domingo, 10 de agosto de 2014

Guerra Financeira: O FMI EMPURRA A UCRÂNIA PARA UM “SUICÍDIO VOLUNTÁRIO”



Michael Hudson

O apoio do Ocidente permitirá mais empréstimos do FMI e da Europa para sustentar a divisa ucraniana para que os oligarcas ucranianos possam movimentar o seu dinheiro com segurança para os bancos britânicos e americanos, afirmou o economista e escritor Michael Hudson.

RT: Pode resumir-nos os passos tentados e testados que vão fazer com que os empréstimos do FMI aos melhores ativos da Ucrânia acabem nas mãos privadas do Ocidente – o papel 'knee-breaker' do FMI como o descreveu de forma magistral?

Michael Hudson: O princípio básico a ter em consideração é que a finança hoje é uma guerra, sem meios militares [NR] . O objetivo de endividar um país é obter os seus excedentes económicos, acabar com o seu património. A principal propriedade a obter é a que possa ser exportada e possa gerar divisas estrangeiras. Para a Ucrânia, isso significa sobretudo as manufaturas de leste e as empresas mineiras, que atualmente estão nas mãos dos oligarcas. Para os investidores estrangeiros, o problema é como transferir esses ativos e as suas receitas para mãos estrangeiras – numa economia em que os pagamentos internacionais estão em défice crónico em consequência da reestruturação falhada pós-1991. É aí que entra o FMI.

O FMI não foi criado para financiar défices orçamentais internos de governos. Os seus empréstimos destinam-se a pagar a credores externos, sobretudo para manter uma taxa de câmbio de um país. O efeito, normalmente, é subsidiar a fuga de capitais do país – a uma taxa alta de câmbio em vez de os depositantes e credores receberem menos dólares ou euros. No caso da Ucrânia, os credores externos incluirão a Gazprom, que já tem recebido algum pagamento. O FMI transfere um crédito para a sua " conta da Ucrânia ", que depois paga aos credores externos. Na verdade, o dinheiro nunca chega à Ucrânia ou aos outros países a quem o FMI faz empréstimos. É pago às contas dos estrangeiros, incluindo governos credores estrangeiros, como acontece com os empréstimos do FMI à Grécia. Esses empréstimos são acompanhados de " condicionalismos " que impõem a austeridade. Por sua vez, isso empurra a economia ainda mais para o endividamento – forçando o governo a apertar ainda mais o orçamento, a gerir défices orçamentais cada vez mais apertados e a vender ativos públicos.

RT: A Ucrânia poderá esperar o chamado "efeito FMI" da emigração de 1 em cada 5 pessoas da população empobrecida para trabalhar no estrangeiro? Que consequências é que isso pode ter num país que perde os seus cérebros mais brilhantes?

MH: A Ucrânia já obtém em remessas de emigrantes no estrangeiro cerca de 4% do seu PIB (cerca de 10 mil milhões de dólares por ano). A maior parte deste dinheiro provém da Rússia, o restante da Europa Ocidental. O efeito dos planos de austeridade do FMI é fazer com que mais ucranianos emigrem à procura de trabalho. Estes enviam parte dos seus ganhos para as famílias, fortalecendo a divisa ucraniana vis-à-vis o rublo e o euro.

RT: Como é que os instrumentos do FMI são de facto "armas de destruição maciça", como lhes chamou?

MH : Os défices orçamentais mais baixos provocam uma austeridade e um desemprego ainda mais profundos. O resultado é uma espiral económica descendente. Receitas mais baixas significam receitas fiscais mais baixas. Por isso exige-se que os governos equilibrem os seus orçamentos vendendo ativos públicos – principalmente os monopólios naturais cujos compradores podem fazer subir os preços para extraírem rendas económicas. O efeito é transformar a economia numa "economia de portagens" rentável. Até aqui as vias públicas livres têm sido transformadas em vias com portagens, e outros sistemas de transporte, de abastecimento de água e de saneamento também têm sido privatizados. Isso faz subir o custo de vida, e portanto o custo do trabalho – enquanto os níveis gerais de salários são comprimidos pela austeridade financeira que encolhe os mercados e faz aumentar o desemprego.

RT: O FMI talvez seja também uma arma de destruição maciça num sentido mais literal. A organização ameaçou e chantageou publicamente a Ucrânia que "redesenhará" o seu pacote de ajuda se Kiev não entrar em guerra com os ucranianos de leste do país e não os impedir de protestarem. Isto não o torna num cúmplice verdadeiramente criminoso ou num instigador da guerra e do assassínio?

MH : O "condicionalismo" do FMI é que "pacifica" o leste. A pacificação pode ocorrer violentamente na retórica orwelliana de hoje. A única forma de se poder alcançar atualmente a paz política e económica é através da federalização livre da Ucrânia, tornar todas as regiões independentes dos cleptocratas de Kiev, que são nomeados principalmente pelo Ocidente.

Quanto às acusações de criminalidade, isso depende sempre de quem é o acusador e de qual é o tribunal! Ainda nenhum país processou o FMI. A única coisa que os eleitores podem fazer é rejeitar governos que se submetam aos condicionalismos do FMI. Muitos eleitores que possam, vão " votar com os pés " e pura e simplesmente abandonarão a economia a afundar-se. Portanto, a defesa do FMI é que a Ucrânia e outros clientes seus estão a suicidar-se voluntariamente em vez de estarem a ser assassinados. A austeridade acaba por ser uma política – ninguém está a apontar uma pistola à cabeça deles, exceto quando os líderes políticos são assassinados, como no Chile em 1974, com o governo dos EUA por trás de Pinochet. Neste sentido, a Ucrânia hoje é uma repetição do Chile de há quarenta anos.

RT: Todos conhecem os efeitos da austeridade na Grécia e noutros locais; as sondagens mostram que a maioria dos ucranianos não a quer; até o próprio FMI reconhece agora que a austeridade não funciona. Porque é que os líderes da Ucrânia permitem que ela ocorra, têm a garantia de um emprego confortável no Ocidente quando forem corridos, ou qualquer coisa semelhante?

MH : Os líderes da Ucrânia são sobretudo cleptocratas. O seu objetivo não é ajudar o país, mas ajudar a consolidar o seu poder. George Soros escreveu que a melhor forma de fazer isso é arranjar parceiros ocidentais. Isso permitirá que os EUA e a Europa ajudem os cleptocratas a reforçar o seu poder sobre a economia. O apoio ocidental proporcionará mais empréstimos do FMI e da Europa para apoiar a divisa a fim de que os oligarcas ucranianos possam movimentar o seu dinheiro com segurança para o Ocidente, para os bancos britânicos e americanos.

RT: Acha que a UE não é suficientemente estúpida para fazer da Ucrânia um membro de pleno direito e portanto, ao abrigo do acordo de associação unilateral, os estados membros vão apenas apoderar-se dos melhores ativos do país e utilizar os seus trabalhadores quase como trabalho escravo, com salários mínimos de 91 cêntimos de dólar por hora na Ucrânia?

MH: A UE dificilmente pode aceitar a Ucrânia como membro. Uma das razões é que uma política fundamental subjacente à criação francesa e alemã do Mercado Comum inicial em 1957 foi a Política Agrícola Comum (PAC). A Ucrânia tem terras ricas no ocidente e essa parte do país ainda é profundamente rural. Os investidores estrangeiros gostariam de as comprar e " re-feudalizá-las ", criando grandes explorações agrícolas industriais. Mas a UE dificilmente fornecerá os subsídios para financiamento da mecanização e investimento de capital na agricultura europeia ocidental.

A UE não precisa de integrar formalmente a Ucrânia para beneficiar da sua força de trabalho barata. Basta destroçar a economia ao estilo grego ou ao estilo irlandês ou ao estilo letão, para enviar os seus trabalhadores para o Ocidente. E os mais móveis, habitualmente, são os jovens mais bem preparados por volta dos 20 anos, capazes de falar línguas estrangeiras e com aptidões necessárias no Ocidente.

RT: Assinalou que a Ucrânia "devia ter perguntado primeiro aos EUA" antes de ter feito ir pelos ares aquele gasoduto. Acha que a NATO apoiará tudo, até o terrorismo, para tornar o gás russo menos fiável, principalmente quando os gigantes americanos estão atualmente a travar uma enorme campanha de propaganda na Europa?

MH: Os EUA pressionaram a Europa para tornarem a sua economia muito mais custosa e confiarem nas exportações de gás americanas a fim de privar a Rússia de divisas estrangeiras. A lógica da NATO é essencialmente aquela que o primeiro-ministro Aeseniy Yatsenyuk publicou no "Tweeter" no da 16 de junho: a Ucrânia "não vai continuar a subsidiar a Gazprom [em cerca de] 5 mil milhões de dólares por ano, para que a Rússia possa armar-se contra nós [com esse dinheiro) ".

A posição dos EUA hoje é a mesma que em 1991: Sem manufaturas, a Rússia não pode ser uma verdadeira potência militar para se defender. E sem comprar tecnologia estrangeira e sem grandes subsídios estatais – enquanto os EU e os governos europeus apoiam as suas economias – a Rússia não pode criar uma economia de manufaturas. Portanto, a NATO está a tentar impedir a Rússia de ganhar dinheiro suficiente para modernizar a sua economia, sob o princípio de que qualquer potência industrial é potencialmente militar, e qualquer potência militar pode ser usada para conseguir a independência política da esfera dos EUA.

RT: Mais alguma coisa que queira acrescentar?

MH: O que está em causa é se as economias pelo mundo afora deixarão que a alavancagem financeira desmantele o poder de governos eleitos, e portanto a democracia. Os governos são soberanos. Nenhum governo precisa de pagar dívidas externas ou submeter-se a políticas que neguem as três definições de um estado: criar a sua própria moeda, lançar impostos e declarar guerra.

Em causa está quem vai dominar o mundo: o 1% emergente enquanto oligarquia financeira, ou os governos eleitos. Os dois conjuntos de objetivos são contraditórios: aumentar o nível de vida e a independência nacional, ou uma economia de lucro, de austeridade e de dependência internacional. 

[NR] Esta entrevista é anterior à grande provocação do derrube do avião malaio, cometida pelos nazis do regime de Kiev, a qual ameaça transformar a guerra financeira numa guerra total.

Ver também: 
Ukraine’s economy contracts 4 times faster in Q2 losing 4.7% (Economia da Ucrânia contraiu-se quatro vezes mais depressa no 2º trimestre, reduzindo-se 4,7% em relação ao mesmo período de 2013) 

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de: Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
 

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