Luís
Rosa – jornal i, opinião
O
pedido do PM dirigido à PGR não deixa de ser o reconhecimento da fragilidade da
sua posição e destina-se a ganhar tempo
Quando
menos se esperava, voltamos a ter no horizonte um cenário de instabilidade
política. O mais surpreendente é que não são as consequências da política de
austeridade nem qualquer problema estrutural com o CDS que levam o próprio
primeiro-ministro a admitir uma eventual demissão. É um caso judicial que está
a gerar suspeitas numa altura em que é fundamental que o governo leve o seu
mandato até ao final. A estabilidade foi um valor essencial para termos apenas
um programa de assistência financeira. E continua a ser importante para não pôr
em causa os frágeis sinais de retoma económica.
É
importante que se diga que o caso Tecnoforma ainda não é totalmente claro. Há
suspeitas mas ainda não há certezas. Há suspeitas de que Passos Coelho terá
recebido cerca de 150 mil euros de uma organização não-governamental ligada à
empresa Tecnoforma. Há suspeitas de que o então deputado do PSD estava em
exclusividade mas, apesar de ter invocado tal estatuto para receber o subsídio
de reintegração, não há a certeza de que estava mesmo impedido de receber
outras remunerações. Partindo da hipótese de que não estaria em exclusividade,
Passos Coelho não devia ter recebido 30 mil euros a título de subsídio de
reintegração. Partindo da hipótese de que estaria em exclusividade, e de que
recebeu 150 mil euros do grupo Tecnoforma, poderá ter violado a lei. Se se
confirmar que recebeu entre 1997 e 1999 uma remuneração mensal de uma terceira
entidade que não o parlamento, e não declarou os respectivos valores à
administração fiscal, poderá ter cometido um crime fiscal. A concretização de
qualquer destas hipóteses faria com que a situação de Passos Coelho fosse
insustentável e levasse à queda do governo. Mas, como se vê, ainda estamos no
campo da especulação. Tendo em conta os quase 20 anos que já passaram sobre os
factos, não é certo que consigamos sair desse campo. Uma certeza existe, porém:
os eventuais crimes já prescreveram.
Esta
última realidade faz com que o pedido de Passos Coelho dirigido ontem à
Procuradoria-Geral da República (PGR) não possa ter uma resposta criminal. Isto
é, o Ministério Público está impedido de investigar.
O
Conselho Consultivo da PGR poderia eventualmente, e a pedido de Joana Marques
Vidal, pronunciar-se sobre o que está em causa neste caso mas não é líquido que
o possa fazer. Por isso mesmo, a atitude de Passos Coelho não deixa de ser o
reconhecimento da fragilidade da sua posição mas é um contra-ataque político
que parece ter o objectivo de ganhar tempo.
O
escrutínio apertado a que José Sócrates foi sujeito enquanto primeiro-ministro
nos casos da licenciatura ou do Face Oculta, entre outros, introduziu práticas
novas no escrutínio da comunicação social que não deixam de representar uma
evolução do nosso sistema democrático. Por razões diferentes, Passos Coelho
está a sentir agora na pele o mesmo escrutínio. Ao contrário de Sócrates, que
sempre lidou pessimamente com essa actividade normal em qualquer democracia,
Passos não está a vitimizar-se. Diz que não se lembra com uma sinceridade que
não foi reconhecida ao seu antecessor. Isso é de saudar, mas é fundamental que
esclareça rapidamente todo o caso, sob pena de a nuvem de suspeita não
desaparecer de cima da sua cabeça.
*Título ligeiramente alterado por PG mas fiel ao sentido formulado pelo autor
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