sábado, 26 de agosto de 2023

Angola | DIA 23 DE AGOSTO DE 1981 - Invasores Ocuparam o Cunene – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Agostinho Neto faleceu em Setembro de 1979. Os últimos meses do ano foram de transferência de poderes para o novo líder, José Eduardo dos Santos. Ao mesmo tempo as tropas sul-africanas tomavam posições no Sul e Sudeste, sob o biombo da UNITA. Os racistas de Pretória também lançaram no teatro de operações o Batalhão Búfalo, constituído por antigos militares da FNLA e do Esquadrão Chipenda. No ano de 1980 foi acelerada a transformação das FAPLA em forças armadas nacionais. No dia 23 de Agosto de 1981, faz hoje 42 anos (uma vida!) as tropas sul-africanas lançaram a “Operação Protea”. Os Media de hoje ignoraram essa página imortal da História Contemporânea de Angola.

A 23 de Agosto de 1981 os racistas de Pretória atacaram as posições das FAPLA e o PLAN (braço armado da SWAPO, movimento de libertação da Namíbia), trazendo como biombo os sicários da UNITA, mais uma vez no papel de matadores do Povo Angolano. Os sul-africanos queriam entregar a administração da província do Cunene ao Galo Negro, criando assim o primeiro “bantustão” em Angola, logo que as forças governamentais e da SWAPO fossem expulsas. Este era um objectivo estratégico dos sul-africanos nas “operações de fronteira” contra o território angolano.

Os peritos sul-africanos comparam a “Operação Protea”, realizada na província do Cunene, à Batalha do Cuito Cuanavale, no Triângulo do Tumpo e foi repartida pelas operações Moduler, Hooper e Packer. A “Operação Protea” não foi fulminante. Durou de Agosto de 1981 a Março de 1988, durante sete dolorosos anos, e o seu objectivo consistiu em destruir as linhas de abastecimento logístico das forças militares da SWAPO no teatro central do sul de Angola. A SWAPO e, se necessário, as FAPLA, deveriam ser expulsas da província do Cunene, a fim de se garantir a segurança da longa linha de fronteira sul-africana.

No Cunene, as SADF utilizaram unidades especiais e armas modernas contra a SWAPO. A área do Cunene ocupada pelos invasores de 1981 a 1988 foi calculada em 34.320 quilómetros quadrados, numa profundidade média de 88 quilómetros entre a fronteira sul e o Môngua. 

Cronologia das Acções

A “Operação Protea”, principal acção realizada pelos invasores sul-africanos contra Angola durante o ano de 1981, foi o culminar da estratégia delineada em comum por Washington e Pretória e cuja execução foi iniciada logo nos primeiros dias do ano para a destruição das FAPLA.

Os factos históricos indicam que no dia 23 de Agosto de 1981, o Exército sul-africano desencadeou uma operação de grande envergadura em território angolano, uma autêntica invasão localizada a que Pretória chamou “Operação Protea”. Para essa operação mobilizou, na fase mais importante, 11 mil homens, 36 tanques “Centurion M-41” e 70 blindados “AML-90”, 200 veículos de transporte de tropas “Ratel”, “Buffel” e “Sarracen”, artilharia com canhões G-5, de 155 milímetros, e mísseis terra-terra “Kentron”, de 127 milímetros, e 90 aviões e helicópteros.

A invasão começou com o bombardeamento a Chibemba e Cahama, levado a cabo por oito aviões (seis “Mirage” e dois “Buccanneer”), no intuito de destruir as posições de defesa antiaérea angolanas. No dia 24 de Agosto, três colunas de infantaria motorizada penetraram em território angolano pelo Cunene, atacando e ocupando Namacunde, Humbe e Xangongo. A aviação dos racistas iniciava os bombardeamentos à cidade de Ondjiva, capital da província. No dia seguinte, Uia e Môngua foram ocupadas por duas colunas sul-africanas que se tinham deslocado a partir de Xangongo, ao mesmo tempo que a aviação realizava repetidos bombardeamentos sobre Ondjiva e Cahama.

No dia 26 de Agosto de 1981, a aviação inimiga continuou a bombardear localidades do Cunene. Simultaneamente, lançava panfletos incitando os soldados angolanos em Ondjiva a não oferecerem resistência ao à cidade. 

Às primeiras horas do dia 27 de Agosto, a aviação de Pretória regressou aos bombardeamentos em massa sobre Ondjiva, enquanto a artilharia pesada submetia a cidade a intenso fogo de barragem. Às sete da manhã, as tropas sul-africanas, apoiadas pela aviação, efectuaram a primeira tentativa de ocupação da capital provincial do Cunene pelo Norte e Oeste. Foram repelidos. 

Intensos combates prolongaram-se durante todo o dia 27, sendo os invasores sul-africanos rechaçados três vezes, depois de terem sofrido numerosas baixas.

No dia 28 de Agosto de 1981, perante a superioridade numérica do invasor e, sobretudo, a destruição dos meios de defesa antiaérea, as FAPLA retiraram de Ondjiva. Um exército estrangeiro ocupava uma capital provincial. E o mundo em silêncio. Ninguém exigiu que Pretória respeitasse o Direito Internacional. Washington e Bruxelas não exigiram que o agressor retirasse. Pelo contrário, reforçaram o apoio ao agressor e ao seu biombo UNITA.

Os Bravos da Cahama

O Exército sul-africano ocupou em seis dias uma extensão de 40 mil quilómetros quadrados, onde se incluíam Xangongo, Môngua, Humbe, Uia, Cuamato, Anhaca, Nehone, Mucope, Evale, Mupa e Ngiva. As tentativas de ocupação da Cahama fracassaram devido à heroica resistência das unidades das FAPLA.

Durante o mês de Setembro, incapazes de ultrapassarem a linha da Cahama, os sul-africanos iniciaram a retirada da artilharia pesada e tanques, mas mantiveram no terreno unidades blindadas ligeiras. Durante esta retirada parcial, os invasores roubaram viaturas ligeiras e pesadas, tractores e plataformas, gado, mercadorias e géneros alimentícios que pertenciam a Angola. Racistas e ladrões. Os sicários da UNITA foram os ajudantes das mortes de civis e dos roubos. Como continuam impunes, agora querem destituir o Presidente da República eleito!

Até finais do ano de 1981, o Exército racista prosseguiu os bombardeamentos, desembarques de tropas, colocação de minas terrestres e emboscadas. No dia 26 de Outubro de 1981, quando chegava a Luanda uma delegação do Grupo de Contacto (representantes de potências ocidentais), a Cahama foi novamente atacada por tropas helitransportadas.

A “Operação Protea” permitiu aos invasores sul-africanos ocupar toda a faixa a sul do rio Cunene, que a manteve sob patrulhamento permanente, utilizando a aviação e unidades ligeiras apoiadas pela cavalaria e por cães-polícias, realizando emboscadas e minando todos os acessos, para impedir qualquer tentativa de recuperação da região pelas FAPLA.

Ofensiva Diplomática

Em resposta à ocupação dos racistas da África do Sul, o Presidente José Eduardo dos Santos desencadeou uma ofensiva política, diplomática e militar para libertar a província do Cunene. Venceu! 

A acção diplomática do Presidente José Eduardo permitiu mobilizar a Nigéria, um aliado fundamental na luta de libertação na África Austral, e  outros Estados que se posicionavam abertamente contra o apartheid. O grupo de “Países da Linha da Frente”, integrado por Estados vizinhos da África do Sul e da Namíbia ou que estavam na primeira linha do combate ao apartheid, reuniu-se com a Nigéria em Lagos, a 11 de Setembro de 1981. 

O Presidente José Eduardo foi à Líbia, Bulgária, Checoslováquia, República Democrática da Alemanha (RDA), Hungria, França e Coreia do Norte para garantir o apoio material para travar a invasão da África do Sul a Angola.

A 26 de Agosto de 1981, o Presidente José Eduardo dos Santos enviou ao Secretário-Geral das Nações Unidas um telegrama pedindo a convocação urgente do Conselho de Segurança da ONU para discutir a agressão sul-africana. 

O Conselho de Segurança reuniu-se mas a resolução de condenação do regime de Pretória foi rejeitada por causa do veto imposto pelos Estados Unidos da América (EUA). Afinal a “Operação Protea” era o culminar da estratégia traçada por Pretória com Washington para destruir o MPLA e as FAPLA. Hoje a liderança do MPLA e o comandante supremo das Forças Armadas estão de joelhos ante o estado terrorista mais perigoso do mundo. Mudam-se os tempos mudam-se os à-vontades. Mas os nossos mortos continuam nas mesmas tumbas.

O Presidente José Eduardo dos Santos efectuou diligências junto da Organização de Unidade Africana (OUA hoje UA) e do Movimento dos Países Não Alinhados. A 13 de Junho de 1984, o Comandante-em-Chefe deslocou-se ao Comando da II Brigada das FAPLA, estacionada na Cahama, demonstrando que estava determinado a defender com todas as forças a Soberania Nacional e a Integridade Territorial.

Prejuízos Perpétuos

A agressão sul-africana reforçada com a “Operação Protea” custou milhares de vidas humanas e a destruição de infra-estruturas políticas e administrativas causadas pela aviação, pela artilharia e tropas dos invasores. Destruíram a sede do Governo Provincial do Cunene, A ponte de Xangongo, maior obra de engenharia construída em Angola na época.  Quem pagou os prejuízos causados pela Operação Protea e as outras agressões realizadas pelas forças armadas dos racistas de Pretória com a participação da UNITA? 

Numa primeira estimativa, a ONU avaliou em 12 mil milhões de dólares os prejuízos causados a Angola. Façam a conversão para hoje e ficam a saber quanto os sicários do Galo Negro devem ao país, só nessa operação contra a Soberania Nacional e a Integridade territorial.  

Willem Steenkamp, autor do livro “Grensoorlog Border War 1966–1989”, Heimoed Romer Heitman escreveu “South African Armed Forces”, e Leopold Scholtz, com “The SADF in Border War 1966–1989”, tratam da “Operação Protea”.

Willem Steenkamp escreve que o plano passou pelo crivo do governo sul-africano: “Todos os planos operacionais transfronteiriços foram apresentados ao ministro da Defesa, Magnus Malan, e somente após a aprovação do Governo as operações foram lançadas”. 

As SADF planificaram o dia 23 de Agosto de 1981 como data para o início da “Operação Protea”. Pretendiam usar todo o seu poder em equipamento militar, mas devido à dificuldade de movimentação das unidades mecanizadas devido ao início da estação da Chuva tiveram de alterar os planos. “Durante os combates, as SADF lançaram 333 toneladas de bombas, 1.774 roquetes de 68 milímetros e 18 mísseis “AS-30”, diz Steenkamp no livro. 

Apesar de um “Mirage III CZ” ter sido atingido por um míssil “SA-7” e da Força Aérea da RSA ter perdido um helicóptero “Alouette” com a tripulação, Willem Steenkamp afirma que o objectivo da “Operação Protea” foi alcançado, porque a província do Cunene viu-se livre da SWAPO e das FAPLA, as forças sul-africanas passaram a controlar Ondjiva e Xangongo e as forças da UNITA foram introduzidas na área para impedir que a SWAPO restabelecesse a presença.

Helmoed Romer Heitman refere, no livro “South African Armed Forces”, que a “Operação Protea” foi planificada com um cuidado especial, não só devido à forte presença das FAPLA nas áreas alvo, mas também à determinação em auxiliar a SWAPO na eventualidade desta ser atacada.

O plano sul-africano de colocar tropas no terreno foi elaborado por Constand Viljoen, comandante das SADF, e envolvia três unidades: a “Alpha”, sob comando do coronel Joep Joubert, que constituía a força principal, a “Bravo”, dirigida pelo coronel Vos Benade, e a “Charlie”, integrada por todas as unidades não envolvidas na operação e que continuaram a guerra contra a SWAPO  no interior da Namíbia.

Rota para Ondjiva

A “Operação Protea” começou com ataques aéreos contra as instalações de radares de defesa aérea na Cahama e em Chibemba. Segundo Heitman, os ataques também foram feitos contra alvos em Xangongo, Peu Peu e Humbe. Os invasores encontraram “bunkers” das FAPLA bem construídos e, em particular, um canhão automático antiaéreo “ZU-23-2” que causou muitos problemas à força “Alpha”. 

Heitman diz que as forças das FAPLA e SWAPO travaram fortes combates para impedirem os invasores de ocupar Xangongo e Peu Peu.  Mas a 25 de Agosto, apesar da forte resistência popular, que conseguiu abater um “Alouette III” da SADF, os invasores ocuparam Môngua, cumprindo o objectivo capital de facilitar ao agrupamento principal a rota para Ondjiva.

No plano concebido pelo alto comando sul-africano, após Xangongo, o próximo alvo era Ondjiva. Tal como Xangongo, Ondjiva foi defendida pelas forças militares e o povo, com as defesas orientadas para sul, as trincheiras cavadas à volta da cidade e os “bunkers” localizados por toda a parte.

O ataque a Ondjiva começou a 26 de Agosto. Os invasores começaram por ocupar o complexo aeronáutico, depois de atacarem os canhões antiaéreos. Encontraram uma resistência maior do que esperavam. A Força Aérea Sul-Africana (SAAF) teve de bombardear uma coluna de 25 veículos das FAPLA, o que mostra a dimensão da acção de defesa.

Na manhã de 27 de Agosto, as tropas sul-africanas entraram em Ondjiva. Iniciaram acções de perseguição nas bases da SWAPO de “Wynand”, “Grootkop” e “Voorstad”. Assim terminou a “Operação Protea”. Os invasores começaram a retirar-se a 3 de Setembro. As últimas tropas saíram de Angola a 6 de Setembro.

Desalojar as FAPLA

Leopold Scholtz, historiador militar sul-africano, autor do livro “The SADF in the Border War 1966-1989”, escreve que a dimensão da “Operação Protea” é tal que, em muitos aspectos, chegou a ser maior do que as operações Moduler, Hooper e Packer, realizadas durante o clímax do conflito que foi a Batalha do Cuito Cuanavale, travada no Triângulo do Tumpo.

A “Operação Protea” foi programada para 23 de Agosto de 1981 e embora o seu objectivo explícito fosse destruir as bases da SWAPO no Humbe, em Xangongo e em Ondjiva e neutralizar as suas forças militares, o objectivo profundo era desalojar as FAPLA  do Cunene e entregar a sua administração à UNITA de Jonas Savimbi.

Os sul-africanos sabiam que um ataque a Xangongo e Ondjiva enfraquecia a capacidade da SWAPO de conduzir operações na frente noroeste, reforçando a mensagem de que a SWAPO já não desfrutava dos seus bastiões no sul de Angola.

Embora a última operação de grande envergadura realizada pelas SADF contra as bases da SWAPO tenha sido a Operação Reindeer, em Maio de 1978, os sul-africanos nunca deixaram de agredir Angola e realizaram muitas outras operações de menor projecção: Operação Safraan, em Março de 1979. As SADF atacaram as bases da SWAPO na Zâmbia. O governo de Lusaka decidiu retirar as bases da SWAPO do seu território. Operação Sceptic, em 10 de Junho de 1980. Ataque  às bases no Cuamato, Mulemba e Ionde. Operação Klipklop, em 30 de Julho de 1980. As SADF atacam as bases em Chitado.  Operação Carnation, em Julho de 1981. As SADF atacam as bases no sul do Cunene.

Apesar dos golpes desferidos contra a SWAPO e contra as FAPLA, os libertadores da Namíbia sempre continuaram a lutar pela independência, apoiados pelas FAPLA. 

Em Maio de 1981 o major-general Charles Lloyd, oficial superior das SADF no Sudoeste Africano, escreveu uma carta a Constand Viljoen, recomendando novos ataques em Angola. Na carta, ele dizia que as SADF tinham que operar por períodos mais longos em Angola e ocupar o território, em vez de procurarem bases específicas e retirarem-se pouco depois. 

“As linhas de comunicação da SWAPO ao longo do Rio Cunene deviam ser permanentemente destruídas e, para isso, ele pediu a Viljoen para destruir os pontos fortes conjuntos das FAPLA e SWAPO em Xangongo, Môngua e Ondjiva”, diz  Scholtz comentando a carta. Depois de ter passado pelo crivo do Governo sul-africano, as recomendações do major-general Charles Lloyd foram aprovadas e, em seguida, o alto comando sul-africano criou as três forças “Alpha”, “Bravo” e “Charlie”, para a execução da Operação Protea.

Novo Paradigma

A “Operação Protea” marcou o início de vários acontecimentos na chamada guerra de fronteira dos racistas sul-africanos. Em primeiro lugar, causou uma escalada no conflito fronteiriço, pois anteriormente a luta era principalmente entre as SADF e o PLAN directamente e com as FAPLA de forma indirecta. 

Este paradigma foi alterado depois da “Operação Protea” que determinou uma presença, mais ou menos, permanente das SADF no sudeste de Angola. Foram forçados a retirar-se definitivamente após terem sido inapelavelmente derrotadas na Batalha do Cuito Cuanavale, no Triângulo do Tumpo.

Leopold Scholtz destaca no seu livro que depois da “Operação Protea”, as principais forças convencionais sul-africanas regressaram ao Sudoeste Africano e à África do Sul, “mas as forças de contra subversão ficaram no sul de Angola, a fim de ocuparem o território em cooperação com a UNITA”. 

Isto reforça a conclusão de que, efectivamente,  um dos objectivos mais profundos da “Operação Protea” era desalojar as FAPLA da província do Cunene e entregar  a sua administração à UNITA de Jonas Savimbi. Temos de destituir a direcção do Galo Negro e mandar a UNITA para o mesmo cemitério onde está enterrado o regime de apartheid.

Até esta hora (22 horas de 23 de Agosto de 2023) nenhum Media angolano, nenhuma instituição pública se referiu a esta página imortal da História de Angola Contemporânea. O nosso país só nasceu em 2017 quando o Presidente João Lourenço chegou ao poder. Para trás nada existe. Nem poeira!

*Jornalista

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