quinta-feira, 17 de agosto de 2023

África, a crise do Ocidente – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A SADC prepara em Luanda instrumentos de importância vital para a região, cujos resultados vão ter reflexos directos na vida dos cidadãos. África tem um problema crónico de infraestruturas que catapultem o desenvolvimento económico e ajudem a criar riqueza. As poucas que existem, de uma maneira geral estão mal dimensionadas, antiquadas ou foram simplesmente destruídas durante guerras que tiveram como fim, pelo menos encoberto, a destruição das economias de países com capacidade para crescer sem a dependência das grandes potências ocidentais.

O problema da “dimensão” está à vista na refinaria de Cabinda. Quando ficar concluída a primeira fase, os produtos refinados cobrem apenas dez por cento das necessidades do país. Quando os construtores entregarem as chaves, está garantido o fornecimento de 20 por cento dos combustíveis necessários. Se o Estado investe milhares de milhões neste equipamento a pergunta que se coloca é esta: Por que razão a refinaria de Cabinda não cobre 100 por cento das necessidades de Angola? Já não digo exportar…

A SADC tem no “Corredor do Lobito” um instrumento fundamental para ganhar os desafios do progresso e do equilíbrio social. Composto por um excelente porto de águas profundas que é testa de ponte do Caminho-de-Ferro de Benguela, podemos dizer que estas duas infraestruturas são, para já, o “aparelho circulatório” do Planalto Central de Angola, da Zâmbia e da República Democrática do Congo. 

Este “triângulo” tem potencialidades económicas de valor extraordinário, sobretudo no que diz respeito aos diamantes, ferro e cobre. O Estado investiu milhares de milhões. Agora foi tudo entregue a privados que não meteram um prego no “corredor” e agora vão facturar à ganância. África é assim, Angola não era mas passou a ser. 

O espaço angolano do “Corredor do Lobito” tem igualmente condições propícias à agricultura e particularmente ao cultivo de cereais. Há pelo menos 12 anos que existem projectos para o cultivo do arroz em larga escala no Leste de Angola. As imensas chanas alagadas são propícias ao cultivo de cereais. É só começar. Sobretudo agora que o mundo está pendurado da guerra na Ucrânia. Ninguém fala disso. Mas a vice-presidente do MPLA vai às reuniões das igrejas e fala que nem uma pregadora. Uma pastora fanática!

O desafio da actualidade em praticamente todos os países do mundo e particularmente nos que estão em vias de desenvolvimento é o combate à fome e à pobreza. Para dar resposta rápida e eficaz é evidente a importância estratégica do Porto do Lobito e do Caminho-de-Ferro de Benguela. 

Angola faz o papel que lhe cabe no contexto regional e com fundos exclusivamente públicos dotou o Porto do Lobito de equipamentos modernos, que facilitam as operações portuárias em larga escala. A via-férrea que liga à fronteira com a República Democrática do Congo está no Luau há muitos anos. A sua conclusão garantiu aos países da SADC condições ímpares para o crescimento económico numa região que tem tudo para ser um paraíso económico mas que está deprimida, sobretudo devido à instabilidade provocada do mercado de diamantes.

Os participantes nos trabalhos da SADC estão a tomar decisões fundamentais para estimular as trocas comerciais entre os países da organização. A falta de uma boa rede viária que ligue facilmente todos os países por terra, as barreiras físicas e aduaneiras e a ineficácia das actuais infraestruturas são responsáveis por trocas comerciais anémicas entre os Estados membros, cujas importações estão mais voltadas para o exterior do que para a região.

Da cimeira de Luanda os cidadãos dos países da SADC esperam medidas concretas na eliminação das barreiras físicas, para que a comunidade económica tenha algum significado prático. E esperam sobretudo a adopção de medidas que reservem papéis concretos a cada Estado membro em todas as áreas das actividades económicas. 

São necessárias políticas industriais, agrícolas e comerciais comuns, para que a comunidade fique imune aos ventos de instabilidade que sopram dos países que até agora foram considerados “grandes potências” mas estão falidos. Olhem para a União Europeia que tem o seu motor gripado, a Alemanha. O dólar um dia destes vale menos do que o kwacha da Zâmbia. Muito menos. Caminha a passos largos para níveis rastejantes. 

A liberalização económica na Europa deu resultados tão negativos que os responsáveis do Banco Mundial, do FMI e do Banco Central Europeu afirmam que pode estar a caminho uma crise bem pior do que aquela que estoirou nos EUA, em 2008. 

No espaço da União Europeia é evidente que uma boa parte dos países membros não tem capacidade para pagar as suas dívidas e as “ajudas estruturais” representam apenas transferências astronómicas de capitais para as mãos dos credores e visam retirar aos países o controlo e a propriedade de empresas estratégicas. A situação é tão grave que vários estados membros estão com sérios problemas para pagar as suas dívidas.

A SADC tem a obrigação de tomar medidas que evitem este contágio nefasto. Se a região for capaz de se organizar, maximizando os seus recursos humanos e financeiros, pela primeira vez na História, África conquista o lugar que lhe compete na economia mundial. Hoje mais do que nunca temos de recusar o papel de fornecedores de matérias-primas a preços de saldo e de cérebros que nos fazem tanta falta. 

Os países pobres estão muito vulneráveis à crise económica dos EUA e da União Europeia. Os seus líderes têm pela frente um desafio único: Provar que a crise não é “mundial” e que África tem um papel importante na solução dos problemas sociais e económicos que afectam a Humanidade.

Para isso temos de abrir fronteiras e estimular a circulação de pessoas e bens no espaço da SADC. Sem troca de informações e experiências, sem abertura de espírito, sem investigação, não há progresso. Os milhões dos vários “Planos Marshal” que arrancaram a Europa do caos e da ruína afinal de pouco serviram. Se África beneficiar de recursos financeiros o mundo fica a ganhar porque passa a usufruir das suas riquezas numa escala mais justa e mais alargada. Precisamos de fundos para desenvolver a educação e fomentar a investigação científica. Precisamos de técnicos e especialistas que nos ajudem a organizar a produção de bens essenciais que hoje importamos, apenas porque não temos mão-de-obra qualificada. 

Angola na presidência da SADC pode desempenhar um papel fundamental na criação de condições para que a região seja um bloco económico com peso continental e mundial. Mas todos os Estados membros têm de fazer deste objectivo, a prioridade das prioridades. Para isso têm de se libertar de “relações tóxicas” que contaminam a economia global. 

Oiçam o Presidente Lula da Silva. Ninguém quer ser pobre. Ninguém decide ser pobre. Ninguém escolhe ser pobre. Se há pobres é porque falham os governos. Para sairmos da pobreza temos de investir tudo e mais alguma coisa na Educação e na Saúde. Digam isso à tutela que trata os professores como roboteiros. Digam isso à tutela que se dá ao luxo de manter no subemprego ou no desemprego milhares de técnicos de saúde. Digam isso à tutela da Comunicação Social que manda para a reforma profissionais repletos de sabedoria e que são fundamentais para enquadrar os mais jovens.

Angola foi protagonista principal na Libertação da África Austral. Os países da SADC juntos podem ser a força imparável que ajuda a libertar todo o continente. Angola pode fazer História na presidência da organização. Mas esqueçam as grandes concentrações das igrejas. Em política não vale tudo e o MPLA não tem nada a ver com essas manifestações religiosas. A vice-presidente Luída Damião se quer liderar uma igreja, é só pedir a demissão do cargo partidário. 

*Jornalista

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