quarta-feira, 16 de abril de 2014

Brasil - PM mata 76 em janeiro e Telhada afirma: "Foi pouco. Bandido tem que ir para o saco"




Entre outros assuntos abordados na entrevista, o vereador tucano ainda criticou a Comissão da Verdade: “Temos que parar de falar nisso. Já faz 50 anos [...] Quem está interessado em lembrar-se da ditadura é quem não tem propostas para resolver os nossos milhares de problemas”

Paulo Motoryn da Revista VaiDaPé, em Brasil de Fato

No mês de janeiro de 2014, 76 pessoas foram mortas por policiais militares no Estado de São Paulo. O número é o mais alto para o mês nos últimos dez anos. Na média, mais de duas pessoas morreram por dia pelas mãos da Polícia Militar. Desde a última grande crise na segurança pública em São Paulo, em novembro de 2012, quando a corporação alcançou o número de 79 mortes, não se via um dado tão alarmante sobre a atuação da PM.

O vereador Paulo Telhada, ex-coronel da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), ocupa seu cargo na Câmara dos Vereadores há mais de um ano. Eleito com 89.053 votos, ele recebeu a Revista Vaidapé e, sobre o assunto, respondeu: “A Polícia Militar matou 76 em janeiro? Foi pouco. Quanto mais bandido for para o saco, melhor, porque é menos gente para me encher o saco”, disse. Na hora, os olhos de seu assessor de imprensa, Davi Denis Lobão, brilharam.

Davi é uma figura importante para entender a conversa com o vereador. Responsável pelo agendamento da entrevista, ele fez uma ressalva repetidas vezes: que durasse, no máximo, 30 minutos. Mas talvez nem tenha percebido que a entrevista chegou aos 50 minutos de duração. Afinal, era como se ele ouvisse um ídolo falar. Além dos olhos brilhando, a cabeça de Davi balançou em concordância com as declarações de Telhada por quase uma hora. Isso quando não interrompeu o vereador para complementar suas respostas.

Davi é primo legítimo de Telhada, algo que a legislação permite, mas que a imprensa não costuma perdoar. O parentesco entre assessor e vereador já foi pauta do site “Rede Brasil Atual”. Na reportagem, a jornalista Lúcia Rodrigues denunciava, além de parentes, a contratação de dois financiadores da campanha para o gabinete do ex-comandante da Rota, isso sim ilegal e proibido pela Justiça. A matéria foi motivo de discórdia entre a jornalista e o vereador. Resultado: no mesmo dia da publicação da reportagem, Lúcia foi demitida pelo próprio coordenador de seu veículo, Paulo Salvador.

O entrevero com a repórter não foi o único envolvendo Telhada e jornalistas. O caso que ganhou maior repercussão foi o do ex-repórter policial da “Folha de S. Paulo”, André Caramante. A matéria publicada em 14 de julho de 2012, de título “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, sobre o coronel reformado, então candidato a vereador pelo PSDB, gerou uma onda de ameaças ao repórter na internet. Ele chegou até a ser exilado fora do país por 90 dias em função das constantes perseguições.

Não muito tempo depois do caso, Caramante também foi demitido de seu jornal. “Eu nunca vi o rosto dele, como posso ter ameaçado alguém?”, perguntou Telhada à reportagem. Mesmo assim, deixou claro que houve uma grande irritação com o trabalho feito pelo jornalista: “Não tolero nenhum tipo de ofensa pessoal e o jornalista veio falar da minha vida pessoal ao entrar no meu Facebook, da minha família”, reclama.

Logo que a equipe de reportagem chegou ao gabinete do vereador, sua secretária entregou uma ficha cadastral a cada um dos jornalistas, pedindo endereço, telefone e diversos outros dados pessoais. No plano de fundo do formulário, o slogan de Telhada: “Uma nova Rota para a política de São Paulo”. Ao lado da porta, um policial militar fardado. Mais atrás, um grupo de empresários aguardava para ser atendido pelo vereador – prática comum na Câmara, nos mais variados gabinetes. Geralmente com um calhamaço de folhas grampeadas, os empresários vão de porta em porta tentando convencer vereadores sobre questões da Casa que influem em seus negócios.

Pouco depois do horário marcado para a entrevista, a reportagem entrou no gabinete. Decorado com o material da campanha eleitoral de 2012 pelo lado de fora e com quadros sobre sua trajetória pregados nas paredes internas, cada enfeite ou objeto na sala é milimetricamente calculado para casar com a lógica que Telhada assume levar na política: “Meu partido é a Polícia Militar. Eu sempre vou defender os policiais”, afirma. A defesa da corporação, portanto, começa antes mesmo do poderio parlamentar: carrinhos, bonecos, aviões e diversos outros infantis brinquedos com a temática policial são expostos com destaque em sua sala. Logo no início, brincou com o cinegrafista, que filmava um boneco de super-herói exposto sobre a mesa: “Pagou um pau (sic) para o meu Super Homem, né?”.

Não à toa, a entrevista aconteceu no dia 1º de abril de 2014. No Dia da Mentira, mesma data do cinquentenário do Golpe Militar de 1964 no Brasil, Telhada afirmou: “Não existe verdade só de um lado. A verdade tem três fases: a minha verdade, a sua verdade e a verdade verdadeira”. A partir da reflexão, criticou a Comissão da Verdade e os parlamentares que evocaram o regime militar no plenário da Câmara no último dia 1º deste mês: “Temos que parar de falar nisso. Já faz 50 anos”, reclama. “Quem está interessado em lembrar-se da ditadura é quem não tem propostas para resolver os nossos milhares de problemas”.

A primeira e inevitável pergunta sobre o posicionamento do ex-policial em relação ao Golpe de 64 foi sucedida de uma conversa em que Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, apesar de seu discurso duro, foi cordial com a reportagem, mesmo nas perguntas mais espinhosas. A única pergunta que não quis responder foi o número de pessoas que já teria matado em troca de tiros com civis. Ao ouvir a questão colocada pelo repórter, riu e comentou: “Tá querendo me pegar, né?”. Em seguida, deu sua justificativa: evocou os “pais de família e meninas que estão morrendo no trânsito” e contou sobre um velório recente de um policial de 22 anos. A insistência da reportagem por uma estimativa do número de mortos em suas mãos só tirou a seguinte palavra da boca do vereador: muitos.

“O problema é que às vezes as pessoas confundem você querer as coisas direito com ser radical. Eu sou um cara que quero cumprir a lei. Não gosto de bandido. Não gosto de bandido. Eu gosto de quem? Gosto do cidadão de bem. Eu gosto de vocês que estão trabalhando”, disse. Até mesmo depois que a reportagem passou a introduzir temas pouco simpáticos ao vereador – como a desmilitarização das polícias, a suposta ameaça ao jornalista André Caramante e o posicionamento crítico do tenente-coronel Adilson Paes de Sousa sobre os abusos policiais –, ele não se esquivou, nem das perguntas, nem de suas conhecidas opiniões.

No vídeo que acompanha a reportagem, a trilha sonora final, de uma das fortes vozes das periferias de São Paulo, os Racionais MC’s, a música “Qual mentira vou acreditar?” trata do racismo, faz referência ao dia da entrevista (1º de abril) com o vereador e, sobretudo, traz à pauta a multiplicidade dos discursos na sociedade do controle. Um deles é o de Paulo Telhada, vereador com mandato até 2017 e representante de uma visão que cativa uma parcela relevante dos paulistanos. O que nos resta é discutir sempre. Ignorar jamais.


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