Fernando Ka -
Público, opinião
A melhor ajuda da
comunidade internacional, pela qual anseia o povo da Guiné, é a paz e a
estabilidade duradoira.
Os guineenses têm
noção errada de soberania, confundindo-a com a independência. Se esta é uma
condição necessária de soberania, não é suficiente para o seu pleno exercício. Um país não é de verdade soberano quando ainda não é capaz de ter o controlo
absoluto sobre o seu território e os respectivos recursos naturais, os quais
estão sujeitos a desenfreada e criminosa pilhagem pelos forasteiros, a pretexto
de “contrato de exploração”. Por outro lado, um país que nem sequer é capaz de
garantir o mínimo de auto-suficiência alimentar às suas populações altamente
subnutridas, roçando a fome e os mínimos cuidados de saúde, não é digno desse
nome.
A falência da
Guiné-Bissau como Estado deve-se ao facto de nunca ter tido dirigentes à altura
dos desafios que se impunham logo a seguir à independência até hoje. As
gerações formadas no exterior para concretizarem o nobre ideal dos seus
antepassados, que deram as suas vidas de forma a pôr fim ao colonialismo, não
têm sabido desempenhar o seu papel na caminhada histórica para a construção do
país. O sonho acalentado durante os dias intermináveis do sofrimento por uma
justíssima causa foi ignorado pelo egoísmo atroz da gente de pós-independência
que não olha os meios para atingir os fins. Podia estar a contribuir para fazer
da Guiné um país de bem para todos, porque deve a sua formação ao país e não
pode furtar-se à responsabilidade e, por conseguinte, ao sacrifício daí
decorrente.
As próximas
eleições podem proporcionar boas perspectivas à Guiné no sentido de encontrar o
rumo certo para o seu desenvolvimento adiado sine die.Tudo isso irá depender
do esforço comum entre o Governo e a comunidade internacional no trabalho de
levar a cabo a organização do Estado guineense. A reestruturação das forças de
defesa e segurança deve situar-se como uma prioridade ou um simultâneo com
todos os sectores do Estado, nomeadamente a administração pública, que está sem
“rei nem roque”, a justiça completamente submersa na corrupção, deixando de
exercer o seu papel de equilíbrio na sociedade.
Ora, a actual
composição das forças armadas predominantemente tribal, e ainda influenciada
por um partido político de índole tribalista, não só cria instabilidade nos
quartéis como também no país. É urgente e necessária uma nova família castrense
em que não há a superioridade de um só grupo étnico em relação aos demais. A sua
composição deve necessariamente reflectir o mosaico étnico do país, sob pena de
um dia a Guiné vir a confrontar-se com sérios problemas de natureza tribal.
“Mais vale prevenir do que remediar”, diz o ditado popular.
Já que a comunidade
internacional parece agora ter mostrado o seu interesse em ajudar a Guiné a
sair do buraco em que se meteu desde há muito, então que a acompanhe até ao fim
da construção de um verdadeiro Estado de direito. Os guineenses, sozinhos,
serão incapazes de levar esta tarefa a bom termo. Daí que a comunidade
internacional deveria adoptar o mesmo sistema de organização do Estado de
Timor-Leste na Guiné-Bissau. Os sectores de alavancamento do Estado e da
economia nacional precisam, nesta primeira fase crucial de construção do Estado
e da economia nacional de uma forma sustentável, de gestores estrangeiros nas
finanças, na pesca, na floresta, na área energética em geral e na futura
exploração mineira/petróleo, pelo menos durante o período de cinco anos sob o
controlo conjunto entre o Governo e as Nações Unidas. Este apontar de caminho
não põe em causa a independência nacional, como alguém poderá ver nisso um
absurdo autêntico. Mas nem sempre o que parece é verdade. A concretização do
que foi dito irá proporcionar capacitação aos nacionais na melhor gestão das
coisas públicas que os guineenses precisam ainda de aprender muito. Desde a
independência a esta parte não foram capazes de produzir provas que
contrariassem a afirmação anterior.
A humildade não é a
negação da qualidade individual de um povo, mas predispõe a abertura de
espírito para a aprendizagem uns com os outros. Ninguém nasce ensinado e a
aprendizagem é um processo contínuo e só termina com o fim da vida. Na Guiné,
os gestores públicos carecem de conhecimentos necessários para o exercício das
suas funções; quando têm oportunidade de aprender mais, devem aproveitá-la para
o bem do país, mas também valorizando-se profissionalmente.
A falta de
preparação adequada para os cargos políticos na governação tem estado na origem
de conflitos de competências entre as diferentes áreas governativas. Senão
vejamos. O Governo de transição, usurpando a competência exclusiva do futuro
Governo a ser eleito, colocou-se em bicos de pés e, de uma forma atabalhoada,
foi assinar “acordos” com os chineses e os russos para a dilapidação dos
recursos naturais com enormes prejuízos para o país. Não só não foi acautelado
o impacto ambiental decorrente da desenfreada exploração da areia pesada como
também o equilíbrio do ecossistema na devastação da floresta de valor
incalculável em termos económicos, medicinais e ambientais. Como de costume, a
Guiné sai sempre prejudicada, mas as empresas contratadas e os representantes
do Governo é que ficam a ganhar neste tipo de negociatas.
Portanto,
convenhamos que a melhor ajuda da comunidade internacional, pela qual anseia o
povo da Guiné, é a paz e a estabilidade duradoira, permitindo a entrada de
investidores estrangeiros e, por consequência, também a criação de empregos.
*Dirigente da
Associação Guineense de Solidariedade Social
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