domingo, 30 de novembro de 2014

Angola: UM ANO DEPOIS… TAMBÉM NÓS SOMOS GANGA



Folha 8 Digital, 29 novembro 2014

Manuel Hil­berto de Carvalho, “Ganga”, angola­no, jovem militante e dirigente da CASA-CE, foi assassinado há um ano. Quem disparou fo­ram elementos da Guar­da Presidencial. No dia 12 de Dezembro de 2013 foi apresentada a respec­tiva queixa na DNIAP e na PGR. É este o país que a maioria não quer mas que uma minoria mantém acorrentado dentro do cárcere do regime.

Assim sendo, ninguém foi nem será detido e o caso continua no âmbito das supostas averiguações policiais. As autoridades procuram ainda o can­deeiro que encandeou o autor dos tiros, originando assim que o tiro para o ar acertasse em cheio na ví­tima.

Nesse fatídico dia, “Gan­ga” (um angolano de alma e coração) colava cartazes anti-Governo no âmbi­to de uma manifestação contra a repressão e em repúdio pelas violações sistemáticas dos direitos humanos por parte do regime. Foi um crime de lesa-majestade punível, como se verificou, com a pena de morte imediata e sem julgamento. Tudo a bem da casta superior que dirige o nosso (mais deles do que nosso, é por enquanto certo) país.

Julgando-se iguais aos restantes angolanos, os jo­vens que colavam cartazes foram diplomaticamente abordados pelos serviçais da Guarda Presidencial que se apresentaram ar­mados até aos dentes e os convidaram a subir, com a sua ajuda – como é óbvio, para as viaturas de servi­ço. As testemunhas deste civilizado acto de cidada­nia e de respeito integral pelos direitos humanos dizem que os guardas pro­feriram “palavras agressi­vas e ameaças de morte”. Nada de mais errado. Eles limitaram-se a um cordial “sejam bem-vindos a bor­do das nossas viaturas”.

A marcha, quase com ca­racterísticas nupciais, não foi bem interpretada pelo “Ganga” que, desconfia­do com tanta cordialida­de que quase roçava uma declaração de amor, não compreendeu que a che­gada ao perímetro do Pa­lácio Presidencial visava uma recepção democráti­ca por parte do Presiden­te. Vai daí, “Ganga” tentou fugir. Chateados, os ho­mens do Presidente dis­pararam para o ar mas as balas, teimosas, acabaram por o assassinar.

Até agora, seguindo a tra­dição regime(ntal), nin­guém foi responsabiliza­do. Tanto quanto se crê, a culpa é apenas das balas que desobedeceram e em vez de irem para o ar fo­ram direitinhas ao corpo do “Ganga”.

“Ganga” foi fisicamente assassinado. No entanto, os seus carrascos (os que dispararam e os que os autorizam a disparar) não conseguiram matar a sua alma e o seu espírito de resistência. Ele é, aliás, o “patrono da juventude pa­triótica de Angola”.

A Procuradoria-Geral da República garante que continua a investigar a morte de “Ganga”. Talvez um dia destes descubram uma zungueira para cul­par. Aliás, para o regime o importante é matar os opositores. O resto é tudo uma questão de formalida­des. Se for preciso arranjar bodes expiatórios, eles se­rão fabricados e punidos. E é por isso que o jorna­lista Ricardo de Melo foi morto, tal como Nfulum­pinga Landu Victor, líder do PDP-ANA.

A guarda do Presidente é que matou, obviamente são os guardas do Presi­dente da República que podem matar. Mas é o Presidente que dá ordens. Ou não?

Na altura, segundo o por­ta-voz do Comando Ge­ral da Polícia Nacional do MPLA (que alguns de nós teimam, ingenuamente, em dizer que é de Angola), Aristófanes dos Santos, o grupo, do qual “Gan­ga” fazia parte “foi detido quando procedia à afixa­ção indevida de cartazes de propaganda subversi­va de carácter ofensivo e injurioso ao Estado e aos seus dirigentes, tendo os mesmos sido prontamen­te neutralizados por uma patrulha da Guarnição do Palácio Presidencial, resul­tando na sua detenção”.

Simples. Se alguém, que não seja do regime, foge é porque está compro­metido com um golpe de Estado e, por isso, é aba­tido. Se não foge, é preso, torturado e encaminhado para a cadeia de segurança mais do que máxima, ou seja para a cadeia alimen­tar dos jacarés.


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