sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Redução da miséria no Brasil tende a perder força, afirmam estudiosos




Queda do PIB e esgotamento das políticas de transferência de renda seriam principais causas da desaceleração. Para avançar, combate à pobreza deve ser multidimensional, aconselham especialistas.

A diminuição da miséria no Brasil deve ficar mais lenta e pode até mesmo estagnar, avaliam especialistas. O processo é considerado natural, após um avanço expressivo na redução da pobreza nos anos 2000.

Estudiosos alertam, entretanto, que a queda do PIB – que deve ser de 0,2% em 2014, segundo projeções do Banco Central – já prejudica o combate à miséria. Há divergências sobre como lidar com esse novo cenário. Para alguns analistas, é preciso intensificar os atuais programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, enquanto outros apontam que esse modelo já mostra sinais de esgotamento.

No início do mês, pela primeira vez em dez anos dados do IPEA indicaram um aumento de indigentes. O número passou de 10,08 milhões em 2012, para 10,45 milhões em 2013.

Fica abaixo da linha da pobreza extrema quem não tem condições de comprar uma cesta mínima de alimentos, com as calorias necessárias para a nutrição, segundo recomendações da Organização da Agricultura e Alimentos (FAO, na sigla em inglês) e da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O aumento, de apenas 3,7%, não é expressivo e não significa uma tendência, segundo os estudiosos ouvidos pela DW Brasil. Entretanto, o dado foi recebido com duras críticas, porque a redução da miséria é uma das bandeiras do PT, presente na campanha de Dilma Rousseff à reeleição.

Em relação à pobreza, o resultado foi positivo: o número de afetados caiu de 30,3 milhões para 28,6 milhões. A linha de corte, nesse caso, é o dobro da renda familiar per capita usada para definir a miséria.

Desaceleração

Apesar do dado do IPEA não representar um crescimento da pobreza extrema, especialistas apontam uma tendência de desaceleração do combate à miséria.

"Entre 2004 e 2011, houve uma diminuição muito significativa da pobreza. Claramente, entre 2011 e 2013, esse ritmo de redução caiu. Neste caso, já se trata de uma série de três observações. Então houve uma mudança de comportamento, mas o ponto critico é 2011, não 2013", explica o economista Rodolfo Hoffmann, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP.

A pesquisadora Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), concorda que a redução da miséria tende a ficar cada vez mais lenta. Segundo estimativas da economista, baseadas em números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a proporção de indigentes era de 4,11% em 2012. Em 2013, passou para 4,74%.

"Esse patamar já é baixo, de modo que fica cada vez mais difícil realizar reduções adicionais. Não acredito em retrocessos importantes, mas em flutuações em torno de 4% e 5%", estima Rocha.

Por isso, o professor de economia da Unicamp e ex-presidente do IPEA Marcio Pochmann defende que haja um conceito similar ao de pleno emprego para definir a situação de um país em relação à pobreza.

"Se a taxa de desemprego está abaixo de 3% da população economicamente ativa, o país está em pleno emprego, mesmo que ainda haja pessoas desempregadas. Da mesma forma, pode-se dizer que o país eliminou a miséria, porque a quantidade de miseráveis é muito pequena em relação ao conjunto da população", diz Pochmann, que também já foi candidato a prefeito de Campinas pelo PT.

Rincões de pobreza

Apesar do avanço no combate à miséria nos anos 2000, existem ainda rincões de pobreza, onde a falta de informação e até mesmo de documentos básicos inibem a inclusão em programas públicos.

"As famílias com menos escolaridade, em lugares longínquos, muitas vezes não têm condições de procurar a assistente social do município. Então permanece um resíduo de pobreza que não é alcançado pelos programas do governo. Isso é mais ou menos esperado", aponta Rodolfo Hoffmann.

O economista recomenda aumentar a capilaridade do Bolsa Família, investindo mais no trabalho de assistência social das prefeituras. Segundo Rosalina Santa Cruz, coordenadora do núcleo de estudos de pobreza e desigualdade do Serviço Social da PUC-SP, esse problema já está sendo corrigido pelo governo, através de um método de "busca ativa".

Nesse sistema, o próprio técnico da secretaria de assistência social vai até os lugares mais afastados para registrar novos beneficiários do programa.

Esgotamento do Bolsa Família

Para os especialistas, programas de transferência de renda, aliados a um aumento real do salário mínimo, foram e são extremamente importantes para a redução da pobreza. Além de eficientes, são considerados de baixo custo para o orçamento.

"O salário mínimo real mais do que dobrou desde 1995, e a desigualdade da distribuição de renda no Brasil diminuiu. Isso se intensificou em 2001, com os programas de transferência de renda", aponta Hoffmann.

Em 2013, segundo o IPEA, os gastos com o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) equivaliam a 1% do PIB. Os retornos dos programas, entretanto, eram maiores. Para um real gasto com o Bolsa Família, por exemplo, 1,78 real era adicionado ao PIB.

Apesar do sucesso, muitos especialistas admitem que tais métodos não produzem mais os mesmos efeitos e devem ser aperfeiçoados ou complementados por outros programas. Fala-se em um esgotamento das políticas atuais de distribuição de renda.

Segundo Rocha, a proporção de miseráveis passou a depender principalmente da conjuntura econômica, já que o Bolsa Família teria praticamente atingido uma cobertura universal da sua população alvo.

"Os programas de transferência de renda já atingiram o seu limite, tanto em termos de população atendida, como no valor do dispêndio", afirma ela. Rocha defende apenas alguns ajustes, como uma redução do gasto com o BPC, em favor de um aumento no Bolsa Família.

Rosalina Santa Cruz aposta numa expansão do programa. Segundo ela, o valor do beneficio é muito baixo e não permite retirar uma pessoa da pobreza. "A não ser em municípios pequenos, em que o beneficiário cria pequenos negócios e passa a pertencer à sociedade. Aí sim, há uma mudança de status. Nas metrópoles, isso não acontece, só quando é combinado a outros programas, como o Minha Casa, Minha Vida, que permitem uma ascensão social maior", explica.

Pobreza multidimensional

Os especialistas destacam que a pobreza não se resume à questão da renda, mas inclui acesso a direitos, bens e serviços básicos. Neste caso, os números da PNAD costumam ser favoráveis.

"Esses indicadores têm progredido. Eletricidade e saneamento básico, por exemplo, melhoraram e são dados mais estáveis. A renda é uma variável mais difícil de ser medida mesmo", ressalta Hoffmann.

Para dar conta dessa natureza multidimensional, o governo anunciou recentemente que vai usar uma nova forma de medir a pobreza. A metodologia, criada pelo Banco Mundial, combina a renda com componentes não monetários, como frequência escolar infantil, tempo de escolaridade, saneamento básico e água de qualidade, eletricidade, condições de moradia e acesso a bens como celulares, eletrodomésticos e computadores.

O novo parâmetro não significa uma mudança nos critérios de seleção do Bolsa Família, baseados apenas na renda. O programa estabelece a linha de miséria em 77 reais mensais per capita e a da pobreza, 154 reais.

Rosalina Santa Cruz defende a combinação dos programas de renda com outros, que combatam a pobreza de forma multidimensional. "O Bolsa Família é um programa emergencial, não exclui a necessidade de aumentar a qualidade dos serviços públicos", ressalta.

Interpretação dos dados

Segundo Hoffmann, da USP, os dados atuais da PNAD ainda não refletem inteiramente a queda no PIB. Ele alerta que, na verdade, a redução da miséria não apenas desacelerou, mas estagnou.

Na pesquisa, a renda, informada pelas próprias pessoas, não é checada. Os números costumam ser próximos do real, mas os estudiosos advertem que a autodeclaração não é confiável nos extremos da população, ou seja, entre os muito pobres ou muito ricos.

Hoffmann explica que sempre há um grau de sub-declaração na PNAD, que tende a se manter constante. Nos últimos anos, entretanto, essa proporção diminuiu, defende o economista. Isso daria a impressão de que a renda dos brasileiros aumentou, quando, na realidade, apenas está mais próxima do valor correto.

"De 2011 para 2013, a renda da PNAD cresceu substancialmente, mas o PIB per capita cresceu muito menos. Isto é: provavelmente a PNAD ainda é um retrato benevolente do que aconteceu nos últimos três anos."

Por outro lado, Marcio Pochmann propõe uma interpretação diferente dos dados. Ele afirma que, para diferentes parâmetros de pobreza, os resultados são muito positivos. "Nas minhas pesquisas, eu uso como linha de pobreza extrema um quarto de salário mínimo per capita familiar; e para pobreza absoluta, meio salário mínimo. Com esses dados, não há aumento na pobreza extrema, nem na pobreza absoluta", argumenta.

Marina Estarque – Deutsche Welle

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