Macau, China, 03
abr (Lusa) - O 25 de Abril apanhou Macau "de surpresa", com o Governo
local, a mais de dez mil quilómetros de Lisboa, a reconhecer a nova situação
política em Portugal apenas quatro dias depois do golpe.
Hoje coronel na
reserva, Manuel Geraldes era, aos 23 anos, um jovem alferes, quando na
madrugada de 25 de abril de 1974 participou na tomada dos estúdios da RTP, em
Lisboa, sob o comando do capitão Teófilo da Silva Bento.
"É quase como
se nos saísse a taluda: uma pessoa ter o privilégio de participar num
acontecimento desses", disse Manuel Geraldes à agência Lusa em Macau, onde
reside desde o final dos anos 1980.
Aquela que
"foi uma noite especial" para Manuel Geraldes terá sido um dia normal
para António Dias Azedo, então "um jovem estudante, no quinto ou sexto ano
do Liceu Nacional Infante D. Henrique" de Macau.
"Deve ter sido
o meu pai - ele era polícia - que nos disse quando voltou do serviço",
recordou António Dias Azedo, sem conseguir precisar o momento da notícia da
revolução.
Mas a sua primeira
reação foi de receio: "Falavam num golpe, numa revolução, depois é viemos
a saber que era a revolução dos cravos, com poucas mortes."
Advogado em Macau,
António Dias Azedo estava em abril de 1974, "na fase do cabelo comprido,
calças largas e rock & roll".
Já Manuel Geraldes
"andava no reviralho" desde os tempos da Academia Militar. E meses
depois de ingressar na Escola Prática de Administração Militar juntou-se ao
movimento dos Capitães. Foi aí que o então alferes tirocinante se estreou na
distribuição de panfletos e fez de "correio" no comboio de Lisboa ao
Porto, mais de uma dezena de vezes, até que as ações na clandestinidade
culminaram no golpe.
A nova situação
política de Portugal é reconhecida pelo Governo de Macau a 29 de abril de 1974,
o mesmo dia em que, segundo relata a Gazeta Macaense, o arquiteto José Maneiras
declamou a "liberdade" de Manuel Alegre na Assembleia Legislativa
onde era vogal.
"No meu país
há uma palavra proibida/ Mil vezes a prenderam mil vezes cresceu/ E pulsa em
nós como o pulsar da própria vida", bradou José Maneiras, jubiloso por o
poema conter já "verdades do passado".
Em "Macau nos
Anos da Revolução Portuguesa 1974-1979", Garcia Leandro escreve que a
Revolução dos Cravos apanha Macau de surpresa e deixa uma população portuguesa
- europeia e macaense - dividida.
"Os mais
velhos, com maiores responsabilidades e interesses locais, sentiram-se quase
perdidos, levantando muitas interrogações quanto ao futuro. Os mais novos
aderiram rapidamente à revolução", sustenta aquele que viria a ser o
primeiro governador de Macau no pós-revolução, sucedendo a Nobre de Carvalho.
No seu livro,
Garcia Leandro recorda a nova realidade de Macau com o fim da censura nos
jornais em língua portuguesa - a chinesa nunca terá estado sob o lápis azul,
segundo o autor - e a formação de movimentos associativos ligados a partidos
políticos em Portugal.
Mas para estudantes
como António Dias Azedo, a Revolução dos Cravos trouxe o fim das "paradas
enfadonhas" da Mocidade Portuguesa e mais alunos de Portugal para os
bancos das escolas de Macau, com mais liberdade "no vestir, no estar e no
pensar".
"Os rapazes
começaram a fumar mais e as meninas subiram um bocado as saias. As festas
duravam até à meia-noite. O pessoal e os professores começaram a ter mais
barba, mais bigode, mais cabelo, não é?", atirou, entre risos.
No 25 de Abril,
António Dias Azedo tinha 16 anos, os mesmos com que Manuel Geraldes assistiu,
pela televisão, a comemorações do Estado Novo, realizadas em Braga, sem saber
que viria a participar na viragem do regime quase uma década depois.
"Eram umas
comemorações de uma formalidade tremenda, e de pessoas velhas, mas hoje, ver a
juventude participar espontaneamente nas celebrações do 25 de Abril? De facto,
não pode haver melhor para nos sentirmos felizes e compensados por algum risco
da nossa participação na revolução", afirmou Manuel Geraldes.
"Valeu a pena,
sem dúvida", rematou.
FV // NS/PJA - Lusa
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