Ex-ministro
sustenta: não podemos permitir que continuem massacrados; sem eles, Brasil não
será democrático – mas visão etnocêntrica é insuficiente
Juca
Ferreira – Outras Palavras - Imagem: Mike Goldwater
O
Brasil democrático tem que reconhecer a importância dos povos indígenas. Sem
eles, o Brasil não será democrático. Nosso país não pode permitir que eles
sejam dizimados, que seus direitos sejam massacrados, que esses povos fiquem
vulneráveis frente a garimpeiros, latifundiários e agricultores, sejam eles
pequenos, médios ou grandes. Não digo isso só por notícia de jornal. Eu
acompanhei esse tema de perto, quando fui ministro. Fui a algumas aldeias,
fortalecer uma relação cultural com os povos indígenas, pois eles são parte da
singularidade cultural brasileira, são parte do nosso DNA. Não podemos perder a
possibilidade de incorporá-los ao projeto democrático, não podemos deixá-los ao
relento, à sua própria sorte.
Uma
das aldeias que visitei foi a dos Ashaninka, perto da fronteira com o Peru.
Soube há uma semana que quatro de seus indígenas foram massacrados e que alguns
dos líderes daquele povo não podem sair da aldeia. Isso porque capangas,
interessados em suas terras, já disseram que esses líderes estão numa lista
para serem mortos. Isso não é um caso excepcional, é parte da realidade que a
gente vive no Brasil.
Nós,
os não índios, temos que incorporá-los como parte da sociedade brasileira,
plenos de direitos; como irmãos. Precismos perceber os indígenas como parte da
nossa sociedade. E eles só podem se sentir assim se estiverem plenos de
direitos e em condições de serem o que são. Eu me lembro de um cacique, acho
que de nação Tucano, que chegou lá no Ministério e disse: “sabe o que eu mais
gosto em vocês? O Ministério da Cultura do governo Lula não diz como a gente
deve ser índio. Chegam por lá uns antropólogos querendo dizer como a gente deve
ser índio. Eles às vezes sabem bastante da nossa cultura, mas esquecem de uma
coisa, essa relação com o mundo de vocês modifica tão profundamente a nossa
realidade que nós não podemos ser apenas o que éramos antes de ter esse
contato. Esse desafio tem que ser uma opção diária, nós queremos ter o direito
ao protagonismo na construção de soluções na relação com o mundo de vocês”.
Outro
cacique, desta vez um Bororo, também me revelou muito sobre sua identidade
cultural quando disse assim: “eu quero ser índio, porque se eu tentar ser um de
vocês eu não serei nada, mas eu gosto de televisão, de novela, de computador,
de celular”. É um direito deles, ter acesso a equipamentos e ferramentas que os
auxiliem na construção de suas vidas.
A
Funai precisa ser fortalecida. É preciso recompor a Funai para que possa
cumprir as funções que lhe cabe no século 21, garantir a todos os indígenas os
direitos básicos. Mas isso não basta. Nós, no Ministério da Cultura do Governo
Lula, abrimos as portas do ministério para os povos indígenas. Nos aproximamos
com nossos programas e ações de mais de 100 nações. Impressionou-nos a
receptividade de grande parte deles, pois tinham tudo para ser desconfiados.
Confiaram na gente e também abriram as portas de suas aldeias. Não fomos aos
índios para concorrer com a Funai. Fomos para ampliar o trabalho do Estado
brasileiro, para reforçar o princípio de que a terra é fundamental para os
povos indígenas, mas que também é importante e fundamental para sua sobrevivência
a garantia das condições culturais de preservação da identidade e de um contato
com a sociedade não indígena que seja positivo. Só cabe a eles definir quão
índio querem continuar sendo e o que da nossa sociedade eles querem incorporar.
Uma
das alegrias que tive na aldeia Ashaninka foi conhecer um Ponto de Cultura
Indígena. Eu não sabia que eles tinham um ponto ali: vários índios usando
computadores, um deles conversando com a Alemanha, preparando um evento baseado
em um trabalho de coleta de informações e dados dos conhecimentos da floresta
para que não fossem roubados, para que aqueles conhecimentos pudessem ser
reconhecidos como patrimônio deles. Não estavam querendo impedir o acesso das
pessoas àquele patrimônio, mas que esse acesso, uma vez que ocorresse,
trouxesse algum dividendo para o povo Ashaninka. Queriam impedir que aquilo que
eles são se tornasse propriedade de uma indústria farmacêutica, alimentícia ou
de cosméticos e que chegassem lá e levassem para patentear esse conhecimento.
Essa
manutenção da visão etnocêntrica em relação aos índios é uma perda para nossa
sociedade. Se formos capazes de incorporar os índios na sua singularidade, com
suas terras, seus conhecimentos, e isso fizer parte do Brasil do Século 21,
nosso país vai ter um cabedal de conhecimento enorme para ser potência e
ampliar o seu desenvolvimento.
Não
há possibilidade do Ministério da Cultura do Brasil no Século 21 permitir que a
contribuição indígena para o Brasil volte à invisibilidade. Essa noção de que
nós estamos vivendo um processo complexo cobra de nós uma enorme
responsabilidade na construção de uma nação democrática, plural, que respeite a
diversidade humana, e ajude a construir a humanidade de todos os brasileiros. E
isso só se consegue na democracia.
Na
foto: Ashaninkas no Acre. Juca denuncia: “Soube há uma semana que quatro deles
foram massacrados e que alguns dos líderes daquele povo não podem sair da
aldeia”
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