sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Portugal: A BATALHA DOS ALTER EGOS DE SÓCRATES



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Sócrates, o presidiário, Sócrates, o filósofo ou Sócrates, o político? A batalha dramática entre os alter egos do ex--primeiro-ministro promete durar. Ainda que a vítima seja sempre a mesma. Na mais recente carta à nação, o antigo primeiro-ministro estende a manta das intenções. E mostra até que ponto está disposto a ir para que lhe façam justiça. Aquela em que ele acredita, pelo menos.

O teor das acusações de que diz ser alvo - não as consubstanciadas em suspeitas de corrupção, fraude fiscal agravada e branqueamento de capitais, mas as outras, do domínio dos juízos de valor - é, no essencial, o mesmo de que se reveste o seu contra-ataque mediático. Sócrates indigna-se mais com a forma como o atacam do que com as alegadas razões que levaram à sua detenção.

Sócrates pode ser inocente. Tem o direito de reclamá-lo. Repetidamente. Mas, como cidadão de pleno direito que diz querer ser, terá de esperar que seja um tribunal a prová--lo. Não pode, como fez na carta-ódio que escreveu da prisão, meter toda a gente no mesmo saco, aludindo a uma maquiavélica conjugação de esforços - dos magistrados aos jornalistas, passando pelos professores de Direito e, até, indiretamente, por alguns camaradas do partido - para o esmagar. Podendo ter a razão do seu lado, começa a esbanjá-la quando deixa que o discernimento que o pode servir se transforme numa vingança que o pode destruir.

A justiça-espetáculo, nesta dupla vertente acusador/acusado, está, paulatinamente, a transformar uma matéria muito séria num jogo de futebol, no que de mais emotivo e maligno ele pode projetar. Perde-se a noção do facto e do direito e cavalga-se a galope num campo minado.

Sócrates vestiu a armadura. Desembainhou a espada. O risco de se transformar num mártir é óbvio: no fim da linha, pode perder a honra. E isso devia preocupá-lo mais.

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