Lisboa,
29 ago (Lusa) -- As "atribulações" políticas em Timor-Leste são
"naturais", num país que decidiu ser independente há 15 anos, através
de um referendo, e que, durante a ocupação indonésia, apresentava uma situação
de "subdesenvolvimento económico", destacam dois diplomatas.
A
30 de agosto de 1999, mais de 98 por cento dos timorenses votaram na consulta
-- termo imposto pela Indonésia, potência ocupante -- sobre o estatuto de
Timor-Leste. O resultado em massa a favor de um futuro Estado independente
abriu caminho à independência do território, a 20 de maio de 2002.
"Timor
tinha todas as condições para ser um Estado viável e decentemente governado",
constata a eurodeputada Ana Gomes, na altura chefe da Secção de Interesses
Portugueses em Jacarta, capital indonésia.
Quinze
anos passados sobre o referendo, a diplomata acredita que "estava
certa" no "otimismo" quanto ao futuro de Timor-Leste.
"Em
2000, havia um médico timorense, hoje há centenas", compara, elogiando
"a aposta estratégica" na educação e qualificação dos timorenses,
que, mais do que o gás e o petróleo, são "o recurso fundamental" do
país.
A
criação do Fundo do Petróleo também revelou "noção de que o dinheiro do
petróleo não pode ser gasto à toa, tem de ser gerido e investido", uma
opção "inteligente, que diferencia Timor de outros casos", avalia.
"Só
a independência permitiu que Timor pudesse sair de um estádio de grande
subdesenvolvimento económico", corrobora o embaixador José Júlio Pereira
Gomes, chefe da Missão de Observação Oficial Portuguesa ao referendo de 30 de
agosto.
Em
1999, Timor "não tinha nada, era um país em guerra há 20 e tal anos"
e "o pouco investimento que havia era indonésio e ao serviço dos
indonésios", recorda.
Desde
então, "Timor tem estado a progredir no plano do desenvolvimento
económico", acredita o atual embaixador de Portugal na República Checa,
reconhecendo que a evolução "vai demorar ainda algum tempo".
Ana
Gomes considera "normal" que nem tudo seja um mar de rosas num país
que partiu de "um nível de destruição inacreditável" para a
independência, há pouco mais de uma década.
"É
evidente que o processo de ganhar capacidades de governação ia ser lento e atribulado",
frisa, antecipando "mais atribulações" no futuro. "O que era
Portugal quando tinha 15 anos de independência?", questiona. "Não
acho que essas atribulações não sejam naturais, fazem parte do processo de
crescimento", diz.
Pereira
Gomes recorda ter ficado impressionado, em 1999, com "a total falta de
condições de segurança" para a realização do referendo, mas também com
"a determinação dos timorenses" em nele participar, correndo
"enormes riscos".
Sacrifício
e pragmatismo são as qualidades dos timorenses destacadas por Ana Gomes, que
lembra o referendo como um momento"extraordinário".
Portugal
revelou "grande capacidade de intervenção" e "mobilização
internacional" e soube "ler corretamente a situação na Indonésia,
porque era uma janela de oportunidade que dificilmente se voltaria a
repetir", destaca, frisando que foi igualmente "essencial a
articulação" com a resistência timorense.
Quinze
anos volvidos sobre o referendo, Indonésia e Timor estão "a escrever novos
capítulos" nas relações bilaterais, disse recentemente o chefe da
diplomacia timorense, José Luís Guterres.
"É
normal, natural e desejável que Timor e Indonésia se aproximem. É mesmo uma
questão essencial para a segurança e o desenvolvimento de Timor", destaca
Ana Gomes.
A
aproximação entre os dois países "começou quase imediatamente" após o
referendo de 1999, recorda Pereira Gomes. Apesar da "herança" de
violência, "a liderança timorense percebeu que o que importava a Timor era
olhar para o futuro" e manter relações de cooperação com os vizinhos.
"Amiga
de Timor", Ana Gomes não deixa de ser "crítica", por exemplo em
relação ao posicionamento do país face à entrada da Guiné Equatorial na
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
"O
trajeto de sofrimento e de evolução política de Timor não é compaginado com a
tolerância e a legitimação da ditadura de [Teodoro] Obiang [presidente da Guiné
Equatorial]", denuncia.
SBR
// EL - Lusa
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