NOVO
ACORDO DE PESCA CABO VERDE/UNIÃO EUROPEIA: BIOSFERA 1 FALA EM “ATESTADO DE
BURRICE” AOS CABO-VERDIANOS
O
novo acordo de pesca entre Cabo Verde e a União Europeia aumenta em cerca de 80
por cento os valores pagos anualmente ao nosso país. Mesmo assim, a Biosfera 1
vê o documento como um “atestado de burrice” aos cabo-verdianos, já que o
dinheiro pago continua a ser uma “esmola” face ao que os pesqueiros europeus
retiram das águas deste arquipélago. Agastado, Melo fala em “extermínio” das
espécies marinhas em Cabo
Verde.
José
Melo, presidente da Biosfera I, organização ambientalista com sede em São Vicente , confessa
que esperava “muito mais” do novo acordo de pescas entre Praia e Bruxelas e que
foi com “esperança” e “ansiedade” que esperava alterações “mais concretas” em
relação ao referido protocolo.
Conforme
confessou ao A NAÇÃO, infelizmente, nenhuma das suas expectativas se
verificaram, exceptuando a questão financeira que, no acordo ora renovado, Cabo
Verde vai receber 550 mil euros nos dois primeiros anos de vigência e 500 mil
euros em cada um dos dois anos seguintes, valor esse que representa um acréscimo
de 360 mil euros quando no outro, que já expirou em 31 de Agosto, a vigência
anual era de 435 mil euros.
“Mesmo
assim, o que a UE nos paga continua a ser uma esmola para Cabo Verde, mesmo que
tenha aumentado em cerca de 85 por cento”, sublinha aquele ambientalista,
deixando a entender que o aumento em si apenas atesta ou comprova que há muito
o que a EU paga a Cabo Verde estava desfasado da realidade, com prejuízo para
este arquipélago.
“O
acordo ora assinado está completamente fora da realidade de qualquer outro
acordo de pesca assinado com outros países próximos de Cabo Verde”, salienta
Melo, adiantando que, devido a precariedade das nossas condições, a compensação
financeira deveria ser “muito mais vantajosa” (ver caixa).
Diante
dos factos aquele dirigente da Biosfera 1 mostra-se também desapontado. Isto
porque, conforme diz, depois de tantos e reiterados alertas feitos por essa ONG
sobre os “abusos” que os barcos europeus cometem nos mares de Cabo Verde, as
“mesmas falhas” permanecem no novo documento. Uma delas, segundo Melo,
reporta-se à captura que tem sido feita aos tubarões.
“Em
Julho passado publicou-se um decreto-lei de protecção de tubarões, mas eu
pergunto: quem da Direcção Geral das Pescas ou do Ministério está capacitado
para indicar quais as espécies que devem ou não ser capturadas? Nós não temos
ninguém”, assegura o nosso entrevistado.
Burrice
José
Melo salienta ainda que o país não tem condições para vigiar os barcos que
operam na nossa zona económica exclusiva, pelo que, a seu ver, devia-se reduzir
de forma mais acentuada o número de embarcações, com licença para pescar nas
nossas águas. Um número, note-se, que passou de 74 barcos para 71 no novo
acordo.
“Já
que não temos gente capacitada para fazer a fiscalização e faltam observadores
a bordo desses barcos, também não existe controlo no desembarque, por isso o
número de navios deveria ser muito menor. Mas, em vez disso, com este novo
acordo, os barcos europeus vão continuar a fazer o que bem entendem nos nossos
mares”. Mais do que isso, para Melo, “continuamos na verdade com um acordo de
extermínio das espécies em
Cabo Verde ”.
Por
essa razão aquele ambientalista considera um “disparate” que o acordo ora
assinado discrimine que metade do montante pago seja destinada a “promover uma
gestão sustentável das pescas no arquipélago, como o reforço das capacidades de
controlo e vigilância e apoio às comunidades pesqueiras locais”, quando essa
vigilância não existe. Por isso, na sua opinião, “isto é continuar a passar
atestado de burrice aos cabo-verdianos”.
“Não
entendo como é que um Governo continua a cometer os mesmos erros durante 10, 15
anos seguidos. Isso, do nosso ponto de vista, só pode ser estupidez ou
ignorância completa, ou então existem outros interesses por trás de acordos do
género que nós não conseguimos alcançar”.
Povo
paga
Como
cabo-verdiano, José Melo diz-se indignado e ao mesmo tempo cansado, deixando
claro que quem vai pagar, cada dia mais, pelas consequências de um tal tipo de
acordo será o povo de Cabo Verde. “Os resultados disso já estão à vista. No
mercado de São Vicente, à venda, temos apenas o ‘burrinho’, um peixe que,
antes, não tinha qualquer valor comercial; a cavala é vendida, antes do período
de defeso, a 80-100 escudos, o olho-largo diminuir cada dia mais. Será que
esses não são indícios suficientes para que o Governo, ou o INDP, este
instituto que ainda não sei o que anda a fazer, começar a investigar as razões
desses fenómenos?”, questiona.
Em
vez disso, para Melo as autoridades preferem “continuar de olhos fechados”,
chegando ao “cúmulo” de afirmar que a Espanha vai apoiar na vigilância
pesqueira, quando os espanhóis são aqueles com mais frotas a pescar no
território cabo-verdiano têm. “É como colocar os presos a vigiar as prisões”,
conclui o presidente da Biosfera 1.
A
NAÇÃO tentou ouvir o director-geral das Pescas, Juvino Vieira, bem como o
secretário de Estado, Adalberto Vieira, mas sem sucesso. Apesar de rubricado na
passada sexta-feira, 29 de Agosto, da parte das autoridades cabo-verdianas,
ninguém se pronunciou ainda sobre o novo acordo, criticado também pelos
armadores, na pessoa do presidente da sua Associação, Nelson Atanásio. Este,
não obstante reconhecer que o presente acordo é melhor que o anterior, entende
que o mesmo está “ainda longe do desejado”.
Acordo
salgado
O
novo acordo de pesca entre Cabo Verde e a União Europeia entrou em vigor no
último dia 1 de Setembro e foi anunciado em Bruxelas na última sexta-feira, 29.
Ao abrigo desse protocolo, Cabo Verde vai receber 550 mil euros nos dois
primeiros anos de vigência e 500 mil euros em cada um dos dois anos seguintes.
A
Comissão Europeia informou que metade da contribuição financeira que vai pagar
anualmente ao Governo destina-se a compensar o acesso aos recursos e a outra
metade a promover uma gestão sustentável das pescas no arquipélago, como o reforço
das capacidades de controlo e vigilância e apoio às comunidades pesqueiras
locais.
Este
acordo permite que 71 embarcações entre atuneiros com canas, atuneiros de cerco
e embarcações de pesca à linha com espinal pesquem atum e outras espécies
migratórias nas águas de Cabo Verde.
Note-se
que em Fevereiro passado a Guiné-Bissau e a União Europeia (UE) rubricaram um
mesmo tipo de documento ao abrigo do qual autoriza, principalmente, navios de
Portugal, Espanha e França a pescarem nas águas daquele país, pagando por isso
9,2 milhões de euros em três anos, a contar a partir de Junho passado, um
acréscimo de 1,7 milhões de euros em relação ao acordo anterior.
A
Nação (cv)
*Título
PG
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