Queda
do PIB e esgotamento das políticas de transferência de renda seriam principais
causas da desaceleração. Para avançar, combate à pobreza deve ser multidimensional,
aconselham especialistas.
A
diminuição da miséria no Brasil deve ficar mais lenta e pode até mesmo
estagnar, avaliam especialistas. O processo é considerado natural, após um
avanço expressivo na redução da pobreza nos anos 2000.
Estudiosos
alertam, entretanto, que a queda do PIB – que deve ser de 0,2% em 2014, segundo
projeções do Banco Central – já prejudica o combate à miséria. Há divergências
sobre como lidar com esse novo cenário. Para alguns analistas, é preciso
intensificar os atuais programas de distribuição de renda, como o Bolsa
Família, enquanto outros apontam que esse modelo já mostra sinais de
esgotamento.
No
início do mês, pela primeira vez em dez anos dados do IPEA indicaram um aumento
de indigentes. O número passou de 10,08 milhões em 2012, para 10,45 milhões em
2013.
Fica
abaixo da linha da pobreza extrema quem não tem condições de comprar uma cesta
mínima de alimentos, com as calorias necessárias para a nutrição, segundo
recomendações da Organização da Agricultura e Alimentos (FAO, na sigla em
inglês) e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O
aumento, de apenas 3,7%, não é expressivo e não significa uma tendência,
segundo os estudiosos ouvidos pela DW Brasil. Entretanto, o dado foi recebido
com duras críticas, porque a redução da miséria é uma das bandeiras do PT,
presente na campanha de Dilma Rousseff à reeleição.
Em
relação à pobreza, o resultado foi positivo: o número de afetados caiu de 30,3
milhões para 28,6 milhões. A linha de corte, nesse caso, é o dobro da renda
familiar per capita usada para definir a miséria.
Desaceleração
Apesar
do dado do IPEA não representar um crescimento da pobreza extrema,
especialistas apontam uma tendência de desaceleração do combate à miséria.
"Entre
2004 e 2011, houve uma diminuição muito significativa da pobreza. Claramente,
entre 2011 e 2013, esse ritmo de redução caiu. Neste caso, já se trata de uma
série de três observações. Então houve uma mudança de comportamento, mas o
ponto critico é 2011, não 2013", explica o economista Rodolfo Hoffmann, da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP.
A
pesquisadora Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade
(IETS), concorda que a redução da miséria tende a ficar cada vez mais lenta.
Segundo estimativas da economista, baseadas em números da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), a proporção de indigentes era de 4,11% em 2012.
Em 2013, passou para 4,74%.
"Esse
patamar já é baixo, de modo que fica cada vez mais difícil realizar reduções
adicionais. Não acredito em retrocessos importantes, mas em flutuações em torno
de 4% e 5%", estima Rocha.
Por
isso, o professor de economia da Unicamp e ex-presidente do IPEA Marcio
Pochmann defende que haja um conceito similar ao de pleno emprego para definir
a situação de um país em relação à pobreza.
"Se
a taxa de desemprego está abaixo de 3% da população economicamente ativa, o
país está em pleno emprego, mesmo que ainda haja pessoas desempregadas. Da
mesma forma, pode-se dizer que o país eliminou a miséria, porque a quantidade
de miseráveis é muito pequena em relação ao conjunto da população", diz
Pochmann, que também já foi candidato a prefeito de Campinas pelo PT.
Rincões
de pobreza
Apesar
do avanço no combate à miséria nos anos 2000, existem ainda rincões de pobreza,
onde a falta de informação e até mesmo de documentos básicos inibem a inclusão
em programas públicos.
"As
famílias com menos escolaridade, em lugares longínquos, muitas vezes não têm
condições de procurar a assistente social do município. Então permanece um
resíduo de pobreza que não é alcançado pelos programas do governo. Isso é mais
ou menos esperado", aponta Rodolfo Hoffmann.
O
economista recomenda aumentar a capilaridade do Bolsa Família, investindo mais
no trabalho de assistência social das prefeituras. Segundo Rosalina Santa Cruz,
coordenadora do núcleo de estudos de pobreza e desigualdade do Serviço Social
da PUC-SP, esse problema já está sendo corrigido pelo governo, através de um
método de "busca ativa".
Nesse
sistema, o próprio técnico da secretaria de assistência social vai até os
lugares mais afastados para registrar novos beneficiários do programa.
Esgotamento
do Bolsa Família
Para
os especialistas, programas de transferência de renda, aliados a um aumento
real do salário mínimo, foram e são extremamente importantes para a redução da
pobreza. Além de eficientes, são considerados de baixo custo para o orçamento.
"O
salário mínimo real mais do que dobrou desde 1995, e a desigualdade da
distribuição de renda no Brasil diminuiu. Isso se intensificou em 2001, com os
programas de transferência de renda", aponta Hoffmann.
Em
2013, segundo o IPEA, os gastos com o Bolsa Família e o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) equivaliam a 1% do PIB. Os retornos dos programas, entretanto,
eram maiores. Para um real gasto com o Bolsa Família, por exemplo, 1,78 real
era adicionado ao PIB.
Apesar
do sucesso, muitos especialistas admitem que tais métodos não produzem mais os
mesmos efeitos e devem ser aperfeiçoados ou complementados por outros
programas. Fala-se em um esgotamento das políticas atuais de distribuição de
renda.
Segundo
Rocha, a proporção de miseráveis passou a depender principalmente da conjuntura
econômica, já que o Bolsa Família teria praticamente atingido uma cobertura
universal da sua população alvo.
"Os
programas de transferência de renda já atingiram o seu limite, tanto em termos
de população atendida, como no valor do dispêndio", afirma ela. Rocha
defende apenas alguns ajustes, como uma redução do gasto com o BPC, em favor de
um aumento no Bolsa Família.
Rosalina
Santa Cruz aposta numa expansão do programa. Segundo ela, o valor do beneficio
é muito baixo e não permite retirar uma pessoa da pobreza. "A não ser em
municípios pequenos, em que o beneficiário cria pequenos negócios e passa a
pertencer à sociedade. Aí sim, há uma mudança de status. Nas metrópoles, isso
não acontece, só quando é combinado a outros programas, como o Minha Casa,
Minha Vida, que permitem uma ascensão social maior", explica.
Pobreza
multidimensional
Os
especialistas destacam que a pobreza não se resume à questão da renda, mas
inclui acesso a direitos, bens e serviços básicos. Neste caso, os números da
PNAD costumam ser favoráveis.
"Esses
indicadores têm progredido. Eletricidade e saneamento básico, por exemplo,
melhoraram e são dados mais estáveis. A renda é uma variável mais difícil de
ser medida mesmo", ressalta Hoffmann.
Para
dar conta dessa natureza multidimensional, o governo anunciou recentemente que
vai usar uma nova forma de medir a pobreza. A metodologia, criada pelo Banco
Mundial, combina a renda com componentes não monetários, como frequência
escolar infantil, tempo de escolaridade, saneamento básico e água de qualidade,
eletricidade, condições de moradia e acesso a bens como celulares,
eletrodomésticos e computadores.
O
novo parâmetro não significa uma mudança nos critérios de seleção do Bolsa
Família, baseados apenas na renda. O programa estabelece a linha de miséria em
77 reais mensais per capita e a da pobreza, 154 reais.
Rosalina
Santa Cruz defende a combinação dos programas de renda com outros, que combatam
a pobreza de forma multidimensional. "O Bolsa Família é um programa
emergencial, não exclui a necessidade de aumentar a qualidade dos serviços
públicos", ressalta.
Interpretação
dos dados
Segundo
Hoffmann, da USP, os dados atuais da PNAD ainda não refletem inteiramente a
queda no PIB. Ele alerta que, na verdade, a redução da miséria não apenas
desacelerou, mas estagnou.
Na
pesquisa, a renda, informada pelas próprias pessoas, não é checada. Os números
costumam ser próximos do real, mas os estudiosos advertem que a autodeclaração
não é confiável nos extremos da população, ou seja, entre os muito pobres ou
muito ricos.
Hoffmann
explica que sempre há um grau de sub-declaração na PNAD, que tende a se manter
constante. Nos últimos anos, entretanto, essa proporção diminuiu, defende o
economista. Isso daria a impressão de que a renda dos brasileiros aumentou,
quando, na realidade, apenas está mais próxima do valor correto.
"De
2011 para 2013, a
renda da PNAD cresceu substancialmente, mas o PIB per capita cresceu muito
menos. Isto é: provavelmente a PNAD ainda é um retrato benevolente do que
aconteceu nos últimos três anos."
Por
outro lado, Marcio Pochmann propõe uma interpretação diferente dos dados. Ele
afirma que, para diferentes parâmetros de pobreza, os resultados são muito
positivos. "Nas minhas pesquisas, eu uso como linha de pobreza extrema um
quarto de salário mínimo per capita familiar; e para pobreza absoluta, meio
salário mínimo. Com esses dados, não há aumento na pobreza extrema, nem na
pobreza absoluta", argumenta.
Marina
Estarque – Deutsche Welle
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