Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
A
sequência dos fatores mais relevantes dos negócios da PT Portugal, no seu
percurso recente é esta: em 2010,
a PT vendeu a sua participação na Vivo à Telefónica por
7,5 mil milhões de euros (as mais-valias não pagaram quaisquer impostos) e
comprou 23% da Oi por 3,75 mil milhões, movimentando, nestas duas operações,
11,25 mil milhões e tendo a PT ficado com um excedente de 3,74 mil milhões;
após esses negócios a PT pagou ao Estado português 1,8 mil milhões de euros
para concretizar a transferência de pensões da empresa para a Caixa Geral de
Aposentações, transportando o encargo futuro para o Estado e permitindo
contabilizar no Orçamento do Estado (OE) uma receita extraordinária; o
remanescente (1,95 mil milhões), no fundamental foi utilizado para entregar dividendos
aos acionistas, processo que se acentuou e levou a PT a contrair empréstimos,
tendo hoje uma dívida de 6,5 mil milhões de euros.
Hoje
conhecem-se as profundas ligações do grupo GES/BES à PT e tornou-se claro que a
PT funcionou em momentos cruciais como uma espécie de caixa de tesouraria do
grupo. Para satisfazer os outros acionistas de relevo, era preciso alimentá-los
e foi isso que a gestão de Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e C.ª fizeram.
Os
acionistas, os atores do "mercado" que jogam com estes negócios e os
exploradores da especulação financeira tinham, pois, fortíssimas razões para
eleger Zeinal Bava como "o melhor gestor". Mas o verdadeiro gestor
era o grupo GES/BES. A administração Bava e C.ª apenas credibilizava e
completava as operações do(s) grande(s) acionista(s). Em cada negócio houve
explicações técnicas (e políticas) que os anunciaram como as melhores opções
para o futuro da PT e do país. Entretanto, se um dia se fizer um sério combate
à corrupção, talvez se venha a constatar que todos estes negócios também
tiveram outros "pequenos" beneficiários.
É
claro que a PT era (e é) muito mais que uma plataforma de negócios, teve um
importantíssimo papel no país, dispôs e dispõe, no plano técnico, de
extraordinários trabalhadores e gestores. Agora, Zeinal Bava - que continua,
até fevereiro, com escritório e apoios vários - foi dispensado com direito a um
"subsídio de desemprego" de 150 mil euros por mês, durante 3 anos. Se
um trabalhador comum prevarica, leva (e bem) com um processo e é despedido sem
proteção. Estes privilegiados fazem-se remunerar principescamente, praticam
atos de criminosa gestão e ainda recebem indemnização de milhões.
Em
Portugal ouvimos todos os dias loas bacocas às superiores qualidades da gestão
privada e é forte a inculcação da tese de que os gestores privados têm o
direito a decidir como muito bem entenderem sobre a forma de obter lucros e de
os distribuir. Nada de mais errado: no sistema político em que vivemos, uma
empresa privada (e ainda mais grandes grupos económico-financeiros) é uma
organização da sociedade. As suas opções e decisões afetam todos. Por isso é
que é indispensável a presença do Estado em setores estratégicos, há
necessidade de cumprimento das leis e de regulação efetiva, de princípios
éticos na gestão.
A
PT é uma realidade demasiado importante para não ser sujeita a análise sólida
do seu percurso e do seu papel (1) . É uma empresa herdeira de todo o plano de
comunicações e telecomunicações em Portugal e os governos, hoje como no
passado, têm de intervir no seu destino. A Assembleia da República pode e deve
ser ativa neste processo. Não se pode permitir a destruição ou desmantelamento
do segmento das telecomunicações, desta empresa de excelência, que dispõe de
tecnologias avançadas e serve centenas de milhares de empresas e milhões de
portugueses, que emprega 36 mil trabalhadores com relação direta ou em regime
de outsourcing. O seu contributo para a economia nacional, as receitas, desde
logo fiscais, que ali têm origem e alimentam o OE são enormes e não podem ser
desbaratadas.
Aos
trabalhadores da PT, ativos e não ativos, não posso deixar de colocar um
desafio: façam toda a ação e intervenção interna e pública que salvaguarde o
vosso emprego e ajudem à consciencialização e mobilização dos portugueses para se
evitar maiores desastres.
(1)
Sobre a evolução do setor e da empresa escrevi umas dezenas de páginas na minha
tese de doutoramento.
Na
foto: Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro (PT), Zeinal Bava (PT)
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