sábado, 12 de abril de 2014

Angola: AS CIDADES PRECÁRIAS



Jornal de Angola - editorial

Os centros urbanos que herdámos do colonialismo eram tão precários que nenhum tinha saneamento básico digno desse nome. Mas todos ostentavam nas periferias bairros degradados com casebres infectos e sem serviços básicos. 

Basta olhar para as nossas antigas vilas e cidades, algumas com séculos de existência, para termos a certeza de que aos angolanos apenas restava combater o regime que construiu uma Angola tão precária.

Hoje estamos a construir novas cidades com infra-estruturas modernas. As centralidades da província de Luanda e de outras províncias têm saneamento básico, redes de água, luz e telecomunicações, arruamentos, acessibilidades, iluminação pública, equipamentos desportivos, zonas verdes, escolas, centros de saúde, postos de polícia, terminais de transportes públicos. Nada de extraordinário. É mesmo assim que se constroem as cidades. No passado é que não existia nada disso, como se vê hoje em Luanda e todos os outros grandes, médios e pequenos centros urbanos do litoral. Quanto ao interior, nem é bom falar.

As novas cidades que construímos vivem com as antigas e algumas têm séculos de existência. Aos urbanistas compete conciliar as zonas históricas com as áreas de crescimento onde nasceram as modernas. Os gestores das nossas cidades têm a missão de dotar as velhas urbes das infra-estruturas que nunca tiveram ou se tornaram obsoletas com o decorrer dos anos. Ou as que, pela excessiva pressão humana, estão degradadas. Quase todas chegam ao fim de vida muito antes do prazo, porque não têm manutenção ou os beneficiários fazem mau uso delas. Quando não são arruinadas pelo uso abusivo.

O responsável da EPAL fez uma revelação que devia ter suscitado um sobressalto cívico em todos os luandenses. Ou pelo menos naqueles que estão na política e representam os eleitores angolanos na Assembleia Nacional. Enormes quantidades de água são roubadas da rede. Os autores destes crimes violam as condutas e fazem deles, aquilo que é de todos. Os cidadãos que assistem aos roubos nem sequer os denunciam. Mas quando lhe falta a água em casa, reclamam. 

O mesmo se passa com a situação precária em que vivem milhares de luandenses. Habitam autênticos tugúrios, sem as menores condições. Ninguém se preocupa com isso. Se chove um pouco mais, as barracas ficam inundadas ou os tectos voam. Nessa altura aparecem os defensores do bem-estar do povo. Quando as autoridades procedem à demolição desses casebres, oes paladinos dos direitos humanos logo saltam para a arena exigindo que as barracas fiquem intactas, à espera das próximas enxurradas.

O Governo criou uma bolsa de terrenos para acabar com a especulação imobiliária, que já atingia as raias do absurdo. Há reservas fundiárias em todos os municípios. Os distraídos que se apresentam como paladinos dos direitos humanos instigam as pessoas a ocuparem os terrenos. 

Da noite para o dia surgem mais casebres. Em pouco tempo formam mais bairros sem as mínimas condições de habitabilidade. Esses abusos inviabilizam programas habitacionais e projectos urbanísticos que visam garantir a todos os angolanos uma habitação digna. Os que vivem do oportunismo e da trapaça política registam mais umas quantas vitórias, à custa desgraça alheia. Quando chove um pouco mais, aparecem a instigar as pessoas contra as autoridades, porque não garantiram condições nos bairros ilegais que foram construídos à margem de todas as regras. É um círculo vicioso que tem de chegar ao fim. E para que isso aconteça, todos temos que nos mobilizar contra os que vivem nas águas turvas e apostam no quanto pior melhor.   

As novas centralidades são exemplares. Onde antes apenas existia mato, hoje temos cidades modernas, com todas as infra-estruturas que dão expressão à qualidade de vida. Os projectos de requalificação urbana são fundamentais para que as velhas vilas e cidades tenham condições de habitabilidade. Temos de acabar com os bairros desordenados e com as casas precárias. Não podemos continuar a pactuar com aqueles que fazem ligações de luz ilegais ou roubam a água das condutas. Se queremos cidades organizadas e com qualidade de vida, temos de recusar os velhos métodos do “desenrasca” e adoptar o civismo como modo de vida.

Enquanto nas grandes cidades não imperarem regras que todos têm de cumprir, vamos ter sempre desgraças quando chove um pouco mais. A água e a luz vão sempre faltar. A rede viária será sempre tão precária como as nossas vidas, em centros urbanos sem higiene, sem espaços verdes, sem água e luz, sem saneamento básico. As nossas cidades são o que nós quisermos. E todos devemos querer uma vida digna em centros urbanos com qualidade. 

As ocupações selvagens de terrenos não podem continuar. A construção de casebres não pode ser tolerada. As casas construídas sem projectos, sendo ilegais, devem ser demolidas. A autoridade do Estado tem de chegar ao caos urbanístico e impedir que ele progrida e prospere. Mas este trabalho também diz respeito a todos os cidadãos. Ninguém pode ficar de fora.

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