O quarteto da "choldra torpe", mas há mais... |
Nestas
férias não precisam de ler Marx. Regressem a Eça de Queirós. Descobrem lá quase
tudo: este país é uma "choldra torpe"
Agosto,
o último mês do ano no meu calendário, evoca o murmurejar das ondas a
desfazerem-se em espuma no extenso areal da ilha de Tavira, a mais bela praia
de todas as infâncias e adolescências, por onde passei e que me remete para
tempos esquecidos, coisas insignificantes, intimidades. Rememorei agora esse
tempo distante que aos poucos se desfizera no interior da memória, tal como os
barcos se desfaziam no fio do horizonte quando, ainda criança, me sentava na
areia a observar o movimento das ondas e a inquietar-me com o seu murmurejar.
Aconselhado
pelo escritor José Marmelo e Silva, meu professor, autor de "O Adolescente
Agrilhoado", livro que me emprestou para ler, aos 11, 12 anos, li tudo o
que havia para ler de Eça de Queirós, em livros requisitados na biblioteca da
Gulbenkian, situada na Rua da Galeria, em Tavira. Aí comecei a aprender, com João da Ega,
que o país que me calhara em destino era uma "choldra torpe",
observação que ainda hoje não destoa, passado mais de um século sobre o que
escreveu o autor de "Os Maias" e meio século sobre essas minhas
primeiras leituras.
Só
mesmo numa choldra torpe o senhor Presidente da República, o senhor
primeiro-ministro, a senhora ministra das Finanças e o senhor governador do
Banco de Portugal - ou seja, todo o poder que nos pastoreia - podiam jurar,
como juraram, a pés juntos, com a mão no peito e ar solene, durante quase um
mês, por estas ou outras palavras, que "os portugueses podem confiar no
BES, dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cobrir a
exposição que o banco tem na parte não financeira, mesmo na situação mais
adversa" E, depois, quando se percebeu que afinal o que disseram era
falso, um engodo para enganar papalvos, a fina flor de um poder à deriva, sem
credibilidade nem mérito, partiu para o mar, ali para a Manta Rota ou para a
praia da Coelha, ouvir o murmurejar das ondas a desfazerem-se em espuma no
areal, como se nada disto lhes dissesse respeito. Sem uma palavra. Sem uma
justificação nem um acto de contrição.
Só
mesmo numa choldra torpe um governo aprova à socapa, na quinta- -feira 31 de
Julho, um diploma que testemunha que a expropriação do BES já estava decidida,
pelo menos nesse dia mas certamente antes, omitindo-o no comunicado do Conselho
de Ministros, como se o governo estivesse na clandestinidade e este assunto
fosse dos "deuses" e não dos portugueses.
Só
mesmo numa choldra torpe a decisão do governo, com a conivência do senhor
Presidente da República, é conhecida antecipadamente apenas por "gente de
bem", próxima do governo, o que provavelmente permitiu atempadamente a
venda de acções do BES pela Goldman Sachs e outros "amigos", o que
levou à monumental queda em bolsa a 31 de Julho e 1 de Agosto, ou à retirada do
dinheiro das contas da PT por esses dias.
Só
mesmo numa choldra torpe se permite a promiscuidade de comentadores habitual de
canais de televisão, ex-presidentes do principal partido do governo, um deles
conhecido como a "bruxa de Carnaxide", que anunciam a solução para o
"caso BES" antes de o governador do Banco de Portugal a ter
apresentado, supostamente em "primeira mão".
Só
mesmo numa choldra torpe um governo, por razões ideológicas, trata com eufemismo
a inevitável nacionalização de um banco, para evitar males maiores, através de
uma "engenharia" pirotécnica, em que os contribuintes entram com 90%
do capital e a propriedade é entregue às "instituições financeiras a
operar em Portugal", sendo todos os riscos, como bem sabem, de quem paga
impostos.
Volto
ao começo: nestas férias não precisam de ler Marx. Regressem a Eça de Queirós.
Descobrem lá quase tudo. E descubram também o escritor José Marmelo e Silva.
Jurista - Escreve
à segunda-feira
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