quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Exportações e Jornalismo de Sucesso -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Notícia de primeira página com vénia. Angola já exportou para os EUA, ao abrigo da parceria estratégica, dez toneladas de parakuka, mil quilos de jinginga de cabrito, 20 toneladas de jimboa e 50 toneladas de katatos. 

A exportação das saborosas lagartas (gostar ou não gostar é uma questão cultural)  deixou-me felicíssimo. Pensei que o embaixador mobutista Tulinabo Salama Mushingi tinha ido misturado com a mercadoria no saco dos “quebra” onde os exportadores meteram vermes especiais. Não se confirmou. Continua a empestar a atmosfera entre o Alto das Cruzes e as Barrocas do Miramar. Este katato não dá para cozinhar com azeite doce e muito alho. Atenção, também exportámos para os EUA mil barris de petróleo. Foi o que se arranjou a pronto pagamento.

Na fase de total penúria, cravava o arroz com peixe-espada frito ao meu compadre Tarique (era o padrinho do meu filho Nuno Kropotkine). Quando já estava enjoado da iguaria, pedia asilo político à minha amiga Netita e ao meu compadre Ndozi (era padrinho do meu filho Eurico Tiago) porque ali havia sempre comida nem que fossem rações de combate. Depois da janta apareciam os amigos. Infalíveis no convívio eram Armando Guinapo e Carlos Rocha (Dilolwa) o nosso ministro das Finanças. 

Guinapo aparecia sempre com uma sobrinha que lhe trançava as barbas enquanto ele nos contava os milagres de sua tia santa, falecida há 50 anos mas cujo corpo estava intacto e todos os anos, no dia 1 de Janeiro, chorava. Aqueles sucessos religiosos davam-nos imensa sede. O Comandante Nodzi e a esposa dançavam primorosamente. Era a parte artística do convívio. 

O ministro Dilolwa ouvia entusiasmado o disco de James Brown, companhia indispensável nos nossos serões. No final exclamava que aquilo era muita música. Nos intervalos dos discos ia contando as suas agruras no ministério das Finanças.

Queixava-se amargamente de alguns colegas ministros que todos os dias faziam chegar ao Ministério das Finanças pedidos para compras de viagens e processamento das ajudas de custo em “Travel Cheques”. E desanimado desabafava: Já falei com o Velho (Agostinho Neto), isto tem que acabar. Estes gajos só querem passear!

Hoje tive uma grande alegria e pensei no Comandante Dilolwa, combatente da guerrilha e economista de primeira água. Fui informado que a Assembleia Nacional publicou, em Diário da República, no dia 29 de Dezembro, as recomendações aprovadas pelos deputados no Orçamento-Geral do Estado para 2024, que impõem o corte de 50 por cento da verba inscrita na rubrica “viagens dos departamentos ministeriais”, para o reforço de programas sociais. No final deste ano já não há Seychelles. E quem quiser passear vai a Cacuaco ou ao Zango. Se há cortes nas carteiras do povo em geral, os privilegiados também têm de ir ao castigo.

Coitada da Dona Vera! E o senhor ministro Mário Augusto da Silva Oliveira já não pode ir ao estrangeiro fazer formação na área da Comunicação Social. Tem uma boa alternativa, o curso médio de jornalismo criado pela minha amiga Gabriela Antunes e que toda a gente diz ser muito bom. Ainda que tenha dificuldade em compreender a existência de cursos médios na área. É pior do que abrirem um curso médio de medicina. Mas nós temos muitas singularidades destas. 

Mais uma menos uma tanto faz. Temos de assumir todos, as responsabilidades. O curso médio fez cair o fabuloso Jornalismo Angolano para níveis rastejantes. Vai ser difícil recuperar. Gabriela Antunes era licenciada em Letras (Filologia Germânica). Foi professora de inglês e alemão no Colégio D. João II, dirigido pelo Dr. Manuel Morais e que ficava entre o Colégio São José de Cluny e o Hotel Epic Sana. Para compor o salário, a Gabi dava explicações em sua casa, no prédio da Casa dos Frescos, mesmo ao lado da luxuosa Torre Élysée e perto da Bicker. Nunca teve qualquer ligação ao Jornalismo.

Depois de 1974, Gabriela Antunes colaborou (declamava poemas) com António Cardoso no programa cultural “Resistência”, da então Emissora Oficial de Angola (RNA). Foi desafiada por Sebastião Coelho e Francisco Simons para criarem um curso superior de Jornalismo. 

Aquilo deu para o torto e a voluntariosa Gabi lançou-se na criação de um curso médio, para responder às gritantes carências de profissionais, depois da debandada dos portugueses. Era uma solução provisória. Virou definitiva. A Gabi merece uma condecoração porque estudou muito para ensinar o que não sabia. Quem prolongou a resposta provisória até hoje, que se penitencie. Mas não há inocentes.

Por favor, não me levem a mal mas tenho de informar os administradores dos Media públicos e privados que os Jornalistas são quadros superiores das empresas jornalísticas. Por muito que vos custe e eu sei quanto voz custa. Já era assim quando nos qualificavam de “rapazes dos jornais”. No masculino porque em Angola, até 1974, as jornalistas contavam-se pelos dedos da minha mão esquerda e ainda sobravam. Em Agosto desse ano mágico criei uma Redacção paritária que produzia o Jornal das 13 Horas da Emissora Oficial (RNA). Eis os nomes dessas jornalistas de altíssimo nível: Maria Dinah (também excelente radialista), Graça D’Orey, Isabel Colaço, Catarina Gago da Silva e Conceição Branco (Tatão).

Hoje as jornalistas angolanas são às dezenas. Pela minha experiência na RNA e no Jornal de Angola, estão cotadas no topo. Muitas e excelentes profissionais.

Ao longo da minha vida profissional fui jornalista do Diário de Notícias, na época líder de audiências em Portugal (1974/1975. Depois integrei a Redacção do Jornal de Notícias (1983/1990). Líder de audiências em Portugal. A empresa lançou o jornal desportivo O Jogo. O director, Serafim Ferreira, convidou-me para o projecto. Trabalhei lá alguns meses. Colaborei na TSF com uma crónica semanal de “escárnio e maldizer”. 

Cavaco Silva entregou tudo ao Coronel da Lusomundo (Luís Silva) e aquilo passou a ser um antro do cavaquismo que representava a direita portuguesa mais corrupta e reaccionária. Bati com a porta. Devo ser o único jornalista que trabalhou em todos os órgãos do Global Media Group e que o Galinha, o Mosquito e um burlão de meia tijela, José Paulo Fafe, estão a destruir. Não sei se estou morto ou amputado. Destruíram dois jornais centenários, um jornal desportivo de topo e uma estação de rádio de referência. Não vos perdoo, bandidos!

Feliz Ano Novo mesmo para quem odeia o Jornalismo e a Liberdade de Imprensa.

* Jornalista

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