segunda-feira, 7 de julho de 2014

Portugal: UMA HISTÓRIA EXEMPLAR



Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

A triste novela de um grupo económico que vive, claramente, muito acima das suas possibilidades tem revelado muitos aspetos semiescondidos da nossa comunidade e algumas das razões do nosso atávico atraso.

O episódio que envolve o Grupo Espírito Santo e a PT é absolutamente exemplar. Nele, a empresa de telecomunicações empresta dinheiro a uma companhia propriedade de um seu acionista ou, com resultados idênticos, investe, a curtíssimo prazo, num conglomerado de empresas com interesses na agropecuária, turismo e afins.

A simples enunciação do negócio - um empréstimo direto ou indireto a um acionista - já é, para usar simpatiquíssimas palavras, de um comportamento ético-empresarial muito duvidoso. Juntemos agora o facto de a PT ter aplicado um montante, 897 milhões de euros, que está muito próximo de metade da sua capitalização bolsista e que representa aproximadamente os seus lucros de três anos, numa única empresa... Espantosamente, uma decisão desta importância é tomada sem ir a discussão no conselho de administração e, mais tarde, é dito que seria uma medida de gestão corrente. Agora, recordemos ser do conhecimento geral que a empresa onde a PT colocou o dinheiro, a Rio- forte, está, para todos os efeitos, praticamente falida - aliás, pelas últimas notícias, a PT já se está a preparar para o calote.

Consequências diretas: as ações da PT caíram vertiginosamente - uma aplicação destas, mesmo numa empresa com uma saúde de ferro, seria sempre considerado pelo mercado como um ato de gestão incompreensível - e a fusão em curso com a Oi brasileira posta em causa ou, no mínimo, ficará um negócio muito pior para os acionistas da PT.

Temos então um presidente do conselho de administração e um administrador que praticam um ato de gestão, a todos os títulos, incompetente e altamente lesivo para os acionistas. O que os levaria a cometer semelhante monstruosidade? Não vale a pena tentar encontrar qualquer racionalidade de gestão: estamos na presença de um comportamento eticamente deplorável, perante uma daquelas trocas de favores que não constituem ilícito penal, mas que fazem abanar pilares da comunidade e a confiança dos cidadãos em regras que se dão como adquiridas mais do que muitos crimes.

Henrique Granadeiro e Pacheco de Melo são gestores experientes e vistos como competentes, em caso algum poderiam praticar um ato de gestão como aquele convencidos de que estavam a tomar a atitude certa para a empresa que gerem.

Digamos que esses gestores estariam a ajudar um amigo, que é também acionista da empresa que gerem. Um acionista que, muito provavelmente, os indicou para os cargos que agora ocupam. Talvez, num momento de necessidade, estes gestores possam ser ajudados pelo acionista; talvez, até, já tenham sido ajudados; talvez todos tenham sido ajudados por outros senhores que os ajudarão no momento apropriado.

O facto é que olhamos para muitos dos grupos económicos portugueses, sobretudo os que mais relações têm com o Estado, e vemos um conjunto de pessoas que vão circulando de empresa em empresa e do Estado para as empresas. Não se pede competência, ou melhor, a competência é secundária, o que conta é saber que se pode contar com os amigos quando necessário. Se a coisa correr mal, um amigo encarregar-se-á da colocação noutra empresa ou, se for caso disso, numa secretaria de Estado ou numa empresa pública. E os favores pagam-se sempre.

A perceção de que a competência não é, nas empresas e no Estado, o principal requisito para atingir os melhores salários, os mais elevados cargos, é especialmente danosa para a comunidade. A ideia de que é mais importante ter uns amigos com quem se trocam favores do que trabalhar arduamente é potencialmente destruidora dos mais sagrados valores da vida em sociedade, da mais básica e mínima noção de igualdade de oportunidades. A noção de que uns senhores que aparecem como muito sabedores, muito capazes de dizer o que é melhor para nós, que são apresentados como a nossa elite, fogem ao pagamento de impostos, aldrabam contas de empresas, não hesitam em cometer atos de gestão vergonhosos para ajudar amigos, é potencialmente desagregadora da comunidade porque destrói os laços de confiança entre cidadãos.

O estertor do Grupo Espírito Santo está a exibir, para quem ignorava, muitos dos males da nossa comunidade. A questão é se se vai conseguir realmente mudar alguma coisa ou se se vai mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.

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