terça-feira, 5 de setembro de 2023

Portugal | CONSELHO TESTADO

Miguel Prado, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia.

Hoje há chuva de norte a sul do país, incluindo em Belém, com probabilidade de precipitação de 90%, diz-nos o IPMA. Ora, precipitação é o que não se espera de mais uma reunião do Conselho de Estado, o órgão consultivo do Presidente da República que em julho discutiu a situação política, económica e social, segundo a telegráfica nota divulgada após a reunião, enquanto o primeiro-ministro se preparava para rumar à Nova Zelândia. Vale a pena recordar o que se passou a 21 de julho, até porque esta terça-feira há novo teste, perdão, nova reunião do Conselho de Estado, com a temperatura política a reaquecer, e o outono a espreitar, entre aguaceiros “por vezes fortes e acompanhados de trovoada” a Norte, mas com a nebulosidade a diminuir à tarde na Grande Lisboa.

Não lhe trago o boletim meteorológico detalhado, mas a previsão do tempo no país tem as suas semelhanças com o retrato da relação institucional entre o chefe de Estado e o do Governo, especialmente conturbada depois da recusa de António Costa em afastar João Galamba, contrariando a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa. Na última edição do Expresso já antecipámos o clima político que enquadra este Conselho de Estado, com o PS a acreditar que “a montanha vai parir um rato”. Do seu largo, do Rato, vai-se gerindo com cautela a preparação do Orçamento do Estado para 2023, enquanto a vida política do país reanima no pós-férias. A rentrée está aí, e alimenta muita da opinião que encontra por estes dias na imprensa portuguesa, incluindo no Expresso. Aqui Miguel Prata Roque escreve porque não ficou espantado com o súbito interesse do dossiê presidencial, enquanto Daniel Oliveira escreve sobre a potencial candidatura de Marques Mendes e Pedro Gomes Sanches aponta Passos Coelho a São Bento e Paulo Portas a Belém.

Na convocatória da reunião de hoje do Conselho de Estado, a Presidência da República não detalhou a agenda. Prosseguirá a análise interrompida a 21 de julho. E a verdade é que desde então o quadro económico não melhorou. A 27 de julho o Banco Central Europeu subiu os juros para 4,25%, em agosto a inflação em Portugal voltou a subir (saltou de 3,1% para 3,7%, depois de nove meses consecutivos em queda) e na zona euro estabilizou nos 5,3% (e a falta de abrandamento do índice de preços poderá limitar a margem do BCE para congelar os juros, pressionando um novo aumento das taxas na reunião de política monetária marcada para dia 14).

Com estes dados, se o Governo não repetir o travão adotado este ano, em 2024 as rendas da habitação podem subir 6,9%, apertando mais ainda as famílias portuguesas, cujos rendimentos não acompanharam a escalada inflacionista do último ano e meio, e cuja capacidade de poupança é, em muitos casos, limitada, se não mesmo inexistente. Isto num contexto de estagnação da economia do primeiro para o segundo trimestre, comportamento que poderá prolongar-se mais uns meses. E somam-se algumas más notícias, como a paragem forçada, por dois meses, da Autoeuropa, um dos motores das exportações nacionais (pode ler aqui sete perguntas e respostas sobre o que está em causa).

Apesar desses desafios, o governador do Banco de Portugal fez um diagnóstico positivo da evolução do país nos últimos anos, ao publicar esta segunda-feira uma análise que pretende repetir anualmente (a somar aos relatórios que periodicamente o banco central já produz). Mário Centeno reconhece o esforço que dezenas de milhares de famílias estão a ter para pagar as suas contas, deixa recomendações e alerta para o risco de o BCE “fazer demais” ao tentar travar a inflação com a subida de juros. “A política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro”, advoga Centeno, numa intervenção com um timing curioso: o governador do Banco de Portugal irá participar na reunião de 14 de setembro do BCE, e agora com direito de voto.

Numa rentrée política morna, o anterior ministro das Finanças procurou ganhar espaço mediático, em véspera de Conselho de Estado, enquanto Fernando Medina vai discretamente cozinhando o próximo Orçamento, já pressionado por uma mochila de despesa adicional de 3,1 mil milhões de euros. Com o PS dono de uma maioria absoluta no Parlamento, é curta a margem de manobra de Luís Montenegro para marcar pontos no processo orçamental, mas o presidente do PSD não deixará de ter oportunidades para procurar vitórias políticas (eleições na Madeira este mês, europeias no próximo ano, autárquicas em 2025 e presidenciais e legislativas em 2026).

Hoje Montenegro prossegue, no distrito de Portalegre, o seu roteiro “Sentir Portugal”. Seria interessante saber como o líder da oposição “sentiu” o diagnóstico do governador do Banco de Portugal à saúde económica do país. E não seria de estranhar que à mesa do Palácio de Belém, esta tarde, fosse igualmente servida de bandeja a análise de Centeno (até porque na reunião de julho o conselheiro Miguel Cadilhe foi especialmente crítico das visões cor-de-rosa da economia portuguesa). À mesa estará também um (pelo menos um) potencial candidato a inquilino do palácio, a aconselhar Marcelo Rebelo de Sousa. Depois da reunião inconclusiva de julho, o Conselho volta a ser testado. Perdão. De Estado.

OUTRAS NOTÍCIAS:

Ucrânia. O Governo português quer resolver os problemas dos refugiados ucranianos, depois de a Segurança Social ter enviado cartas a exigir a devolução de parte dos subsídios de inserção, e decidiu agora criar um canal de comunicação específico para estes casos. Na Ucrânia, entretanto, foi nomeado um novo ministro da Defesa. Quem é Rustem Umerov?

Rússia. Ainda sobre a guerra, deve a Rússia ser punida? “Não acredito em responsabilidade coletiva, era o que defendiam os nazis”, afirma ao Expresso a historiadora russa Tamara Eidelman. Isto num momento em que Putin mantém o diálogo com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan (mas sem sinais de acordo sobre a exportação de cereais, processo no qual Erdogan atuou como mediador), e em que o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un, está a preparar uma visita à Rússia, visando fornecer armamento a Moscovo.

Clima. Prossegue hoje em Nairobi, no Quénia, a Cimeira Africana do Clima, onde Portugal está representado pela secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, e pelo secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, num evento onde também participa a portuguesa Mafalda Duarte (se não sabe quem é, espreite a entrevista que deu há umas semanas ao nosso podcast O CEO é o Limite).

Tecnologia. A Huawei avançou com uma ação administrativa contra o Estado português, para contestar a posição da Comissão de Avaliação de Segurança, que classifica a China como uma origem de “alto risco” para as comunicações eletrónicas de quinta geração em Portugal. A Comissão de Avaliação já reagiu, defendendo que o 5G tem de ser “escrutinável, transparente e confiável”

Economia. O plano de insolvência da Groundforce contempla a rescisão com 300 trabalhadores em dois anos, a banda larga fixa já cobre 92% das famílias portuguesas e a estrutura de missão Recuperar Portugal passou a divulgar uma lista das entidades que já receberam pelo menos um milhão de euros do PRR. E esta manhã há uma outra história para ler: Luís Filipe Vieira foi reeleito presidente de duas das suas empresas mas sem o voto do Novo Banco, que recusa ser seu acionista.

Futebol. O caricato episódio do jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Arouca em que o árbitro analisou por telemóvel um dos lances mais polémicos da partida continua a dar que falar: o FCP rejeitou a versão da Federação Portuguesa de Futebol sobre a falha de energia do VAR, apontando o dedo aos técnicos da Altice, e a Altice reagiu rejeitando responsabilidades pelo sucedido.

FRASES:

“Recentemente temos sido confrontados com uma suposta redução do número de licenciados. Contudo, trata-se apenas de um desvio estatístico, sem sustentação sócio-económica”

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, na nota de análise “Encruzilhada de políticas”, publicada esta segunda-feira

“É preciso acordar a Europa”

Matteo Renzi, antigo primeiro-ministro italiano, ao anunciar candidatura às eleições europeias

“A Festa do Avante! não é uma qualquer rentrée. Tem uma dimensão cultural, artística e de massas que a confirma como uma iniciativa ímpar e incontornável na vida política, social e cultural do país”

António Filipe, membro do comité central do PCP, em artigo de opinião no Expresso

PODCASTS A NÃO PERDER

Helena Freitas, CEO da Sanofi Portugal: "Tive a benção de estar em empresas onde promover mulheres em licença de maternidade é normal". Oiça o podcast de liderança do Expresso 'O CEO é o limite'

Ucrânia na UE até 2030? A análise de Madalena Meyer Resende, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA), e Paulo Sande, advogado e professor convidado da Universidade Católica, no podcast de Internacional do Expresso 'O Mundo a Seus Pés'

Olhó radar, é p’ró menino e p’rá menina! Esta semana a Noite da Má Língua tem VAR e imeeeeeenso tempo de compensação

O QUE ANDO A OUVIR

The Strokes. Têm sido a companhia recorrente nos trajetos de casa para a redação do Expresso e do jornal de volta para casa, a energia sonora que alimenta este jornalista da energia nas horas improdutivas. E se desperdicei a última oportunidade de os ver ao vivo, quando passaram pelo NOS Alive, o mesmo não aconteceu no passado fim-de-semana: os Arcade Fire deram um enérgico e contagiante espetáculo no Meo Kalorama (na Blitz chamaram-lhe um “concertão” e só posso concordar).

Aqui termino este Curto, que já vai longo, lembrando apenas que pode continuar a ler-nos na nossa edição digital, onde encontrará uma extensa seleção de exclusivos (se não é ainda assinante do Expresso, saiba aqui que opções disponibilizamos). Viaje também pelas últimas do desporto, na Tribuna, e da música, na Blitz, e pelas propostas que deixamos no Boa Cama Boa Mesa. Tenha uma boa terça-feira!

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