismos de flexibilização exigirem na sua implementação uma gestão mais complexa dos tempos de trabalho, com esta solução eliminar o banco de horas individual - que aparentemente oferece a oportunidade de solucionar os problemas levantados pela individualização do banco de horas mas que não responde, simultaneamente, aos suscitados pelo regime da adaptabilidade individual -, estima-se que parte significativa dos trabalhadores agora abrangidos pelo banco de horas individual passem a ser enquadrados pelo regime da adaptabilidade individual.

Como defendia o ensaísta português do século XX, António Sérgio, na sua obra Democracia, "sobre a feitura e aplicação das leis o mais prudente é (...) ir corrigindo as imperfeições que revela ter (...)", e esta teria sido uma boa oportunidade para corrigir algumas das imperfeições do Código do Trabalho em matéria de organização do tempo de trabalho, designadamente revendo o enquadramento e reforçando as garantias do trabalhador ao nível do procedimento que acompanha estes dois regimes e, assim, repondo um certo equilíbrio na relação individual de trabalho.

* Glória Rebelo é professora universitária

Mundial2018 | Portugal bate Argélia a caminho da Rússia


Gonçalo Guedes bisou e Bruno Fernandes completou o triunfo (3-0) da seleção portuguesa contra a congénere argelina, em partida de preparação para o Mundial-2018, disputada esta quinta-feira.

No último desafio de preparação para o Campeonato do Mundo, disputado no Estádio da Luz, em Lisboa, a seleção portuguesa dominou todos os aspetos do jogo e construiu uma vitória fácil, que podia ter sido ainda mais folgada. Cristiano Ronaldo e Bernardo Silva também tiveram ocasiões para marcar e o VAR ainda anulou dois golos, a CR7 e a João Mário, por razões muito pouco descortináveis.

A seleção portuguesa parte já este sábado para a Rússia, onde vai jogar o Mundial-2018. Estreia-se em partida com a Espanha, marcada para dia 15 (sexta-feira). As seleções do Irão e de Marrocos são as outras rivais do grupo B.

Jornal de Notícias 

Foto: Ronaldo e Bruno Fernandes na festa do golo/REUTERS / Rafael Marchante

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