Ao
mudar o relacionamento com a ilha, o presidente dos EUA reforça seu legado e
amplia as chances do candidato democrata em 2016
José Antonio
Lima - Carta Maior
Ao
anunciar o restabelecimento de contatos diplomáticos com Cuba na quarta-feira
17, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, realizou uma jogada de
mestre. Cuidadosamente preparada por 18 meses de negociações secretas, a
guinada histórica da Casa Branca, que tem como objetivo o fim do embargo
imposto à Ilha em 1963, melhora a percepção externa dos EUA na América Latina,
coloca no legado de Obama mais um fato positivo e pavimenta o caminho para o
candidato democrata em 2016 obter vantagem significativa no cada vez mais
importante eleitorado hispânico nos EUA.
No
discurso em que justificou a mudança de paradigma no relacionamento com Cuba,
Obama expressou argumentos usados há pelo menos duas décadas e meia pela
esquerda democrática latino-americana e por pessoas de bom senso em geral. Obama
classificou o embargo como parte de uma “abordagem antiquada”, que “falhou”, e
lembrou as relações de Washington com a China, governada há décadas por um
Partido Comunista, como Cuba. “Esses 50 anos mostraram que o isolamento não
funciona. É hora de uma nova abordagem”, afirmou.
Ao
mudar a política para Cuba, Obama reconheceu o óbvio. As restrições impostas à
ilha são mais prejudiciais à população do que ao regime castrista. Por isso,
negócios, investimentos e transações financeiras com Cuba serão facilitados,
assim como a obtenção de equipamentos eletrônicos, o que certamente ampliará o
acesso à internet no país caribenho, hoje precário. A intenção é integrar Cuba
à comunidade internacional e, a partir daí, renovar os apelos por mais
liberdade aos cidadãos. “Estou convencido de que por meio de uma política de
engajamento, podemos mais efetivamente defender nossos valores e ajudar o povo
cubano a ajudar a si próprio na entrada do século 21” , disse Obama.
A
frase pode parecer ingênua, mas é desta forma que Mianmar, por exemplo, tem
realizado mudanças em seu sistema político. Ao abandonar a estratégia do
isolamento, um entulho da Guerra Fria, e abrir a possibilidade do diálogo,
Obama dá um passo civilizatório e demonstra que os relacionamentos dos Estados
Unidos na América Latina não precisam mais ser feitos sob a ponta das armas,
mas por meios diplomáticos. O alívio no tratamento dispensado a Cuba era um
pleito antigo da imensa maioria dos países latinos e, não à toa, a decisão de
Washington foi tão bem recebida por líderes regionais.
Nos
próximos dois anos de Obama na Casa Branca, o anúncio feito neste 17 de
dezembro pode servir de incentivo para um diálogo interamericano mais
auspicioso. Não foi à toa que Obama lembrou de Miami em seu discurso, cidade
que, segundo ele, representa a “abertura dos EUA a nossa família no sul” e
emendou, em castelhano: “Todos somos americanos”.
Cabe
lembrar, também, que a decisão de mudar as relações com Cuba é uma promessa de
campanha de Obama, feita em 2009. Em janeiro, quando Carta Capital defendeu a participação do Brasil na construção do porto de
Mariel, em Cuba, não se tratou de uma premonição ou palpite, mas de uma
análise baseada nos abundantes sinais de que o presidente dos Estados
Unidos desejava cumprir essa promessa, o que abriria uma possibilidade
importante de negócios para o Brasil. Os indícios iam desde declarações
públicas de Obama até o aperto de mão em Raúl Castro no funeral de Nelson Mandela,
passando pelo relaxamento de restrições ao embargo.
Faltava
a Obama o espaço político para tomar essa decisão, e ele surgiu agora, após o
fim das eleições de meio de mandato para a Câmara e o Senado dos EUA. Sem o
risco de prejudicar seu partido nas urnas, Obama tem tomado decisões firmes em
política externa sem considerar a opinião dos críticos ou a oposição no
Congresso, como no diálogo com o Irã e na questão das mudanças climáticas. Após
seis anos, e diante do desejo de fazer de seu legado na Casa Branca algo
memorável, ficou claro para Obama que nada de bom poderá sair do Legislativo,
um poder sequestrado por interesses privados, dividido de forma irrecuperável e
incapaz de tomar decisões boas para o país. A renovação das relações com Cuba é
uma medida que entra, assim, no rol da contínua conversa com o Irã a respeito
do programa nuclear persa e no acerto histórico com a China sobre a redução das emissões de
gases do efeito estufa. Obama colecionou uma série de erros de política
externa – os drones autorizados por ele continuam matando inocentes, por
exemplo – mas esses três temas, Cuba, Irã e aquecimento global, podem dar a ele
um lugar digno na história norte-americana, assim como o assassinato de Osama
bin Laden.
Por
fim, a mudança nas relações com Cuba é o segundo importante aceno de Obama para
a comunidade latina em menos de um mês, na sequência da reforma migratória que pode regularizar a situação de cerca de
5 milhões de imigrantes ilegais, a maioria hispânicos. Em fevereiro, uma
pesquisa do Atlantic Council mostrou que 56% dos norte-americanos eram
favoráveis a uma mudança nas relações com Cuba, porcentagem que chegava a 62%
na comunidade hispânica nos EUA e a 63% na Flórida, estado com imensa população
latina e decisivo nas eleições presidenciais. Nas eleições presidenciais de
2012, Obama conseguiu uma importante vitória na Flórida e as pesquisas
mostraram que, como a maioria dos jovens norte-americanos, os jovens “cubanos nascidos nos Estados Unidos” votaram em peso em
Obama, fazendo com que a comunidade, historicamente fiel ao Partido
Republicano, desse igual (ou maior, segundo algumas estimativas) número de
votos ao Partido Democrata. Mesmo no condado de Miami-Dade, tradicional bastião
republicano, Obama teve expressivos 47% dos votos. Ao que parece, Obama caminha
para consolidar a impressionante mudança na preferência partidária dos
eleitores cubano-americanos. Em 2002, segundo o Pew Research, esses eleitores
tendiam a votar no Partido Republicano por uma margem de 40 pontos porcentuais,
mas agora os dois partidos praticamente dividem as preferências.
Por
óbvio, há resistência ao anúncio feito por Obama. O senador democrata Robert
Menendez, filho de cubanos, disse que o acordo “fede” e é “uma recompensa ao
totalitarismo de um regime que não a merece”. O senador republicano Marco
Rubio, um católico, criticou até o papa Francisco pela intermediação do diálogo
e prometeu lutar contra as mudanças. “Estou empenhado a fazer tudo o que puder
para desfazer tantas mudanças quanto for possível”, afirmou. A guinada feita
pelo governo Obama, sintonizada com o desejo da maioria da população, deve
acuar esses ferrenhos defensores do isolamento de Cuba a uma posição
constrangedora. Não restam argumentos para manter o isolamento fora da
insensatez anacrônica que caracteriza o anticomunismo, como bem sabem os
brasileiros que precisam aguentar desvarios sobre bolivarianismo e Foro de São
Paulo no debate político nacional. Cada vez mais, ficará claro que os
opositores da normalização no relacionamento com Cuba defendem ideias inúteis e
obsoletas, que precisarão se reciclar para terem espaço na política.
Foto: Doug Mil / AFP
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