José
Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião
Se
os compromissos com os credores fossem mesmo para cumprir - como tanto sublinha
quem nos governa - os trabalhadores portugueses já deviam receber 500 euros de
salário mínimo desde 2011. Foi esse o compromisso assumido pelo governo
português de então, mas a verdade é que, por estas e por aquelas, nem ele nem o
seu sucessor alguma vez o honraram. Sócrates invocou como desculpa a crise que
então estalava. E Passos Coelho radicalizou o argumento com fanatismo
ideológico: em março de 2013 afirmava que "elevar, nesta altura, o salário
mínimo nacional em Portugal seria criar um sobrecusto para as empresas e,
portanto, criar mais uma barreira para o emprego", pelo que "a medida
mais sensata que se pode tomar é exatamente a oposta".
Passaram
três anos. E na mesma semana em que ficámos a saber que a família Espírito
Santo recebeu cinco milhões de euros de comissões do negócio dos submarinos, o
governo fez soar trombetas sobre a sua extrema generosidade e o seu
apuradíssimo sentido social e aumentou o salário mínimo líquido em 17 euros.
Com mais de três anos de atraso. Mas quando não há mais nada para mostrar em
ano de eleições - o mito da retoma é cada vez mais isso mesmo, mero mito, e o
incumprimento das metas anunciadas para o défice torna-o ainda mais penalizador
-, renegar a demonização anterior é o menor dos males.
Ora,
com esta subida do salário mínimo, o governo menorizou danos políticos próprios
e danos económicos alheios. Do patronato, só podia. Associar a subida do
salário mínimo à redução da parte dos patrões na taxa social única é, na
verdade, um sinal político de grande importância: o governo mostra
inflexibilidade no propósito de não reequilibrar minimamente o que
desequilibrou maximamente - a distribuição de rendimento entre o trabalho e o
capital. Esta redução dos encargos dos patrões como contrapartida de um aumento
indigno de um salário mínimo indigno configura uma negociata política indigna. Foi negociata, sim. Para obter os seus dividendos políticos, o governo nem se
importou de reduzir a concertação social a uma caricatura de si própria, com a
cumplicidade da prestável UGT. Sempre lesto a revelar os segredos que o poder
quer que sejam do domínio público, Marques Mendes confidenciou a centenas de
milhares de portugueses que tudo se resumiu a um acordo trabalhado num
"encontro privado, com muito sigilo" entre Passos e o presidente da
UGT. Concertação coisa nenhuma - com este negócio à sorrelfa, as profissões de
fé do PSD e do CDS nas virtudes do diálogo social mostraram o que realmente
valem.
A
única entidade verdadeiramente sincera e transparente em todo este processo foi
a Comissão Europeia, justiça lhe seja. A ousadia de subir (mesmo sem calendário
definido...) um dos salários mínimos nacionais mais baixos da União Europeia
fez soar as campainhas de alarme em Bruxelas. Que não, que é perigoso, que só se não
houver subida geral da massa salarial, que nem pensar em dar sinais errados ao
povo porque a correção do défice é que é. Pois. Em nome do que não aconteceu
nem vai acontecer, a Comissão põe o governo em sentido e ameaça-o com castigo
se lhe ocorrer lembrar-se dos pobres. É por estas e por outras que ninguém quer
ser amigo da troika e que mesmo os seus mais zelosos servidores, como Carlos
Moedas, juram a pés juntos que sempre acharam que aquilo não era gente de fiar
e que as discordâncias foram tantas, que nem se lembram de quantas foram ao
certo.
Há,
todavia, algo nisto tudo que não deixa de me causar perplexidade: tanto
segredo, tanta engenharia financeira, tanto alarme só por 17 euros a mais no
bolso de um pobre?
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