quinta-feira, 5 de junho de 2014

Portugal: GOVERNO FORA DA LEI!



Paula Santos – Expresso, ontem

Na passada sexta-feira o país tomou conhecimento da declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional de três normas do Orçamento de Estado para 2014, a saber, o corte nos salários dos trabalhadores da administração pública, o corte de 6% no subsídio de desemprego e 5% no subsídio de doença e o corte nas pensões de sobrevivência.

1. Vamos aos factos - durante o período de governação do atual Governo, suportado pelo PSD e CDS-PP, nunca houve um orçamento de estado constitucional, ou dito de outra forma, todos os orçamentos de estado propostos pelo Governo e aprovados pela maioria PSD/CDS-PP continham normas inconstitucionais.

Portanto, a questão da legitimidade deste Governo volta a colocar-se. confirma-se que este Governo, que já não tinha legitimidade para continuar em funções porque a maioria na Assembleia da República não corresponde à vontade expressa pelo povo nas eleições para o Parlamento Europeu, não tem ainda legitimidade porque pretende continuar a governar à margem da Constituição da República Portuguesa.

Se há um aspeto que caracteriza a governação de PSD e CDS-PP é o constante desrespeito e violação da lei mãe - a Constituição da República Portuguesa.

2. Perante esta decisão do Tribunal Constitucional, em vez de a respeitar e se preparar para a cumprir, o Governo anda mais preocupado em sacudir as suas responsabilidades para o Tribunal Constitucional. As declarações públicas de membros do Governo, de dirigentes do PSD e do CDS são exemplo da tentativa de responsabilizar o Tribunal Constitucional pelas medidas inconstitucionais aprovadas exatamente por PSD e CDS-PP. Mas de quem é a responsabilidade da inconstitucionalidade das normas? O Governo e o PSD e o CDS que as propuseram e aprovaram, ou o Tribunal Constitucional que simplesmente analisou a sua conformidade com os princípios constitucionais?

E quem tem de corrigir o erro é quem o cometeu, o Governo, o PSD e o CDS-PP e não o Tribunal Constitucional.

Aliás, o próprio Primeiro-Ministro deu-se ao desplante de chantagear o Tribunal Constitucional com as consequências da sua decisão, dias antes de a conhecer, procurando condicioná-la, "esquecendo-se" de uma questão central, já uma vez bem frisada pelo próprio Tribunal Constitucional - são as leis da república que se têm de submeter à Constituição e não é a Constituição que tem de se submeter às leis.

Tais atitudes e afirmações responsabilizam quem as proferiu, mas evidenciam bem o desprezo e a desconsideração do Governo, do PSD e do CDS-PP pelas instituições democráticas e constitucionais.

3. O país tomou ontem conhecimento de que o Primeiro-Ministro dirigiu um pedido à Presidente da Assembleia da República para que peça esclarecimentos adicionais ao Tribunal Constitucional sobre a decisão proferida. Mas alguém acredita que Passos Coelho tenha efetivamente dúvidas sobre o conteúdo da decisão? O que estará por detrás deste pedido? Parece cada vez mais claro que o objetivo do Governo é não dar cumprimento à decisão tomada pelo Tribunal Constitucional. Tudo indicia que o Governo se prepara para encontrar pretextos para o fazer, pretendendo até instrumentalizar a Assembleia da República para prosseguir o confronto com o Tribunal Constitucional.

4. E diante de mais uma declaração de inconstitucionalidade o que pretende o Presidente da República fazer para garantir o normal funcionamento das instituições democráticas. Há muito que o seu funcionamento foi colocado em causa.

O Presidente da República fez um juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa. Então porque não demite o Governo, fora da lei, dissolve a Assembleia da República e convoca eleições legislativas antecipadas? É isto que se exige do Presidente da República.

5. A solução face à inconstitucionalidade de três normas do Tribunal Constitucional não pode passar por uma fuga para a frente deste Governo, insistindo com medidas que afetam os mesmos de sempre, aqueles a quem foram exigidos pesados sacrifícios, particularmente, os trabalhadores, os reformados e os jovens.

Durante o período de vigência do dito "memorando de entendimento" das troicas, o Governo foi implacável para quem vive do seu trabalho, mas um cordeirinho para os que acumularam riqueza, à custa da exploração e do empobrecimento do povo.

Da aplicação das medidas que constavam do memorando resultaram mais 670 mil desempregados, 470 mil empregos destruídos, 600 mil portugueses atirados na pobreza (atingindo cerca de três milhões de portugueses no total), mais de 200 mil portugueses obrigados a emigrar e quase 100 mil empresas liquidadas.

O povo português foi muito claro nas últimas eleições - rejeitou a política de favorecimento dos grupos económicos e financeiros, de empobrecimento e exploração e de retirada de direitos e reclamou uma profunda alteração de política, por uma política que sirva os interesses do povo e do país.

É a essa expressão de vontade que tem de corresponder um novo Governo.

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