sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Angola | Resposta Antes da Pergunta – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A geografia não é o meu forte mas penso que um dia almocei num restaurante chamado Brasuca nas proximidades do Bairro Alto, em Lisboa. Era propriedade de um exilado brasileiro. À mesa o anfitrião, Arménio Ferreira, cardiologista afamado, mas que apesar de lhe ter pedido muito e repetidas vezes, nunca conseguiu curar as minhas paixões incessantes e tumultuosas. Os convidados eram Henrique de Carvalho Santos (Onambwe) e Rui Mingas, ambos de passagem por Lisboa.

Aproveitei para ajustar contas. Rui, vieste para Portugal e trocaste o Sporingué do Peyroteo, do Arménio Ferreira, do Tio Eduardo dos Santos, do Mascarenhas, pelo Benfica do Zé Águas e do Fialho. Grande corrida com obstáculos! 

Só consegui arrancar um sorriso de indulgência de todos os presentes. Percebi que estava fora da caixa.

Muitos anos depois, Rui Mingas e eu fomos convocados como testemunhas num processo que corria seus termos no Palácio de Dona Ana Joaquina. Ficámos pelo menos duas horas à espera de ser ouvidos. Matámos o tempo à conversa até que falei de música. Tu podias ser o Harry Belafonte, o Nat King Cole, o Louis Armstrong. Mas passaste ao lado de uma carreira profissional que ia colocar o mundo a teus pés. Só pode ser medo do sucesso!

Resposta: Não sou amigo dos grandes palcos. Prefiro espaços familiares e de amizade. A segurança dos estúdios.

Agora a pergunta que nunca lhe foi feita: Rui como estão os teus sobrinhos?

Resposta: Fui eu que os criei e eduquei. Nunca ninguém me perguntou se era preciso alguma coisa. Fiquei sozinho com essa responsabilidade.

Rui Mingas perdeu no 27 de Maio de 1977 o seu irmão Avelino, ministro Saidy Mingas. E seu irmão José, oficial da DISA. Ninguém sofreu como ele. Ninguém foi tão ferido como a Família Mingas. Nem um queixume. Nem uma palavra. Rui Mingas e a sua família criaram e educaram os sobrinhos órfãos. Não há forma mais grandiosa de perdoar e abraçar.

Ontem Rui Mingas faleceu. 

É preciso afirmar a angolanidade? Tomem la os meus discos de antes e depois do 25 de Abril de 1974. No tempo do colonialismo cantou poemas de Agostinho Neto, Mário António, Viriato da Cruz, António Jacinto. As vozes da luta pela Liberdade.

É preciso estruturar o Desporto na Angola Independente? Aqui estou pronto a dar o meu contributo no Governo da República Popular de Angola!

Precisamos de mais Ensino Superior? Tomem lá a Universidade Lusíada. Esta escola saiu de Luanda e foi para as províncias, nomeadamente Cabinda, donde é originária a Família Mingas.

É preciso representar Angola na antiga potência colonial? Aqui estou eu pronto a assumir o papel de Embaixador em Lisboa.

É preciso uma voz sensata e lúcida mas combativa no Parlamento? Aqui estou na lista do MPLA candidato a deputado. E eleito pelo Povo.

Depois Rui Mingas mergulhava no anonimato e mais ninguém o via ou ouvia. Às vezes ouvíamos a sua arte como intérprete e compositor. Os temas imortais dos seus discos. Ou o Hino Nacional nas cerimónias oficiais. 

Depois daquele dia em que fomos testemunhas de defesa num processo contra Maria Eugénia Neto (foi absolvida no Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de muitas traficâncias na primeira instância…) nunca mais vi Rui Mingas. Ontem Artur Neves, companheiro do seu irmão André nas andanças da Música, deu-me a terrível notícia, com a voz embargada pela emoção.

Nós cá estamos. Vamos cantar por ti e para ti. Mesmo que estejamos a viver tempos de chorar. Alguma vez deixaram de ser, desde que, menino e moço, foste para Lisboa estudar e praticar atletismo? Nunca saberei. Não te perguntei a que se devia essa tua confiança indestrutível no futuro de Angola e do Povo Angolano. Só choravas quando cantavas contra o colonialismo.

* Jornalista

Rui Mingas "Monagambé" - vídeo

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