sábado, 6 de setembro de 2014

Angola: “ASSASSINO” PROMOVIDO A GENERAL NA CADEIA



Folha 8, 06 setembro 2014

EDUARDO DOS SANTOS COMPROVA QUE, AFINAL, O CRIME COMPENSA

O ex-delegado do SINSE, em Luanda, António Manuel Gamboa Vieira Lopes, angolano, casado, de 47 anos de idade, natural de Kilenda, província do Kwanza Sul, também conhecido por “Tó”, para os mais chegados, incluindo os altos dignitários do regime, mesmo na cadeia, num caso “sui generis” acabou por ser promovido ao Grau Militar de Brigadeiro.

Foi uma deci­são de José Eduardo dos Santos na sua qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas que, tal como as que tem tomado na qualidade de Presiden­te da República, revelam que no nosso país o crime compensa. Basta ser cri­minoso ligado ao regime. Por muitas voltas que se dê, esta nomeação com­promete directamente o titular do Poder Execu­tivo de estar por dentro das acções ilícitas deste quadro.

Qual a motivação, numa altura como esta de se promover, alguém com­prometido, com um as­sassinato bárbaro, contra um ex-militar da Guarda Presidencial, quando a ló­gica e a legalidade seriam, no mínimo, a expulsão dos quadros do órgão de Segurança de Estado?
Se direcção contrária não houve, significa ter a “Or­dem Superior”, vindo do gabinete do Comandante em Chefe, logo todos es­tão implicados.

António Gamboa Vieira Lopes foi quem ordenou, no 27 de Maio de 2012, o assassinato de Alves Kamulingue. Foi, ao que tudo indica, uma decisão premeditada, dolosa e de­cisiva para que, dois anos depois, precisamente no 27 de Maio de 2014, atra­vés da Ordem do Coman­dante em – chefe n.º 12/14 fosse o oficial superior do ex-MINSE (Ministério da Segurança do Estado) pro­movido ao grau militar de Brigadeiro.

José Eduardo dos San­tos, tal como acontece em relação ao seu direito unipessoal e exclusivo de dizer quem é ou não an­golano, não esquece os altos serviços prestados ao Estado (entenda-se re­gime), situação em que se enquadra o ex-delegado do SINSE, que desde 2013, se encontra a contas com a justiça.

O agora Brigadeiro está na cadeia, onde com todo o conforto recorda emble­maticamente a sua pro­moção, e lá continua pois o julgamento sobre o as­sassinato de Alves Kamu­lingue só teve início no dia 01 de Setembro, na 6.ª Sec­ção do Tribunal Provincial de Luanda.

Recorde-se que no dia 27 de Maio de 2012, pelas 14h00, o agente secreto Tucayano, do SINSE, li­gou para Alves Kamulin­gue, propondo-lhe um en­contro para uma suposta entrevista nas bombas de combustível da Sonangol junto aos Bombeiros, por detrás do Hospital Militar de Luanda. Kamulingue aceitou e aí chegado, sur­ge uma viatura Chevro­let Spark de onde, saem alguns capangas que o empurram para dentro da viatura que arranca de imediato em alta velocida­de.

E quem eram os raptores?

A fazer fé nos altos crité­rios do Comandante em Chefe das Forças Arma­das, só cidadãos honorá­veis são promovidos. Foi o caso. Os raptores de Ka­mulingue foram António Manuel Gamboa Vieira Lopes, então delegado do SINSE em Luanda, Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE Luanda, Comis­sário Dias do Nascimento, 2.º comandante provincial de Luanda, Manuel Miran­da, chefe de Investigação Criminal da Ingombota, Luís Miranda, chefe dos Serviços Sectores do Co­mando de Divisão da In­gombota.

Com base nas diligências realizadas e na matéria de facto carreada para o processo, no dia 05 de Novembro do ano passa­do processaram-se as pri­meiras detenções de Lou­renço Sebastião, chefe do SINSE-Viana, Paulo Mota, delegado adjunto do SIN­SE-Luanda e Loy, agente do SINSE-Luanda.

Nas suas primeiras decla­rações, em acto de inter­rogatório, na Procurado­ria-Geral da República, todos foram unânimes em acusar Sebastião Martins e António Manuel Gamboa Vieira Lopes, como man­dantes dos assassinatos.

Crê-se que, na posse des­tes elementos que são públicos mas, certamen­te, também de outros que são secretos, José Eduar­do dos Santos achou por bem promover António Manuel Gamboa Vieira Lopes.

Será, aliás, de esperar que na sua linha de coerência, o Presidente da República promova outros crimino­sos de alta patente.

É verdade que são mui­tos. Mas também não é por ter mais uns tantos brigadeiros ou generais que as Forças Armadas perdem o seu prestígio, nem a imagem de esta­dista de gabarito inter­nacional de José Eduardo dos Santos sairá macula­da, depois de no dia 28 de Agosto de 2014, terem sido “contratados baju­ladores internacionais”, que já tiveram interven­ção directa ou indirecta no processo de paz de Angola, para virem dar uma polidela na imagem do alegado arquitecto da paz, nomeadamente, Olusejum Obassanjo, ex­-presidente da Nigéria, Margareth Ansthee, ex­-representante do secre­tário-geral das Nações Unidas e Sam Nujoma, ex-presidente da Namí­bia. Uma imagem patéti­ca de quem deveria man­ter a imagem de isenção e não afrontar os angola­nos, com a imagem de te­rem privilegiado uns em detrimento de outros.

Voltando à vaca fria, An­tónio Manuel Gamboa Vieira Lopes protegido de Eduardo dos Santos, o Comandante em Chefe está acusado na prática do crime de Homicídio Qua­lificado, previsto e punível pelo art.º 351.º do Código Penal, cuja moldura penal é de 20 à 24 anos de prisão maior.

Entretanto a defesa de Vieira Lopes, inconfor­mada com a acusação e a qualidade do fórum, veio apresentar contestação, alegando incompetência do juízo, face à promoção recaída sobre o seu clien­te, ao grau militar de Bri­gadeiro, através da Ordem 12/14 de 06 de Maio, publi­cada no Diário da Repúbli­ca de 27 de Maio de 2014.

Na sua visão, interpre­tando a al.ª b) do n.º 1 do art.º 34.º da Lei n.º 13/11 de 18 de Março (Orgânica do Tribunal Supremo), que estabelece o julgamen­to em primeira instância dos processos crimes co­metidos por Magistrados Judiciais, Magistrados do Ministério Público, mem­bros dos Conselhos Supe­riores das Magistraturas Judicial e do Ministério Público, Generais das For­ças Armadas Angolanas e entidades equiparadas, pela Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Su­premo.

Na realidade o legislador material ao dar enqua­dramento a norma visou, todos quanto estejam a exercer, na altura do cometimento de actos ilícitos, as funções acima referenciadas. Não pare­cendo ser o caso, pois na altura dos factos: 27 de Maio de 2012, o ora réu, era coronel das FAA, na reforma, com o NIP 8974931 e nesta condição esteve preso por um ano, até chegar a promoção no 27 de Maio de 2014.

Num outro capítulo, o da lei mais favorável ser aplicada, também, não pode vigorar, por estar­mos diante de um crime de homicídio qualifica­do, devidamente pre­meditado e dolosamente executado, com total co­nhecimento do réu.

Ora sendo a vida um bem maior, com cobertura constitucional, art.º 30.º (Direito à vida) “O Estado respeita e protege a vida da pessoa humana, que é inviolável”, logo não pode um acto cruel como o de homicídio qualificado ser colorido, ao ponto de con­ceder tapete vermelho ao prevaricador, satisfazendo as suas exigências, que tão pouco encontram poiso na farta jurisprudência do Tribunal Supremo, pelo contrário.

Aqui ancorados temos a competência do Tribunal Comum, logo não deve proceder o pedido.

Um eventual acolhimen­to poderia ser a Lei 4/94 de 28 de Janeiro, Lei dos Crimes Militares, uma vez estar o António Vieira Lo­pes enquadrado no art.º 2.º (Agentes dos crimes militares): “Só respondem pela prática de crimes mi­litares:

a) os membros das Forças Armadas;

b) os membros da Polícia nacional;

c) os membros de ou­tras forças para-militares quando no exercício das suas funções e demais pessoas que a lei expres­samente determinar.

O caminho a seguir bem poderia ser o recurso ao Tribunal Militar, mas aqui chegado a moldura penal é exactamente igual, ao Código Penal, segundo o n.º 3 do art.º 19.º, da Lei 4/79, cuja pena é de 20 a 24 anos.

Finalmente, temos que a doutrina, no caso pre­sente não aconselha o levantar da âncora do tribunal comum, onde o réu está a ser julgado, sob pena de se abrir um grave precedente.

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