terça-feira, 16 de setembro de 2014

Portugal: O QUE FAZEMOS QUANDO SOMOS MILHÕES?



Nuno Ramos de Almeida – jornal i, opinião

No dia 15 de Setembro de 2012, mais de um milhão de pessoas saiu à rua para dizer que tinham o direito de decidir a sua vida e não eram cobaias da troika

Para que servem as grandes manifestações, o que conquistaram as muitas centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas em 15 de Setembro de 2012 e 2 de Março de 2013, aderindo ao apelo dos subscritores do Que Se Lixe a Troika (QSLT)?

Como participante e activista do QSLT tenho uma opinião pessoal sobre as consequências desses dias. Fugindo ao paleio habitual dos governantes que garantem estar sempre a caminhar de vitória em vitória, mesmo que seja para uma derrota final, acho claramente que fomos derrotados. O nosso objectivo era acabar com o protectorado que a troika impôs a Portugal, derrubar o governo que empobrece o país e criar condições para uma ruptura democrática em que o povo tivesse o direito a decidir o seu futuro. Nada disso aconteceu. O governo é o mesmo. As medidas da troika estão pensadas para mais umas dezenas de anos e hoje vivemos pior que em 2012.

Em 15 de Setembro, mais de um milhão de pessoas saíram à rua em cerca de 30 cidades, em Portugal e no estrangeiro. A 2 de Março do ano seguinte foram quase um milhão e quinhentos mil a ocupar as praças de 39 cidades e localidades, algumas delas fora de Portugal. Foram momentos em que as pessoas tomaram a sua história nas mãos. São poderosas afirmações de vontade; nos últimos 40 anos não devemos ter tido mais de quatro manifestações deste tamanho. As pessoas provaram que têm força. Estas demonstrações gigantescas alteraram a forma como a população via a política da troika e as actuações do governo.

Há hoje uma forte maioria hegemónica na sociedade que sabe que, mais que uma questão de governo, temos hoje uma questão de regime para resolver. Vivemos há quase 40 anos com governos que prometem cumprir as suas promessas eleitorais e a Constituição democrática que juraram respeitar, mas mais não fazem que alimentar um conjunto de interesses económicos e clientelismos partidários, associados a esses mesmos grupos financeiros e empresariais em que aparecem ligados antes e depois da comissões de serviço no governo. A esmagadora maioria dos portugueses está contra esta situação, e esse dado é adquirido.

Mas se as manifestações contribuíram para mudar a forma como as pessoas pensam, porque é que tudo está na mesma?

Porque as manifestações foram actos de vontade mas não se concretizaram numa forma de dar mais poder às pessoas e mudar as instituições. A ausência de continuidade dos protestos e a incapacidade de reconquistar o poder democrático, de decidir sobre as suas vidas, que foi retirado às pessoas, fez que nada de substancial mudasse para além do vislumbre de uma força imensa.

Os activistas, na sua impotência, costumam citar uma frase de Samuel Beckett que diz qualquer coisa deste género: "Tentaste sempre. Falhaste. Não te apoquentes. Tenta de novo. Falha de novo. Falha melhor." No buraco negro em que o país se encontra, é preciso gente que queira vencer. E que, mais que ser uma fábrica de produzir derrotas, diga que é insustentável esta situação em que a quase totalidade das pessoas estão excluídas do desenvolvimento, da economia e da democracia, e que acabe com isto.

Editor-executivo - Escreve à terça-feira

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