Países
e organizações impulsionam reconstrução de Chã das Caldeiras: 96 mil contos
para dar nova vida aos desalojados
Construir
um novo povoado para os deslocados de Chã das Caldeiras é a principal
prioridade do Governo agora que, três meses depois, a erupção vulcânica chegou
ao fim. Os primeiros esboços deste novo assentamento começam a ser desenhados
no Fórum de Reconstrução do Fogo que arranca esta segunda-feira, na cidade de
São Filipe. Neste momento, todos perguntam: onde estão os apoios e donativos
que países e instituições mandaram para as gentes de Chã das Caldeiras?
Quantias avultadas já estão no país, outras continuam a chegar, mas ainda
aguarda-se os quase 150 mil contos prometidos pelo Banco Africano de
Desenvolvimento (BAD), Timor-Leste e União Africana. China, Argentina, Angola,
Brasil, França, Japão, Espanha, Estados Unidos da América, São Tomé e Príncipe,
Guiné-Bissau e Portugal, onde ainda decorrem campanhas de solidariedade, foram
os primeiros a acudir ao apelo do Governo. Também a União Europeia, a UCCLA –
União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, a Comunidade Económica dos
Estados da África Ocidental (CEDEAO) estenderam a sua mão solidária ao povo de
Cabo Verde. Neste momento quase um milhão de dólares (perto de 96 mil contos)
já deram entrada nos cofres do Tesouro. Os donativos que foram canalizados
directamente para a Cruz Vermelha garantem neste momento o essencial para os
1076 afectados pela erupção vulcânica. Mas as promessas monetárias feitas por
Timor-Leste, Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e União Africana ainda
estão por cumprir.
Constânça
de Pina - A Semana (cv)
O
primeiro a responder ao apelo lançado pelas autoridades nacionais foi o Comité
Internacional da Cruz Vermelha. A 12 de Dezembro, 19 dias após o início das
explosões, a instituição entregou à sua congénere cabo-verdiana cerca de 5.500
contos em dinheiro.
A Sociedade Nacional da Cruz Vermelha de Luxemburgo enviou 20
mil euros (2.205 contos), montante aplicado na gestão dos Centros de
Acolhimento e das equipas de Protecção Civil. A Cruz Vermelha de Cabo Verde diz
que já recebeu nas três contas que possui nos bancos nacionais cerca de 16 mil
contos.
A
soma inclui também algum esforço nacional. Boa parte dos deputados concordaram
em doar à Cruz Vermelha 380 contos, valor que corresponde a um dia do seu
salário. Câmaras municipais, empresas e pessoas individuais também se
solidarizaram com os afectados, fazendo donativos e disponibilizando recursos
financeiros. A Câmara Municipal da Praia já enviou para a Cruz Vermelha as
receitas arrecadadas no concerto beneficente em que participaram vários
parceiros e artistas nacionais de relevo.
Já
a edilidade de Santa Catarina de Santiago enviou cerca de uma tonelada em
géneros alimentícios, produtos de higiene e vestuário, além de um cheque no
valor de 40 mil escudos, fruto da campanha “Um abraço para a ilha do Fogo”, na
qual se engajaram vários parceiros: Cáritas Paroquial, Comando Regional da
Polícia Nacional, Assocação Cabo-Verdiana de Auto-promoção da Mulher (Morabi),
Centro de Juventude, Associação dos Filhos e Amigos do Fogo e Igreja do
Nazareno.
Sector
empresarial presente
A
Enacol entregou à CVCV um cheque no valor de 1.764 contos, que resultou da
campanha “Abastecimento Solidário” realizada nos seus postos de venda de
combustíveis em todo o país durante o mês de Janeiro. A esta “ajuda” a Enacol
juntou mil litros de combustível que disponibilizou desde a primeira hora para
o transporte de pessoas de e para Chã das Caldeiras. A Vivo Energy doou por
duas vezes consecutivas mil litros de gasóleo para ajudar na evacuação dos
moradores e garantiu o transporte de mais de uma tonelada de géneros
alimentícios.
O
Banco Cabo-Verdiano de Negócios apoiou as vítimas com 1.800 contos. O montante
foi entregue ao presidente da Cruz Vermelha no dia 7 de Fevereiro, dia em que o
banco celebrava o seu 10º aniversário. Desse montante, 1.300 contos foram
arrecadados junto dos clientes. Os restantes 500 contos são um donativo do
próprio BCN. A título individual, trabalhadores de empresas como Enapor, ASA e
Cabnave realizaram uma campanha solidária para os desalojados. O total dos
subsídios recolhidos na Enapor somou 371 contos e na ASA mais de 1.232 contos.
Mário
Moreira, presidente da CVCV, explica que no que toca a bens alimentícios a
instituição já contabilizou 30 mil toneladas de produtos. As ofertas vieram de
câmaras municipais nacionais e de edilidades portuguesas, como é o caso de
Cascais, que doou um contentor de produtos. Os bombeiros sapadores de Faro
também organizaram uma campanha humanitária, em parceria com a UCCLA. A
corporação criou uma lista de bens de primeira necessidade – rádios, geradores,
tendas insufláveis, reservatórios de água, casas de banho portáteis, macas,
cobertores, lençóis, kits de primeiros-socorros, máscaras, óculos de protecção,
compressas, toalhas, adesivos, entre muitos outros materiais.
Mário
Moreira destaca igualmente os donativos expressivos enviados das comunidades
cabo-verdianas no exterior, designadamente de New Jersey, nos EUA. “O dinheiro
recebido de New Jersey, à volta de 240 contos, veio com indicações de que 900
dólares deviam ser disponibilizados à igreja paroquial. As duas outras fracções
de 900 dólares iriam para os centros de Monte Grande e Achada Furna”, pontua.
Apesar disso, o presidente da CVCV apela às pessoas e instituições para
continuarem a ajudar porque os produtos em stock para as cestas básicas só
chegam para mais um mês. A Federação Internacional de Futebol (FIFA) está
disposta a construir um complexo desportivo para a nova comunidade que vier a
ser erguida na ilha do Fogo, projecto que passará pela Federação Cabo-Verdiana
de Futebol. Há também a promessa do Sport Lisboa e Benfica de edificar uma
escola na mesma localidade.
Depósitos
no Tesouro
Mais
gorda está a conta bancária que o Governo mandou abrir no Tesouro para acolher
donativos. Da China recebeu 500 mil dólares (48.050 contos) e da CEDEAO veio
300 mil dólares (28.830 contos). A Espanha doou a Cabo Verde 25 mil euros
(2.756 contos), através do Fundo de Reservas de Emergência da Federação
Internacional da Cruz Vermelha. Dos Estados Unidos da América chegou um cheque
de 300 mil dólares (28.830 contos), da Guiné Bissau 50 mil dólares (4.805
contos), do IAO -Instituto da África Ocidental 100 mil contos. São Tomé e
Príncipe enviou para o nosso país 65 mil euros (7.167 contos), dos quais 5.513
contos foram oferecidos pelo Governo e 1.653 contos de pessoas colectivas e
individuais.
A
União Europeia disponibilizou 3 milhões de euros (330.795 contos) e a Holanda –
mais concretamente a nossa diáspora, organizações não-governamentais e o sector
privado, com o envolvimento da Embaixada de Cabo Verde – mandou 1.411 contos. A
nossa diáspora nos Estados Unidos da América, ongs e sector privado (com a colaboração
da nossa Embaixada naquele país) mobilizou, através de várias campanhas, entre
24 e 30 mil dólares (2.306 a 2.883 contos) que enviou à Associação dos
Municípios do Fogo. Este montante já deu entrada na conta conjunta aberta logo
após a erupção pelos três municípios da ilha.
Pendentes
Mas
em alguns casos, a assistência e o auxílio não passaram ainda de promessas. É o
caso da ajuda financeira prometida pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD)
no montante de 1 milhão de dólares (96.100 contos). O dinheiro ainda continua
indisponível. Os 500 mil dólares (48.050 contos) que Timor-Leste prometeu e os
100 mil dólares que a União Africana (UA) comprometeu-se a enviar ainda não
chegaram.
A
Associação Amizade Angola-Cabo Verde ainda tem em curso uma campanha de
angariação de fundos, promovida por cabo-verdianos residentes naquele
país-irmão, ONGs e sector privado, com o apoio da representação diplomática.
Mais céleres foram os nossos conterrâneos e organismos de Espanha, que logo nos
primeiros dias da erupção vulcânica enviaram à Cruz Vermelha 16 mil máscaras
descartáveis de alta filtragem, géneros alimentícios, roupa, brinquedos,
materiais escolares e ajuda financeira.
Na
Alemanha também decorre uma campanha promovida pela nossa diáspora e pela
Associação de Hamburgo. Os nossos conterrâneos em Portugal enviaram peixe
congelado e leite – uma ajuda da empresa Luís Silvério – enquanto os residentes
em Itália expediram vestuário, cobertores, material escolar, sapatos para
crianças, brinquedos, alimentos não perecíveis, colchões e utensílios
domésticos. Paralelamente, a embaixada de Cabo Verde em Roma está a coordenar
uma campanha para recolha de ajudas financeiras.
Ofertas
concretizadas
O
presidente do Gabinete de Crise diz que o último levantamento feito por este
organismo mostra que perto de um milhão de dólares (96.100 contos) já estão
depositados na conta aberta pelo Estado no Tesouro. Entretanto, esperam a
primeira colecta da retenção de 0,5% do Imposto sobre o Valor Acrescentado
(IVA), o que deverá acontecer em finais deste mês de Fevereiro ou nos primeiros
dias de Março. Segundo Antero Matos, a previsão do Ministério das Finanças é de
que em um ano estes 0,5% do IVA vão contribuir com 350 mil contos para a conta
dos desalojados de Chã das Caldeiras. Mas o Gabinete de Crise é mais cauteloso
e estima que a colecta ficará entre os 200 e os 250 mil contos.
O
Governo projecta gastar em torno de 20 milhões de dólares (1.922 mil contos)
para reconstruir, num prazo de 18 meses, um novo povoado para os habitantes de
Chã das Caldeiras desalojados pela erupção e fornecer-lhes os bens essenciais.
Porém, não cabe neste montante o que vai para as grandes infra-estruturas.
Gestão
das ajudas
O
controlo dos produtos alimentares e de limpeza, utensílios domésticos e outros
é feito pelo Serviço Nacional de Protecção Civil (SNPC), em estreita
articulação com as câmaras municipais do Fogo e a Cruz Vermelha. Um programa
informático regista todas as entradas e saídas do armazém. A equipa de gestão
conta ainda com aconselhamento técnico na área de nutrição para fazer as cestas
básicas, conforme a composição do agregado familiar e tendo em conta o
tratamento diferenciado que se deve dispensar a crianças e idosos.
O
presidente do Gabinete de Crise confessa que as ajudas em géneros não chegam
para cobrir as necessidades das famílias, daí que a dieta é complementada com
alimentos adquiridos no mercado local, como peixe, carne, verduras, com verbas
do Orçamento do Estado. Uma política que visa respeitar os parâmetros do
Programa Alimentar Mundial que estabelece: “a alimentação de uma pessoa por mês
situa-se nos 60 dólares”. Mas as despesas com os deslocados superam de longe
este montante. Antero Matos lembra que o número de afectados já identificados
chega aos 1076 indivíduos.
Desvios
Apesar
dos cuidados, o Gabinete de Crise não está isento de críticas. Fala-se em
desvios – como no caso de nove televisores que estavam colocados nos Centros de
Acolhimento e de dois geradores. Mas Antero Matos explica que, com a
desactivação desses centros, os televisores foram recolhidos pelas câmaras
municipais. Quanto aos geradores, o presidente do Gabinete de Crise garante que
receberam apenas oito desses equipamentos, quatro por via aérea e quatro via
marítima.
“O
documento da Alfândega do Porto de Vale dos Cavaleiros aponta a entrada de
quatro geradores via marítima. Mas porque alguém disse que viu seis geradores
no cais do Fogo quisemos apurar, dai o SNPC ter participado a ocorrência à
Polícia”, explica Matos, lamentando a inexistência de manifestos de carga tanto
das aeronaves quanto dos navios que trouxeram a ajuda de Angola.
Grande
parte das famílias que se encontravam alojadas nos Centros de Acolhimento de
Achada Furna e Monte Grande foi transferida para as casas construídas por
altura da erupção de 1995, informa Antero Matos. As restantes foram alojadas em
residências arrendadas às expensas do Estado, ou seja, os aluguéis são
suportados por verbas inscritas nos orçamentos dos ministérios do Ambiente e da
Juventude, Emprego e Desenvolvimento dos Recursos Humanos.
“Restam
apenas quatro famílias em
Achada Furna a viver em tendas porque não há casas
disponíveis nas redondezas e estas têm resistido a viver longe dos demais integrantes
da comunidade. Mas continuamos a procurar soluções para oferecer habitação
condigna a essas famílias”, assevera Antero Matos. A proposta do MPD no sentido
de o Governo disponibilizar as residências do programa Casa para Todos não se
concretizou porque “não houve necessidade de se recorrer a esta solução que
seria extrema”, diz o presidente do Gabinete de Crise.
Matos
afirma ainda que a tipologia dessas casas não é a mais adequada. Por outro
lado, a ocupação dessas residência poderia acarretar prejuízos a terceiros,
segundo avaliação do Gabinete de Crise. “As casas construídas em 1995 vão ser
reabilitadas e ampliadas até três quartos, conforme o tamanho do agregado
familiar. Serão dotadas de uma casa de banho e de uma cozinha condignas. As
empresas que executarão estas obras, por ajuste directo, já estão na posse do
caderno de encargos. Infelizmente, os recursos para custear esta obra,
prometidos pelo Banco Mundial, ainda não entraram no Tesouro. Mas o Governo já
instruiu o Gabinete de Crise para avançar rapidamente com a empreeitada”,
conclui.
Fórum
desenha novo assentamento e eixos de desenvolvimento
Governo
e organismos públicos, municípios do Fogo, eleitos nacionais e locais,
organizações não-governamentais, representantes do Sistema das Nações Unidas e
sociedade civil reúnem-se esta segunda e terça-feira – 2 e 3 de Março –, no
Fórum para a Reconstrução do Fogo. A conferência a ter lugar no Centro de
Emprego e Formação Profissional de São Filipe, sob a direcção do
Primeiro-Ministro, José Maria Neves, vai traçar as linhas para a recuperação
das zonas afectadas pela erupção, para além de definir os eixos de
desenvolvimento económico de Chã das Caldeiras. Ponto de destaque no programa é
o novo assentamento populacional para as gentes da Chã.
Com
este encontro o Governo pretende proporcionar pistas para o incremento do
sector económico-agrícola, incluindo as vertentes agro-pecuária e
agro-industrial das zonas altas. Também outras valências vão assentar arraiais
entre as gentes da Chã: turismo, artesanato... Mas também virão as
infraestruturas. O Executivo espera ainda identificar as vias para reforçar os
serviços sociais de base como saúde, nutrição, educação, água e saneamento.
“Vamos consensualizar o modo de utilização do interior da cratera e contribuir
para o reforço das capacidades nacionais e locais na prevenção de riscos e
recuperação dos efeitos de catástrofe”, diz o presidente do Gabinete de Crise.
O
debate será dividido em três painéis. O primeiro, “Prevenção de Riscos e
Resposta a Catástrofes”, debruçar-se-á sobre Cartografia de Risco da Ilha do
Fogo e Capacidades de Prevenção de Riscos, Respostas e Recuperação dos Efeitos.
O segundo, “Satisfação das Necessidades Básicas da População Afectada”, vai
focar nas áreas da saúde, nutrição, educação, energia, água e saneamento. Já o
terceiro, “Intervenção no Sector Económico para a Recuperação do Fogo”,
pretende esmiuçar a estratégia para a reconversão do tecido produtivo
agro-pecuário e do sector não agrícola. E o turismo surge aqui com uma grande
força. O novo assentamento populacional é outro tema incontornável.
Todos
os painéis terão um facilitador que orientará as discussões e promoverá a
interacção entre os participantes, tendo como pano de fundo a consciência de
que Chã das Caldeiras mantém ainda o essencial das potencialidades económicas
que levaram as pessoas a fixarem-se ali. Antero Matos entende que, apesar da
destruição de mais de 230 edificações (casas, escola, igrejas, adega,
instituições hoteleiras e a sede do parque natural) e 420 hectares de terra –
dos quais 120 hectares são terrenos muito férteis – a localidade vai continuar
a “buscar a sua centralidade no processo de reconversão do tecido produtivo da
ilha do Fogo”.
Foto de Nicolau Centeio – Título PG
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