Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Sócrates,
o presidiário, Sócrates, o filósofo ou Sócrates, o político? A batalha
dramática entre os alter egos do ex--primeiro-ministro promete durar. Ainda que
a vítima seja sempre a mesma. Na mais recente carta à nação, o antigo
primeiro-ministro estende a manta das intenções. E mostra até que ponto está
disposto a ir para que lhe façam justiça. Aquela em que ele acredita, pelo
menos.
O
teor das acusações de que diz ser alvo - não as consubstanciadas em suspeitas
de corrupção, fraude fiscal agravada e branqueamento de capitais, mas as
outras, do domínio dos juízos de valor - é, no essencial, o mesmo de que se
reveste o seu contra-ataque mediático. Sócrates indigna-se mais com a forma
como o atacam do que com as alegadas razões que levaram à sua detenção.
Sócrates
pode ser inocente. Tem o direito de reclamá-lo. Repetidamente. Mas, como
cidadão de pleno direito que diz querer ser, terá de esperar que seja um
tribunal a prová--lo. Não pode, como fez na carta-ódio que escreveu da prisão,
meter toda a gente no mesmo saco, aludindo a uma maquiavélica conjugação de
esforços - dos magistrados aos jornalistas, passando pelos professores de Direito
e, até, indiretamente, por alguns camaradas do partido - para o esmagar.
Podendo ter a razão do seu lado, começa a esbanjá-la quando deixa que o
discernimento que o pode servir se transforme numa vingança que o pode
destruir.
A
justiça-espetáculo, nesta dupla vertente acusador/acusado, está,
paulatinamente, a transformar uma matéria muito séria num jogo de futebol, no
que de mais emotivo e maligno ele pode projetar. Perde-se a noção do facto e do
direito e cavalga-se a galope num campo minado.
Sócrates
vestiu a armadura. Desembainhou a espada. O risco de se transformar num mártir
é óbvio: no fim da linha, pode perder a honra. E isso devia preocupá-lo mais.
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