sexta-feira, 29 de agosto de 2014

"Atribulações" políticas são "naturais" - reconhecem diplomatas, sobre Timor-Leste




Lisboa, 29 ago (Lusa) -- As "atribulações" políticas em Timor-Leste são "naturais", num país que decidiu ser independente há 15 anos, através de um referendo, e que, durante a ocupação indonésia, apresentava uma situação de "subdesenvolvimento económico", destacam dois diplomatas.

A 30 de agosto de 1999, mais de 98 por cento dos timorenses votaram na consulta -- termo imposto pela Indonésia, potência ocupante -- sobre o estatuto de Timor-Leste. O resultado em massa a favor de um futuro Estado independente abriu caminho à independência do território, a 20 de maio de 2002.

"Timor tinha todas as condições para ser um Estado viável e decentemente governado", constata a eurodeputada Ana Gomes, na altura chefe da Secção de Interesses Portugueses em Jacarta, capital indonésia.

Quinze anos passados sobre o referendo, a diplomata acredita que "estava certa" no "otimismo" quanto ao futuro de Timor-Leste.

"Em 2000, havia um médico timorense, hoje há centenas", compara, elogiando "a aposta estratégica" na educação e qualificação dos timorenses, que, mais do que o gás e o petróleo, são "o recurso fundamental" do país.

A criação do Fundo do Petróleo também revelou "noção de que o dinheiro do petróleo não pode ser gasto à toa, tem de ser gerido e investido", uma opção "inteligente, que diferencia Timor de outros casos", avalia.

"Só a independência permitiu que Timor pudesse sair de um estádio de grande subdesenvolvimento económico", corrobora o embaixador José Júlio Pereira Gomes, chefe da Missão de Observação Oficial Portuguesa ao referendo de 30 de agosto.

Em 1999, Timor "não tinha nada, era um país em guerra há 20 e tal anos" e "o pouco investimento que havia era indonésio e ao serviço dos indonésios", recorda.

Desde então, "Timor tem estado a progredir no plano do desenvolvimento económico", acredita o atual embaixador de Portugal na República Checa, reconhecendo que a evolução "vai demorar ainda algum tempo".

Ana Gomes considera "normal" que nem tudo seja um mar de rosas num país que partiu de "um nível de destruição inacreditável" para a independência, há pouco mais de uma década.

"É evidente que o processo de ganhar capacidades de governação ia ser lento e atribulado", frisa, antecipando "mais atribulações" no futuro. "O que era Portugal quando tinha 15 anos de independência?", questiona. "Não acho que essas atribulações não sejam naturais, fazem parte do processo de crescimento", diz.

Pereira Gomes recorda ter ficado impressionado, em 1999, com "a total falta de condições de segurança" para a realização do referendo, mas também com "a determinação dos timorenses" em nele participar, correndo "enormes riscos".

Sacrifício e pragmatismo são as qualidades dos timorenses destacadas por Ana Gomes, que lembra o referendo como um momento"extraordinário".

Portugal revelou "grande capacidade de intervenção" e "mobilização internacional" e soube "ler corretamente a situação na Indonésia, porque era uma janela de oportunidade que dificilmente se voltaria a repetir", destaca, frisando que foi igualmente "essencial a articulação" com a resistência timorense.

Quinze anos volvidos sobre o referendo, Indonésia e Timor estão "a escrever novos capítulos" nas relações bilaterais, disse recentemente o chefe da diplomacia timorense, José Luís Guterres.

"É normal, natural e desejável que Timor e Indonésia se aproximem. É mesmo uma questão essencial para a segurança e o desenvolvimento de Timor", destaca Ana Gomes.

A aproximação entre os dois países "começou quase imediatamente" após o referendo de 1999, recorda Pereira Gomes. Apesar da "herança" de violência, "a liderança timorense percebeu que o que importava a Timor era olhar para o futuro" e manter relações de cooperação com os vizinhos.

"Amiga de Timor", Ana Gomes não deixa de ser "crítica", por exemplo em relação ao posicionamento do país face à entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

"O trajeto de sofrimento e de evolução política de Timor não é compaginado com a tolerância e a legitimação da ditadura de [Teodoro] Obiang [presidente da Guiné Equatorial]", denuncia.

SBR // EL - Lusa

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