Luís
Osório – jornal i, editorial
Crato
mantém-se como ministro contra toda a lógica, mas há razões para tudo
Tudo
o que se possa dizer sobre o ministro da Educação já foi dito; assim, tudo o
que possa dizer é um exercício de chover no molhado. O essencial resume-se a
uma frase: o primeiro-ministro já devia ter demitido o senhor Crato. Se não o
fez é por ter um entendimento diferente do que é o respeito por uma ideia de
Estado. Se algum professor cometer um erro e prejudicar um aluno (e muito bem),
tem um processo disciplinar. Se um cirurgião tiver um momento de infortúnio ou
de aselhice, pode ser processado e despedido (e muito bem). Se um de nós se
atrasar a pagar os impostos, por falha ou incapacidade de cumprir as
obrigações, são-nos penhoradas as contas e qualquer dia a própria alma. Sabemos
agora que se um ministro meter os pés pelas mãos e for o primeiro responsável
por um clima de anarquia que semeou o caos em muitas centenas de famílias,
então não só não é demitido como se continuará a passear em sorrisos e novas
promessas.
É
grave. Não por achar que os problemas do país se resolvem com quedas de
ministros ou do governo; os executivos devem governar até ao fim das
legislaturas. Mas por concluir que vários políticos têm uma noção pobre do que
é a responsabilidade. Quando o primeiro-ministro, a propósito do caso
Tecnoforma, afirmou no parlamento que não levantava o sigilo bancário porque
isso seria fazer a vontade voyeurista aos jornalistas, está tudo dito. Outra
vez os jornalistas como ameaça; outra vez o quem não está connosco está contra
nós. A política como barricada. Onde as notícias, quando não nos favorecem, são
habilidades para entreter o público das novelas.
O
que Passos Coelho deveria ter dito era outra coisa: não mostro as minhas contas
porque se o fizesse teria de me demitir pois nenhum primeiro-ministro pode
abrir a sua intimidade sem perda da autoridade que lhe é necessária para
governar. Dizê-lo de uma penada e sem pontuação. Concordaria em absoluto.
Por
isso não é de estranhar que Crato não seja demitido. Acontecerá apenas quando a
situação estiver normalizada. Só depois, e seguramente “a pedido” do ministro,
se encontrará uma maneira de sair sem perder a face. Na literatura, como na
vida, disse-me um dia António Lobo Antunes (que desejo ganhe hoje o Nobel),
temos de procurar a simplicidade, o mais difícil. “Estou farto dos que escrevem
e deixam tudo à mostra, os pregos, o martelo e tudo o resto. Fazem isso para
mostrar o quanto são talentosos.” Veio-me à cabeça a frase porque Crato é um
prego que Passos deixou no meio do nosso caminho. Para mostrar quem manda. Para
mostrar que é um homem de coragem, o homem de quem, no fim de contas, o país
continua a precisar para o futuro. O que não deve e não teme, venha quem vier.
Porém, nesta altura das nossas vidas, e da vida política do primeiro-ministro,
a prioridade deveria ser a competência. A que nos exige a nós quando nos pede
que sejamos mais produtivos, sérios e trabalhadores.
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