Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
1 Antes
de mais: o Banco de Portugal prometeu que não deixaria falir o BES - fosse qual
fosse o prejuízo. O banco será intervencionado pelo Estado ou vendido, mas é
demasiado importante para fechar. Numa expressão famosa, "too big to
fail". E esta é a salvação dos depositantes e trabalhadores. Posto isto, o
problema GES é colossal. A estrutura do Grupo Espírito Santo cruzou negócios e
escondeu dívidas tão bem, e por tantos países e off-shores, que não houve
bancos de Portugal, do Luxemburgo ou da Suíça capazes de desemaranhar tanta
"engenharia financeira". Um BPN em ponto grande. O resultado está à
vista no BES: são precisos mais de três mil milhões de euros para limpar a casa
- fora os milhões de milhões de buracos noutras praças financeiras com que Ricardo
Salgado vai ter que se entreter. É que os tribunais, lá fora, não funcionam à
"velocidade BPN". E se o que Salgado cometeu não é crime financeiro,
o que será crime?
2 Vejamos
a situação à lupa. Percebe-se agora muito bem o esforço titânico do presidente
do BES para não pedir ajuda ao fundos da troika. Imagine-se o que seria alguém
entrar para dentro da administração do BES e impedir criminosos empacotamentos
de dívida decididos pela administração de forma a que o mais simplório cliente
do balcão comprasse papel comercial BES - sempre com o embrulho da santidade e
solidez da marca (embora, por dentro, estivesse o financiamento para sociedades
falidas como a Rioforte ou a Espírito Santo Investimento). Qualquer novo
administrador fora da quadrilha que dirigia o BES não ficaria em silêncio
perante uma decisão da CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) de
impedir a venda, por exemplo, de papel comercial em subscrição pública, e
depois o tio Ricardo contornar o regulador (dividindo os lotes abaixo dos 150
subscritores para que a operação fosse privada), deixando a CMVM de mãos
atadas...
É
neste ponto que Salgado se equipara ao americano Bernard Madoff, que depois de
perder biliões de dólares e perceber que o buraco não tinha fundo, continuou a
receber depósitos para que os que chegavam pagassem aos que iam saindo sem
nunca chegar a ver o momento em que o dinheiro não chegava. Mas esse dia chega
sempre. E as operações que agora o "novo BES" avalia em perdas de
três mil milhões de euros são fruto deste crime, agora totalmente à vista.
Esqueçam
se Salgado era ou não o nosso último pirata desde a saga dos Descobrimentos, um
especialista em off-shores ou então essencialmente um perverso lobista que
levou muitos políticos a adjudicar obras públicas que demoraremos décadas a
pagar. Isso é o passado - uns calaram, outros aproveitaram, outros não. Mas a
operação Monte Branco é o menor dos males para o DDT ("Dono Disto Tudo"),
é coisa de caução e décadas para a justiça portuguesa. Quando aparecerem os
"chuis" da Bolsa de Nova Iorque, é que vamos ver.
3 Repare-se
nesta pérola: o Banco de Portugal e a CMVM obrigam o banco a fazer uma provisão
de 700 milhões para assegurar o pagamento de papel comercial que ilegitimamente
o BES colocou através do balcão. O que fez o líder de uma casa respeitada há
150 anos? Dá a Tranquilidade como penhor - que, na altura, se dizia já valer
apenas 300 milhões (erro de quem aceitou...). Mas pior: fez a Tranquilidade
subscrever 150 milhões de euros de papel comercial da sua marca mais falida, a
Rioforte. Resultado: agora que é preciso vender a Tranquilidade para pagar aos
aforradores, ela não vale quase nada. Em termos líquidos, dos 700 milhões de
garantias, restam 50... Bom, e ainda há quem ache que se está a bater em Ricardo Salgado
por ele estar na mó de baixo. Esta tese não resiste a um dos mil factos todos
os dias a surgirem na praça pública.
Na foto: Ricardo Salgado (BES), Carlos Costa (governador do Banco de Portugal)
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