THE TIMES, LONDRES
– Presseurop – imagem Martirena
Conforme mostra a
visita recente particular do primeiro-ministro britânico à chanceler alemã, um
número crescente de alemães apoia a posição dura de David Cameron em relação à
UE. A alguns meses das eleições de setembro, na Alemanha, Angela Merkel parece
bastante tentada a alinhar com as ideias do Reino Unido sobre o mercado aberto,
em vez de com as da protecionista França.
Angela e David – o
romance entre os dois deve ser o mais apelativo da história política recente.
Há sete anos, os dois andavam às turras, porque o novo líder eleito dos
conservadores [britânicos] ordenara aos deputados europeus do seu partido que
abandonassem o Grupo do Partido Popular Europeu, que agrega todos os conservadores
bem-pensantes, incluindo os democratas cristãos da Sra. Merkel, e se juntassem
a um novo grupo de centro-direita criado pelo próprio Cameron.
Quem os visse
agora… Durante o fim de semana, celebraram juntos o despertar da primavera,
acompanhados por Samantha, Joachim e os filhos de Cameron, para compor o
cenário. Que grande mudança. Até então, o primeiro-ministro nunca levara
consigo toda a família, numa viagem ao estrangeiro com tanto conteúdo político,
nem nunca a Sra. Merkel mostrara tanta proximidade com qualquer outro
convidado, estrangeiro ou alemão, na residência oficial do Governo alemão emSchloss Meseberg [onde Cameron e Merkel
passaram o fim de semana].
É certo que
dizer-se que as nações não têm amigos, só têm interesses, pode ser uma máxima
da filosofia política. Mas, em tempos ensombrados pela crise, não há dúvida que
ajuda se os protagonistas conseguirem adicionar a amizade à ligação, reforçando
assim os objetivos comuns.
Cameron e Merkel em
sintonia
Aqueles que
escrevem os grandes títulos dos jornais ignoram aquilo que une as pessoas e
preferem os efeitos dramáticos da inimizade e da rutura. Foi o que aconteceu em
relação ao discurso
de janeiro sobre a UE, no qual Cameron defendeu o regresso de poderes ao
âmbito nacional. Mas pouca atenção foi dada ao que a chanceler alemã dizia em
Davos, na mesma semana. A Sra. Merkel também falou da necessidade de a UE se
empenhar na reforma, para melhorar a competitividade e inverter o profundo
distanciamento que os europeus sentem relativamente à “união”, uma das
designações mais incorretas de todos os tempos.
Cameron e a Sra.
Merkel estão em sintonia quanto a essas questões. E até na questão polémica das
“competências” que o Reino Unido quer repatriar de Bruxelas, o fosso entre os
dois dirigentes está a diminuir. Na Alemanha, a cacofonia de insultos que
acolheu o discurso de Cameron está a ser substituída pelo murmúrio de mudanças
de opinião, que fazem parecer inapropriado o argumento do isolamento britânico
na Europa.
No fim da semana
passada, perguntaram ao vice-presidente do grupo parlamentar do partido da Sra.
Merkel, Michael Meister, o que pensava o Governo alemão acerca da tão criticada
“revisão de competências” defendida por Cameron – cujo resultado será definido
no referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na UE, que o
primeiro-ministro prometeu realizar em 2017.
“Precisamos de
compromissos”, confessou Meister. “Estamos abertos ao debate.”
Significativamente, Meister admitiu que “estão em curso discussões exaustivas”
sobre as ideias do primeiro-ministro. Foi precisamente essa a razão do encontro
em Meseberg.
Química reforçada
por convicção estratégica
Ainda é demasiado
cedo para se dizer se serão necessárias alterações aos atuais tratados da UE, a
que a Sra. Merkel e os que apoiam se opõem em absoluto. O mais
importante é que, graças à franqueza da linguagem de Cameron, o combate ao há
muito reconhecido “défice democrático” que ameaça destruir o projeto europeu
assumiu uma nova premência. Estabelecer calendários também ajuda, mesmo que
David Cameron possa estar politicamente morto em 2017.
Sem dúvida que a
Sra. Merkel não deseja ver o seu novo amigo britânico cair na mortífera
armadilha europeia. A química entre os dois é fortemente reforçada pela sua
convicção estratégica de que, para a UE, perder o Reino Unido mas ganhar
a Croácia, a Bulgária ou a Roménia é uma inversão da lógica e do bom senso.
Contudo, os seus
cálculos têm igualmente uma vertente interna. Se a chanceler quiser manter a
sua atual popularidade até às eleições nacionais de setembro, aproximar-se de
Cameron e das suas ideias sobre abertura dos mercados e responsabilidade
democrática, e não do estatismo e dos instintos protecionistas dos franceses, é
uma boa política.
Na Alemanha, há um
exército secreto de seguidores de Cameron, que aplaudem a sua abordagem direta
da questão da UE, que os seus próprios políticos raramente ousam utilizar. A
insatisfação com o ónus que os acordos de resgate dos países da zona euro em
dificuldades colocaram sobre os contribuintes alemães causou algumas divisões
políticas explosivas. A Sra. Merkel não tem o mínimo desejo de fomentar
animosidades ainda maiores, envolvendo-se numa luta com um primeiro-ministro
que é mais popular na Alemanha do que dão a entender os responsáveis pelos
títulos dos jornais.
“Agi como um
ditador”
Há bem pouco tempo,
os alemães foram relembrados do modo como um chanceler todo-poderoso, Helmut
Kohl, os intimidou para os levar a aceitar o euro. “Agi como um ditador”,
admitiu cinicamente Kohl, numa entrevista de 2002, que só foi divulgada na
semana passada. Os opositores [à moeda única], que, no final dos anos de 1990,
Kohl rotulou de “inimigos do Estado” virtuais, formaram agora um novo partido, Alternativa
para a Alemanha, para impulsionar um debate tardio sobre o que poderia
significar para o futuro do país o regresso do marco.
Para poder
participar nas eleições nacionais, o novo partido tem de reunir pelo menos duas
mil assinaturas em cada um dos 16 estados federais da Alemanha. Segundo uma
sondagem recente, cerca de 25% dos eleitores disseram que talvez votassem no
Alternativa, em
setembro. Mas , até agora, apenas se inscreveram de facto cinco
mil.
É “o medo de algo
depois da morte / Esse país desconhecido de cujos campos / Nenhum viajante
retornou” que baralha a vontade dos céticos eleitores da Alemanha, quando
pensam na vida depois do fim do euro. Ao mesmo tempo, desconfiam profundamente
dos políticos, ao lembrarem-se do modo como Kohl os coagiu a desistir do marco.
Em contrapartida,
David Cameron, que é direto e tem modos francos, é um dirigente com quem os
alemães e Angela Merkel estão plenamente de acordo. Que esse romance resista
aos ataques e flechadas destes tempos terríveis.
Traduzido por Fernanda
Barão
Sem comentários:
Enviar um comentário