Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1-Segundo a Forbes,
o ministro das Finanças irlandês afirmou, na passada quinta-feira, que as
condições económicas para o próximo ano não seriam as melhores. No entanto,
como é do conhecimento geral, a Irlanda decidiu regressar aos mercados
prescindindo do já famoso programa cautelar. Mais, vários ministros irlandeses,
em declarações a vários jornais internacionais, disseram que o Governo irlandês
não estava disposto a aceitar novas condições económicas, no caso concreto
subida de impostos, em troca do referido programa.
Ficamos daqui a
perceber algumas coisas de que já suspeitávamos.
Em primeiro lugar,
o programa cautelar não é uma espécie de seguro de crédito que podemos ou não
accionar. Ou mesmo que o seja, o preço para o comprar será alto. Se a Irlanda
que se pode financiar neste momento a taxas de cerca de 3% - logo o risco de o
BCE ter de intervir para as baixar seria reduzido - imagine-se o que será com Portugal,
que se financia quase a 6%. Ou seja, se a Irlanda estando numa situação muito
melhor do que a nossa não quis aceder ao seguro por achar as medidas de
austeridade adicionais demasiado penalizadoras, imagine-se o que nos irá ser
exigido.
Em segundo lugar,
quanto à recuperação da soberania - expressão que revela um entendimento da
comunidade europeia que dispensa comentários - também estamos conversados. Se
para acedermos ao programa cautelar teremos de nos sujeitar a novas imposições,
cai por terra o discurso de 1640 e patetices semelhantes. O preço será sempre
alto e a receita suicida a mesma.
Uma das lições
desta recusa irlandesa em aceitar o programa cautelar é percebermos que os
decisores europeus, sobretudo os alemães, continuam cegos face ao que está a
acontecer aos países sujeitos a resgate e persistem em receitas que se provaram
falhadas. Como dizia a Forbes, se nem com a Irlanda, o aluno dilecto, se
conseguiu negociar de forma politicamente razoável, o que será com os outros?
Que acontecerá quando o Banco Central Europeu tiver de comprar ilimitadamente
dívida da França ou da Itália?
Mas há um problema
maior que esta crise mais uma vez mostrou - que aqui já foi várias vezes
referido. Que raio de legitimidade democrática tem o BCE para impor ou sequer
negociar medidas? Se o BCE impõe medidas em função da compra ilimitada de
dívida ou dum programa cautelar torna-se num governo de facto. Alguém votou um
programa político do BCE? No fundo, temos uma espécie de governo paralelo que
ninguém elegeu e que impõe políticas a seu bel-prazer. No fundo, estamos
perante o desrespeito do mais sagrado princípio da construção europeia: o
democrático.
2-Segundo o
primeiro-ministro, "a Irlanda é uma inspiração". A frase, como muitas
das que têm sido proferidas por Passos Coelho, não é de fácil entendimento.
Quererá o
primeiro-ministro dizer que o facto de o Governo irlandês não se ter sujeitado
às imposições da Europa recusando o programa cautelar, sabendo dos riscos que
corre no próximo ano, é uma inspiração? Estará Passos Coelho a recordar-se de
que o Governo irlandês não foi nem mais um euro além das medidas do memorando?
Será que finalmente pensa que teria sido boa ideia ter tido uma postura de
permanente negociação com os credores, em vez de ter um ministro das finanças,
Vítor Gaspar, que os irlandeses diziam ser um autêntico procurador da troika ?
Achará que o salário mínimo, 1400 euros, as taxas de IRC, IRS, IVA na Irlanda
são agora inspiradores? Ter-se-á lembrado de que na Irlanda não há reformas ou
salários de 600 euros, quanto mais cortes nessas pensões e salários (que sim
foram feitos, mas para valores muitíssimo superiores)? Estará a reflectir sobre
a reforma do Estado realizada em consenso com os partidos, sindicatos e demais
parceiros sociais ? Um plano com metas a atingir, programas a seguir, modelos a
implementar e não com umas folhas com a dignidade de papel higiénico de que já
ninguém se lembra e que passa à história como uma brincadeira de mau gosto?
Será que o primeiro-ministro está a ensaiar um mea culpa e nos pretende dizer
que está arrependido por não nos ter dado um Governo minimamente competente sem
gente manifestamente impreparada? Será que devemos perceber um pedido de
desculpas por não ter procurado, logo de início, consensos e até o Governo ter
vivido em permanente ambiente de guerra interna ?
Acreditemos até
que, inspirado pela Irlanda, vai finalmente encontrar um caminho e acabar com a
triste exibição pública da completa desorientação do Governo. O tal que em duas
horas passa duma perda de referência, confessada por Marques Guedes, para uma
história da carochinha, contada por Maria Luís, sobre irmos para aos mercados
sozinhos.
Já não era mau se a
inspiração de Passos Coelho o levasse por alguns destes caminhos, mas já nem o
trevo irlandês nos pode ajudar.
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