Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
que significa hoje a palavra competitividade e o que nos querem inculcar quando
falam dela? No ranking internacional de competitividade do Fórum Económico
Mundial (o fórum de Davos), Portugal subiu 15 lugares. Logo apareceram
governantes e alguns comentadores a valorizar o feito, mas para a generalidade
das pessoas o paradoxo, por certo, não passou despercebido: como é possível o
país ter melhorado as suas condições de competitividade - entendido como algo
positivo para os portugueses - se a economia está em estado comatoso, a dívida
vai crescendo, falta emprego, a juventude e os trabalhadores qualificados
emigram, os mais velhos são tratados como fardo e os seus saberes
desperdiçados, é desvalorizada a investigação e a ciência, tudo é privatizado
em saldo, a natalidade continua a cair, os direitos no trabalho e a contratação
coletiva vão sendo aniquilados, as prestações sociais, as reformas e os
salários são cada vez piores?
As
roças de café de São Tomé e Príncipe já foram muito "competitivas". O
capitalismo nasceu e caminhou, muito tempo, em contextos em que o trabalho
escravo ou quase era fator de competitividade.
O
pensamento económico dominante diz-nos que há duas formas de procurar a
competitividade - apresentada como o nó górdio da "riqueza das
nações" - que podem ser complementares: i) reduzir os custos salariais
para bater os rivais pelo preço; ii) sofisticar os produtos e os serviços,
diferenciando-os, para contornar a concorrência.
A
primeira via - compressão dos custos salariais -, a ter sucesso, situa-nos no
paradoxo de um país se tornar mais competitivo, adquirindo excedentes externos,
ao mesmo tempo que os trabalhadores e a população desse país empobrecem.
Trata-se de um empobrecimento que, no funcionamento deste sistema capitalista
em que vivemos, se traduz em menos rendimento, mas também em perda de direitos
no trabalho, de direitos sociais e de condições de participação na sociedade.
Não
há qualquer hipótese de reduzir salários e manter os direitos inerentes a uma
sociedade democrática e desenvolvida. A esmagadora maioria das pessoas vive do
trabalho: o trabalho não é apenas um custo. E é com o rendimento obtido pelo
salário que as pessoas compram produtos e serviços, que pagam impostos, que
cumprem necessidades e obrigações na sociedade. Além disso, a maior parte do
trabalho é no setor privado e os capitalistas não acumulam riqueza para amanhã
a colocar à disposição de toda a sociedade. Esta via da competitividade destrói
as condições de vida das pessoas e o desenvolvimento da sociedade. Temos assim
Portugal "competitivo", com desenvolvimento comprometido!
A
segunda via - sofisticação dos produtos e serviços com incorporação de
conhecimento de fronteira nas mercadorias - corresponderia à "solução
ótima", configurada em estratégias como a "Estratégia de Lisboa"
e muitas outras semelhantes em todo o Mundo. Ela pressupõe, como condição de
sucesso, a apropriação e monopolização do conhecimento e da tecnologia,
impedidos de circular. O resultado seria uma especialização desigual entre
países, num Mundo dividido entre produtores de bens e serviços sofisticados (o
mundo da economia do conhecimento) e produtores de bens e serviços banais,
eventualmente intensivos em trabalho pouco qualificado (o mundo oficina).
Oproblema
é que (felizmente) não é fácil aferrolhar o conhecimento e todos os povos,
justamente, vão lutar por ele. Se esta via para a competitividade fosse
bem-sucedida, à escala global, obteríamos um Mundo dividido por fronteiras de
conhecimento e de prosperidade de forma permanente. Ora, não queremos isso.
Esse objetivo não permite um Mundo solidário, de paz e cooperação.
Deve
então a competitividade ser um desígnio nacional? É claro que devemos
preocupar-nos com o equilíbrio das contas externas e trabalhar bem fatores
conjunturais de ordem social, económica ou financeira que nos permitam obter
riqueza. Mas coloquemos de lado a panaceia da competitividade e tratemos dos
verdadeiros indicadores de desenvolvimento: do emprego e da sua qualidade, da
educação e formação, da saúde, da segurança social, da justiça, da justa distribuição
da riqueza, das infraestruturas, da democracia.
Sem comentários:
Enviar um comentário