quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Angola | Marisa o Samuel e a Paridade – Artur Queiroz

Samuel, o incinerador de 'bruxas'

Artur Queiroz*, Luanda

Marisa (Maryse Adjo Quashie) é professora na Universidade do Lomé, capital do Togo. Escreveu um texto pungente em nome de jovens africanos que foram impedidos de participar na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa e outros municípios portugueses. Uma pena. Mas na sua bondade, os impedidos e a sua porta-voz não culpam as autoridades de Portugal. Sabem que é um pequeno protectorado dos nazis de Bruxelas não tem soberania nem para emitir um visto. Os discriminados culpam a Igreja que um dia apareceu em África empunhando a cruz e benzendo a espada que garantia a ocupação e o latrocínio. 

Sim Marisa, a Igreja tinha o dever de garantir vistos a todos, todos, todos, todos os jovens africanos que quisessem ir ver de perto o Papa Francisco. Esse homem que é amigo, camarada, irmão, pai e tudo o que for preciso para dar a este mundo apodrecido uma réstia de Humanidade. Bondade. Esperança. O único líder mundial que ainda não se rendeu ao dinheiro. Essa juventude sedenta de Justiça e Paz perdeu muito Marisa. Mas ganhou alguma coisa.

Jovens angolanos, com visto, chegaram a Lisboa para participar na Jornada Mundial da Juventude. A organização, desmiolada e insensata, decidiu que deviam apresentar-se em Leiria aos polícias da Igreja e do Estado. Dada a proximidade existente, provavelmente tinham amigos e familiares na capital. Ficaram lá. Os polícias dos Media imediatamente denunciaram a invasão de jovens angolanos que andam por aí descomandados, perigosos, prontos para o crime. São pretos!

As milícias nazis do partido Chega entraram em acção. O líder da oposição estava com os lombos ao sol mas imediatamente reagiu e mandou a sua tropa de choque avançar, destemida, para enfrentar os pretos angolanos que não se apresentaram aos polícias da fé e do Estado em Leiria. O bispo Chissengueti ficou indignado com a onda de racismo e xenofobia. Falou bem. Nem eu dizia melhor. Estás desculpado pelos fretes à UNITA. Continua assim que vais bem e mereces respeito.

Marisa tu tens razão. Mas ainda bem que os polícias dos vistos e os polícias da Igreja não puderam humilhar ainda mais jovens africanos em Lisboa. E tu fica no Togo. Fazes muita falta para transmitir Educação. Se saíres não te atrevas a visitar Angola porque podes bater de frente com o Samuel Chiwale, dirigente do maior partido da Oposição, UNITA, uma seita assassina que queima mulheres vivas quando o seu chefe decide que são bruxas. Até crianças vão para a fogueira se forem consideradas praticantes de bruxaria. Marisa, pelos padrões da UNITA, tu és bruxa. Sabes muito. És inteligente. Pensas. Vais para a fogueira!

Ontem recebi uma entrevista de Samuel Chiwale concedida há alguns meses à Rádio Essencial e conduzida pelo jornalista Emídio Fernando. Confesso que a minha primeira reacção foi não acreditar no que estava a ouvir. Isto só pode ser uma montagem! Vi melhor. Ignorei as imagens enxertadas. E aquilo tinha tudo para ser autêntico. Mesmo assim fui procurar o som e imagens originais. Encontrei. Vi e ouvi tudo desde o primeiro ao último segundo. Era verdade. Chiwale disse mesmo o que eu estava a ouvir. 

O dirigente e deputado da UNITA confessou que queimou mulheres e crianças na Jamba. E explicou porquê. Os eleitores do Galo Negro elegeram um assassino frio, determinado, cruel. O Estado Angolano paga uma reforma choruda a um matador de mulheres e crianças. Foi um momento de desvario e loucura? Não. Ele disse, soltando gargalhadas de desdém pelas mulheres e crianças queimadas vivas, que não estava arrependido. Hoje fazia o mesmo. Não tem qualquer remorso.

O espantoso é que as autoridades da investigação e acção penal ignoraram a confissão dos crimes hediondos contra mulheres e crianças indefesas. A opinião pública nem um ai. Os grupos parlamentares do MPLA, CASA-CE, FNLA e PRS não reagiram. Um deputado confessou publicamente que queimou mulheres e crianças vivas, na Jamba, e a Assembleia Nacional em peso não tomou medidas. Foi um sicário da UNITA que deu a entrevista? Que confessou ser um assassino? Não faz mal. Eles são mesmo assim. É a natureza deles.

A entrevista concedida por Samuel Chiwale à Rádio Essencial aconteceu em período pré eleitoral. Nenhum partido reagiu. As autoridades policiais e judiciais não reagiram. O Bloco Democrático, com fumos de esquerda, mesmo depois dos seus dirigentes ouvirem a entrevista, aceitaram continuar a fazer parte da lista de assassinos candidatos a deputados. São iguais. Tão ladrão é o que assalta a lavra como o que fica de guarda.

Os Media públicos têm especial culpa no cartório. A TPA devia ter repetido a entrevista, na íntegra. A Rádio Nacional o mesmo. A ANGOP tinha o dever de fazer uma ou várias notícias sobre as confissões do assassino Chiwale. O Jornal de Angola também. Porque segundo Agostinho Neto, a Imprensa é o rascunho da História. Todos ignoraram as confissões do deputado: “Eu atirei com mulheres e crianças para a fogueira da Jamba. Savimbi decidiu que faziam bruxaria”.

O jornalista, atónito, perguntou: Está arrependido? E Samuel Chiwale respondeu: “Não estou arrependido de nada”. Soltou uma gargalhada de escárnio e prosseguiu: “a minha mãe foi queimada naquela fogueira. Mereceu. Meteu-se em coisas que não devia. Morreu na fogueira.” Um deputado declarou numa estação de Rádio que atirou com a mãe para a fogueira da Jamba. E riu! Não manifestou o menor arrependimento. Ninguém actuou. 

O  deputado Virgílio de Fontes Pereira, líder do Grupo Parlamentar do MPLA, fez hoje uma declaração que tardava e uma revelação que já todos devíamos conhecer.  O Presidente da República eleito, João Lourenço, não será removido do seu cargo. Vai cumprir o mandato até ao fim. É assim mesmo. Se houvesse a mínima hesitação, os sicários da UNITA no passo seguinte amarravam todas e todos os deputados dos outros partidos e faziam uma grande fogueira com eles na Praça da Independência. 

A revelação veio demasiado tarde. O MPLA propôs um diálogo aberto e abrangente entre todos os parlamentares. Umam medida importante para consolidar a unidade nacional. Virgílio de Fontes Pereira hoje revelou no Parlamento que a UNITA respondeu a este convite exigindo um Governo com paridade de pastas ministeriais. Todos os lugares indicados pela Assembleia Nacional noutras instituições têm de ser igualmente em paridade. A maioria absoluta conquistada pelo MPLA era atirada para a fogueira do Chiwale e dos outros assassinos da UNITA, confessos ou não.

Pergunto ao presidente da bancada parlamentar do MPLA: Por que razão isto não foi imediatamente denunciado e só hoje sabemos do atentado da UNITA às regras da democracia? Só hoje soubemos que a UNITA não respeita a Assembleia Nacional nem as outras instituições democráticas. Ignora o Estado de Direito. E face à ignorância em que todos vivemos, os sicários do Galo Negro mobilizam cada vez mais incautos para os seus crimes e atentados. 

Eu sou um apaixonado pela crónica jornalística. Passei anos recolhendo as crónicas de Ernesto Lara Filho, o maior dos maiores, que publiquei no livro CRÓNICAS DA RODA GIGANTE. Leiam a crónica de hoje do Jaime Azulay no Novo Jornal. Do melhor que existe em Língua Portuguesa. Quem não ler perde muito. Quem acha que escreve crónicas mas nem sequer balbucia, que leia atentamente. Pelo menos fica a saber o que é uma crónica. Esta é fabulosa. Quem está contra ele, que se arrependa. Obrigado Jaime! Estás na trincheira dos que não deixam morrer a Crónica Angolana. Aceita a minha gratidão em nome dos cronistas que já não podem ler-te.

*Jornalista

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