Folha 8, 06 setembro 2014
EDUARDO
DOS SANTOS COMPROVA QUE, AFINAL, O CRIME COMPENSA
O
ex-delegado do SINSE, em Luanda, António Manuel Gamboa Vieira Lopes, angolano,
casado, de 47 anos de idade, natural de Kilenda, província do Kwanza Sul,
também conhecido por “Tó”, para os mais chegados, incluindo os altos
dignitários do regime, mesmo na cadeia, num caso “sui generis” acabou por ser
promovido ao Grau Militar de Brigadeiro.
Foi
uma decisão de José Eduardo dos Santos na sua qualidade de Comandante em Chefe
das Forças Armadas que, tal como as que tem tomado na qualidade de Presidente
da República, revelam que no nosso país o crime compensa. Basta ser criminoso
ligado ao regime. Por muitas voltas que se dê, esta nomeação compromete
directamente o titular do Poder Executivo de estar por dentro das acções
ilícitas deste quadro.
Qual
a motivação, numa altura como esta de se promover, alguém comprometido, com um
assassinato bárbaro, contra um ex-militar da Guarda Presidencial, quando a lógica
e a legalidade seriam, no mínimo, a expulsão dos quadros do órgão de Segurança
de Estado?
Se
direcção contrária não houve, significa ter a “Ordem Superior”, vindo do
gabinete do Comandante em Chefe, logo todos estão implicados.
António
Gamboa Vieira Lopes foi quem ordenou, no 27 de Maio de 2012, o assassinato de
Alves Kamulingue. Foi, ao que tudo indica, uma decisão premeditada, dolosa e decisiva
para que, dois anos depois, precisamente no 27 de Maio de 2014, através da
Ordem do Comandante em – chefe n.º 12/14 fosse o oficial superior do ex-MINSE
(Ministério da Segurança do Estado) promovido ao grau militar de Brigadeiro.
José
Eduardo dos Santos, tal como acontece em relação ao seu direito unipessoal e
exclusivo de dizer quem é ou não angolano, não esquece os altos serviços
prestados ao Estado (entenda-se regime), situação em que se enquadra o
ex-delegado do SINSE, que desde 2013, se encontra a contas com a justiça.
O
agora Brigadeiro está na cadeia, onde com todo o conforto recorda emblematicamente
a sua promoção, e lá continua pois o julgamento sobre o assassinato de Alves
Kamulingue só teve início no dia 01 de Setembro, na 6.ª Secção do Tribunal
Provincial de Luanda.
Recorde-se
que no dia 27 de Maio de 2012, pelas 14h00, o agente secreto Tucayano, do
SINSE, ligou para Alves Kamulingue, propondo-lhe um encontro para uma
suposta entrevista nas bombas de combustível da Sonangol junto aos Bombeiros,
por detrás do Hospital Militar de Luanda. Kamulingue aceitou e aí chegado, surge
uma viatura Chevrolet Spark de onde, saem alguns capangas que o empurram para
dentro da viatura que arranca de imediato em alta velocidade.
E
quem eram os raptores?
A
fazer fé nos altos critérios do Comandante em Chefe das Forças Armadas, só
cidadãos honoráveis são promovidos. Foi o caso. Os raptores de Kamulingue
foram António Manuel Gamboa Vieira Lopes, então delegado do SINSE em Luanda,
Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE Luanda, Comissário Dias do Nascimento,
2.º comandante provincial de Luanda, Manuel Miranda, chefe de Investigação
Criminal da Ingombota, Luís Miranda, chefe dos Serviços Sectores do Comando de
Divisão da Ingombota.
Com
base nas diligências realizadas e na matéria de facto carreada para o processo,
no dia 05 de Novembro do ano passado processaram-se as primeiras detenções de
Lourenço Sebastião, chefe do SINSE-Viana, Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE-Luanda
e Loy, agente do SINSE-Luanda.
Nas
suas primeiras declarações, em acto de interrogatório, na Procuradoria-Geral
da República, todos foram unânimes em acusar Sebastião Martins
e António Manuel Gamboa Vieira Lopes, como mandantes dos assassinatos.
Crê-se
que, na posse destes elementos que são públicos mas, certamente, também de
outros que são secretos, José Eduardo dos Santos achou por bem promover
António Manuel Gamboa Vieira Lopes.
Será,
aliás, de esperar que na sua linha de coerência, o Presidente da República
promova outros criminosos de alta patente.
É
verdade que são muitos. Mas também não é por ter mais uns tantos brigadeiros
ou generais que as Forças Armadas perdem o seu prestígio, nem a imagem de estadista
de gabarito internacional de José Eduardo dos Santos sairá maculada, depois
de no dia 28 de Agosto de 2014, terem sido “contratados bajuladores
internacionais”, que já tiveram intervenção directa ou indirecta no processo
de paz de Angola, para virem dar uma polidela na imagem do alegado arquitecto
da paz, nomeadamente, Olusejum Obassanjo, ex-presidente da Nigéria, Margareth
Ansthee, ex-representante do secretário-geral das Nações Unidas e Sam Nujoma,
ex-presidente da Namíbia. Uma imagem patética de quem deveria manter a
imagem de isenção e não afrontar os angolanos, com a imagem de terem
privilegiado uns em detrimento de outros.
Voltando
à vaca fria, António Manuel Gamboa Vieira Lopes protegido de Eduardo dos Santos,
o Comandante em Chefe está acusado na prática do crime de Homicídio Qualificado,
previsto e punível pelo art.º 351.º do Código Penal, cuja moldura penal é de 20
à 24 anos de prisão maior.
Entretanto
a defesa de Vieira Lopes, inconformada com a acusação e a qualidade do fórum,
veio apresentar contestação, alegando incompetência do juízo, face à promoção
recaída sobre o seu cliente, ao grau militar de Brigadeiro, através da Ordem
12/14 de 06 de Maio, publicada no Diário da República de 27 de Maio de 2014.
Na
sua visão, interpretando a al.ª b) do n.º 1 do art.º 34.º da Lei n.º 13/11 de
18 de Março (Orgânica do Tribunal Supremo), que estabelece o julgamento em
primeira instância dos processos crimes cometidos por Magistrados Judiciais,
Magistrados do Ministério Público, membros dos Conselhos Superiores das
Magistraturas Judicial e do Ministério Público, Generais das Forças Armadas
Angolanas e entidades equiparadas, pela Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo.
Na
realidade o legislador material ao dar enquadramento a norma visou, todos
quanto estejam a exercer, na altura do cometimento de actos ilícitos, as
funções acima referenciadas. Não parecendo ser o caso, pois na altura dos
factos: 27 de Maio de 2012, o ora réu, era coronel das FAA, na reforma, com o
NIP 8974931 e nesta condição esteve preso por um ano, até chegar a promoção no
27 de Maio de 2014.
Num
outro capítulo, o da lei mais favorável ser aplicada, também, não pode vigorar,
por estarmos diante de um crime de homicídio qualificado, devidamente premeditado
e dolosamente executado, com total conhecimento do réu.
Ora
sendo a vida um bem maior, com cobertura constitucional, art.º 30.º (Direito à
vida) “O Estado respeita e protege a vida da pessoa humana, que é inviolável”,
logo não pode um acto cruel como o de homicídio qualificado ser colorido, ao
ponto de conceder tapete vermelho ao prevaricador, satisfazendo as suas
exigências, que tão pouco encontram poiso na farta jurisprudência do Tribunal
Supremo, pelo contrário.
Aqui
ancorados temos a competência do Tribunal Comum, logo não deve proceder o
pedido.
Um
eventual acolhimento poderia ser a Lei 4/94 de 28 de Janeiro, Lei dos Crimes
Militares, uma vez estar o António Vieira Lopes enquadrado no art.º 2.º
(Agentes dos crimes militares): “Só respondem pela prática de crimes militares:
a)
os membros das Forças Armadas;
b)
os membros da Polícia nacional;
c)
os membros de outras forças para-militares quando no exercício das suas funções
e demais pessoas que a lei expressamente determinar.
O
caminho a seguir bem poderia ser o recurso ao Tribunal Militar, mas aqui
chegado a moldura penal é exactamente igual, ao Código Penal, segundo o n.º 3
do art.º 19.º, da Lei 4/79, cuja pena é de 20 a 24 anos.
Finalmente,
temos que a doutrina, no caso presente não aconselha o levantar da âncora do
tribunal comum, onde o réu está a ser julgado, sob pena de se abrir um grave
precedente.
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