Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
Estamos
colocados perante um problema: ser a favor ou contra Sócrates. E dessa escolha
vêm as consequências seguintes - achar a Justiça excessiva ou exemplar, achar o
PS um antro de corrupção ou, pelo contrário, pensar-se que há corruptos em
muitos partidos mas não são todos iguais. A vida não é a preto e branco apenas
mas uma coisa é certa: só por este abanão a sociedade portuguesa já ganhou
algo. Obviamente, seria trágico se isso fosse feito à custa de um homem
inocente. Mas agora já é irreversível.
Qualquer
jornalista ligado à economia ou à política esperava por um dia assim: o dia em
que as histórias de bastidores, tantas vezes ouvidas, tinham finalmente provas
judiciais e um grande político ia preso. Desde os escândalos PS em Macau que o
financiamento partidário se supunha como uma área escaldante. Mas na verdade
nunca se sabia ao certo se o dinheiro também tinha ficado nos decisores, se cá
ou na Suíça, suscitado por este ou aquele contrato, favor, lei, etc... E as
provas eram impossíveis de obter por jornalistas.
Se
Sócrates realmente enriqueceu à custa de empreitadas ou outras angariações
públicas com "luvas", uma coisa é absolutamente certa: não foi o
primeiro. O flagrante caso dos submarinos é gritante no que diz respeito a
luvas pagas - como se sabe pelas informações decorrentes do caso Espírito
Santo. Inúmeros casos suspeitos vão surgir agora à luz do dia porque talvez se
passe a acreditar que alguém na Justiça quer saber. E ou Sócrates está
absolutamente limpo ou o novelo vai ser longo. Até porque as opções do
socratismo eram, em certos casos, de bradar aos céus. Por exemplo, o projeto do
aeroporto da Ota - que só um milagre conseguiu parar. Já o escandalosíssimo
Plano Nacional de Barragens, onde a EDP levou a fatia de leão e comprou ao
Estado por "tuta e meia" 10 licenças de instalações de
hidroelétricas, não tem retorno. Em consequência, vamos pagar estas "scut
da energia" através de contratos que nos condicionarão ao aumento da
tarifa energética de Portugal nas próximas décadas.
Arrepia
por isso no caso Sócrates a lista imensa de obras realizadas pelo seu Governo,
que, agora, serão vistas à lupa. Eram mesmo para o "bem comum"?
Voltemos
ao caso Freeport. Afirmo hoje o que disse há três anos (está gravado): um
ministro do Ambiente que assina no último dia de funções uma muito polémica
autorização para instalação de um empreendimento em zona ambientalmente
protegida, não é um bom ministro do Ambiente. Se fosse o ministro da Economia a
fazê-lo talvez compreendesse melhor. Agora, ser o ministro a quem compete a
defesa do Ambiente a apressar a obra, é incompreensível. Ainda por cima, já
havia um novo ministro escolhido pós-eleições, com maior legitimidade
democrática, e que poderia tomar ou não essa decisão. Qual a urgência?
Registe-se em sua defesa, no entanto, que de nada foi alguma vez Sócrates
acusado.
O
mesmo se passou com as obras da Parque Escolar (e outras). Em 2009, ano
eleitoral, poucas vozes criticaram a construção de novas escolas (estávamos na
fase em que a União Europeia tinha dado ordem para "investir" sem
olhar ao défice). Pessoalmente era contra. Duas razões: tratava-se de
adjudicações diretas; considerava um esforço na criação de uma linha de bitola
europeia ferroviária que nos tirasse as exportações por menos custo. O resultado
está à vista: a Parque Escolar tornou-se, em meia dúzia de anos, numa das
empresas públicas mais endividadas - mais de mil milhões. Pior: muitas das
escolas tiveram gastos faraónicos e hoje não têm dinheiro para pagar as várias
faturas.
Aqui
chegados: quem não gosta de Sócrates é porque apoia Passos ou Portas? Não
necessariamente. Depois da brutal dívida acumulada, não basta ir gerindo a
pobreza. É preciso mais que isso. Mas a questão essencial é a de que não sei se
os portugueses não suspiram cada vez mais pelo estilo político de Salazar. Ou
seja, se os argumentos das contas certas de Passos (ou, noutra versão, de Rui
Rio) não são exatamente aquilo que a nossa menoridade enquanto país afinal
deseja. Pequeninos e remediadinhos, no nosso cantinho, sem tentações ou ambições.
O fado português.
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