segunda-feira, 26 de maio de 2014

Médio Oriente, Petróleo, Armamento e as monarquias do tratado de Quincy



Martinho Júnior, Luanda

1 – Se há, no momento da viragem entre as opções da hegemonia unipolar para um universo humano multipolar, uma região repleta de perigos, essa região é a que se convencionou chamar de Médio Oriente, (Ásia do Sudoeste).

De facto os perigos ali estão em concentrado: sua intensidade é enorme e impactam numa área mais restrita que a área com riscos em África, onde eles estão muito mais diluídos, são mais difusos, de muito menor custo (tendo em conta a tipologia das intervenções) e nem por isso deixam de causar ainda mais vítimas.

Além do mais uma grande parte dos conflitos contemporâneos em África têm origem no Médio Oriente, onde as monarquias sunitas arábicas impulsionam as redes radicais islâmicas e, sem qualquer pinta de respeito, disseminam-nas não só em direcção à Síria, ao Iraque, ao Líbano ou ao Iémen, mas também em direcção ao Egipto, à Líbia, à Somália, ao Quénia, ao Mali, à Nigéria e a outros que mais adiante se verá em África…

Essa disseminação integra a panóplia de meios instrumentalizados pelo império: com baixo custo o império desestabiliza, para depois pegar nas suas próprias forças armadas e ir para África “apagar a fogueira do terrorismo”, subalternizando a esse tipo de projectos as forças armadas dos países africanos!

… Se há hoje riscos em Angola do sangue voltar a jorrar, é do Médio Oriente que eles nos chegam, pelo menos em termos financeiros, sob impulso do império!...

2 – Como o mapa nos ilustra de forma tão eloquente, é no Oriente Médio onde se concentra a produção mais barata de petróleo e de gás, que são extraídos quase ao nível do solo, um solo arenoso e de relativamente fácil perfuração!

Por dentro do continente e no mar se concentram também algumas das vias e rotas de transporte mais estratégicas e por isso ali estão as duas presenças a que me refiro:

- Uma (a da hegemonia unipolar do império anglo-saxónico), a que se relaciona com as monarquias arábicas feudais desde a década de 20 do século passado (impactos maiores no Médio Oriente, a sul)!

- A outra (a da emergência multipolar) sobretudo impulsionada pela Rússia e pelo Irão (mas também com a presença da China no mar), muito mais “fresca” que a anterior (impactos maiores na Ásia Central, a norte)!

Esse quadro esbate-se em África, onde não é tão impressivo, nem tão evidente… até por que em relação ao petróleo e ao gás, a quantidade é menor e os custos de produção são consideravelmente mais elevados…

Por razões físico-geográficas, históricas, económicas e financeiras, a intensidade dos riscos tornou-se muito elevado no Médio Oriente, em relação a outras regiões do globo e uma dessas razões pode-se hoje ter como determinante: é ali que estão alguns dos maiores compradores de armas do planeta e algumas das forças militares convencionais mais poderosas da Terra!

Israel, Arábia Saudita, a Síria, o Irão, são alguns dos maiores compradores de armas, década após década, numa tendência que remonta ao antecedente do Tratado de Quincy, no final da IIª Guerra Mundial, quando o Presidente Roosevelt, a caminho de Ialta, se encontrou com o monarca saudita Ibn Saud, a “casa de Saud”!

A troco de manter as prerrogativas dos seus mais importantes consórcios no acesso ao petróleo, os Estados Unidos passaram a garantir a segurança das monarquias arábicas e por isso não foi difícil à CIA, quando os soviéticos estavam no Afeganistão no período final da Guerra Fria, recrutar Bin Laden e instrumentalizar a Al Qaeda!...

3 - … E são insurgentes, uma parte deles ligados à Al Qaeda e todos eles armados pelos aliados arábicos e por alguns dos componentes da NATO com os próprios Estados Unidos à cabeça, que espalham o terror do Cáucaso ao Iémen, passando pelo Iraque, pela Síria e pelo Líbano, utilizando trampolins como a Turquia, a Jordânia e sobretudo a Arábia Saudita, o Catar, os Emiratos Árabes, o Bahrein!...

… Enquanto a emergência expande seus oleodutos no continente Euroasiático com a Rússia à cabeça, ao mesmo tempo que procura neutralizar o terrorismo islâmico no Cáucaso e na Síria.

As linhas da hegemonia unipolar mesmo assim estão debaixo de compressão geo estratégica no Médio Oriente e começaram a sofrer vários reveses.

Os Estados Unidos estão-se a retirar do Iraque e do Afeganistão, deixando neste último a pior das manchas que o mapa aliás indica em cores vivas: um país cuja principal exportação (para a União Europeia como para os próprios Estados Unidos) é o ópio!

O Afeganistão passou a ser, segundo o Wikileaks, o país vigiado a 100% pelos meios electrónicos do império e o ópio tem também que ver com isso!

O império conseguiu que sua voracidade financeira, em função dos interesses criminosos da aristocracia financeira mundial, investisse no petróleo, no gás, no armamento e… no ópio!

4 – A dialéctica entre o mundo obsoleto protagonizado pelo império e seus aliados e a vontade emergente, é muito forte nesta região tão crítica, sob os pontos de vista geo estratégico e geo político do Médio Oriente.

As velhas instituições internacionais não estão a conseguir encontrar capacidades para o diálogo, para a procura de consensos e até para uma trégua, ou um simples cessar-fogo que dure algumas horas, ou uns dias!

Por isso torna-se bem claro com este exemplo, que novas instituições internacionais têm de ser criadas, por que é impossível ressuscitar o que é obsoleto e foi imposto a muitos pelo império que se exerce com hegemonia unipolar e recurso ao fundamentalismo islâmico, ao fascismo, aos nazis e a todos aqueles que sustentam a ditadura do capital!

Enquanto a Arábia Saudita se mantiver sem alterações profundas em termos de sua própria sociedade, o império, ainda que com o enfraquecimento do “padrão” petro-dólar, recorre a um manancial maquiavélico para garantir manipulação, ingerência e guerra!

Grande parte dos países da região poder-se-ão fraccionar, a Turquia incluída, em especial se houver um agravamento das tensões internas nas monarquias arábicas.

Alguns sinais disso já começaram a aparecer, entre eles uma deriva nos relacionamentos internacionais da Arábia Saudita que começou há muito pouco tempo e ainda não teve a maturidade suficiente…

Durante muito tempo as tensões fulcrais entre os dois campos vão aqui subsistir!

Mapa do Médio Oriente: um mar de petróleo e o ópio exportado pelo Afeganistão, numa região que é uma das maiores compradoras de armamento e possuem alguns dos mais poderosos exércitos convencionais do globo!

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