Snowden
revela: espionagem britânica interceptou conversas de centenas de jornalistas e
considera repórteres investigativos “ameaça”. Europa quer ampliar vigilância
sobre internet. Jornais brasileiros calam-se
Antonio
Martins - Outras Palavras
O
serviço secreto da Grã-Bretanha adquiriu poderes para interceptar, a partir de
cabos de fibra ótica, as comunicações mantidas, via internet, por cidadãos de
qualquer nacionalidade. Esta invasão é praticada sem autorização judicial, e
resulta na captura e armazenamento de um enorme volume de informações.
Jornalistas de algumas das publicações mais conhecidas do mundo estiveram entre
os alvos. Estes profissionais – em especial os repórteres investigativos –
“representam uma ameaça potencial à segurança”, segundo documentos de
circulação reservada. Como se fosse pouco, os governos da Grã-Bretanha e de
outros países europeus preparam-se para intensificar medidas de controle e
vigilância social – usando como pretexto o atentado contra o Charlie Hebdo.
Este
conjunto de revelações amedrontadoras foi feito nos últimos dias pelo diário
londrino The Guardian, com
base em documentos vazados por Edward Snowden, ex-agente da CIA hoje perseguido
pelos Estados Unidos e refugiado em Moscou. Houve intensa
repercussão em diversas partes do mundo. Mas a mídia brasileira, que
se diz frequentemente ameaçada de controle estatal, preferiu… omitir o fato de
seus leitores.
Os
novos sinais de que a liberdade de expressão está se tornando algo fictício nas
“democracias ocidentais” surgiram nesta segunda-feira (19/1). Após checar
documentos fornecidos por Snowden, o Guardian confirmou um
“experimento” de espionagem praticado pela principal agência de “inteligência”
britânica,. Batizada com nome orwelliano de Quartel-General de Comunicações do
Governo (GCHQ,
em inglês), ela trabalha em estreita colaboração com a NSA (Agência
Nacional de Segurança), dos EUA. Agiu em novembro de 2008. Praticou então,
segundo o jornal, uma das “inúmeras drenagens nos cabos de fibras óticas que
constituem a espinha dorsal da Internet”.
Como
é comum nestes casos, o GCHQ não precisou obter autorização judicial. Na
Grã-Bretanha, a Lei de Regulação dos Poderes Investigatórios (RIPA),
aprovada em 2000 e sucessivamente ampliada em 2003, 2005, 2006 e 2010, permite
à agência capturar comunicações privadas dos cidadãos a partir da decisão de um
órgão interno. No episódio documentado por Snowden, a punção nos cabos óticos
durou “menos de dez minutos”. Nesse período “70 mil e-mails foram recolhidos”.
Teria
sido um mero exercício técnico? Um detalhe sugere que não. Entre os emails
violados estão os de jornalistas da BBC, agência Reuters, rede de TV NBC e de
quatro jornais de relevância global: The Guardian, New York Times, Le
Monde e Washington Post, além do tabloide britânico The
Sun. Entre o material interceptado, estão diálogos entre repórteres e seus
editores.
The
Guardian é cauteloso. “Nada indica nem que os jornalistas tenham sido
propositalmente visados, nem que não tenham…” Mas o próprio Snowden ajuda a
resolver esta dúvida hamletiana. Também na segunda-feira, emergiram outros
documentos vazados por ele, registrando observações que o GCHQ trocou com
agências congêneres. Nestes textos, os jornalistas são vistos como ameaças
equivalente a “serviços secretos inimigos, hackers ou terroristas” . Alguns dos
trechos revelados sustentam: “jornalistas e repórteres de todos os tipos de
mídia representam uma ameaça potencial à segurança”; “deve-se manter
preocupação específica diante dos ‘jornalistas investigativos’”.
As
tentativas de limitar a ação da imprensa vão além da espionagem. Na
terça-feira, um dia depois das revelações de Snowden, um grupo de cem editores
britânicos dirigiu carta
conjunta ao primeiro-ministro David Cameron. O texto protesta contra a
espionagem de que a imprensa é vítima e revela fatos espantosos. Em pelo
menos um caso conhecido, a polícia de Londres serviu-se da RIPA para quebrar
clandestinamente os sigilo telefônico de jornalistas – no caso, do tabloide The
Sun. O objetivo, segundo uma
matéria do Washington Post, foi quebrar o sigilo de fonte, uma dos
pilares da liberdade de imprensa. Os comandantes da polícia puderam
“identificar e punir fontes policiais legítimas” que haviam fornecido
informações ao The Sun. As consequências são óbvias, frisa a carta
enviada a Cameron. “Ninguém procurará a imprensa no futuro, para fazer
revelações sobre o Estado, se agentes da lei tiverem o poder de quebrar o
sigilo telefônico dos jornalistas”.
O
alarme provocado pelos vazamentos de Snowden levará os governos da Grã-Bretanha
e de toda a Europa a restaurar princípios democráticos elementares? Tudo indica
que não, a depender dos atuais dirigentes. Na terça-feira
(20/1), uma matéria publicada no The Intercept, o site dirigido
pelo jornalista Glenn
Greenwald, fez um breve balanço das novas medidas de controle social em
exame nos Estados europeus, após o atentado contra o Charlie Hebdo.
O
texto aponta:
busca-se aprovar leis que “autorizem a captura e armazenamento de volumes
maciços de dados pessoais”. Os governantes mais empenhados em dar este passo
são os primeiros ministros da Alemanha e Grã-Bretanha, Angela Merkel e David
Cameron, e o presidente francês François Hollande. A proteção contra atos
bárbaros com a chacina de doze jornalistas é apenas pretexto, demonstra The
Intercept. Precisamente porque na França (hoje, exceção na Europa) “já estão em
vigor muitas das leis ‘anti-terror’ que Merkel e outros estão tentando adotar
no continente – mas elas obviamente não preveniram o atentado em Paris”…
Mesmo
na Europa, a reação da velha mídia aos atos que ameaçam sua liberdade é, até o
momento, tímido. O escritor John Pilger tem lembrado que, diante de seu próprio
declínio político e econômico, os governos ocidentais procuram produzir
artificialmente um estado de
guerra, ao qual submeteram-se jornais
outrora combativos.
Mas
nada se compara com o Brasil. Passados quatro dias após as revelações de
Snowden, nada saiu a respeito nos três jornais mais vendidos no país
– Folha, O Globo e Estado de S. Paulo. Desatenção? Incompetência?
Ou simplesmente censura?
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