Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Senhor
presidente da República, por uma vez, ajude o país a sair deste lamaçal
político em que estamos metidos. Precisamos de respirar ar puro, de confiança
nos governantes, de conhecer com verdade as condições em que nos encontramos.
Isso não é possível com o desgoverno que temos. Passos Coelho e seus pares
tanto têm chafurdado na lama que estão hoje absolutamente atascados, incapazes
de se movimentarem e contribuírem para uma ação política saudável. A sua
manutenção no poder até outubro prosseguirá a destruição de ancoradouros
estruturais em todas as áreas do desenvolvimento conseguido depois do 25 de
Abril e aprofundará na sociedade portuguesa o descrédito nas instituições
democráticas e na própria democracia.
Esta
semana, o caso da lista VIP pôs ainda mais a nu o que muitos outros casos
"mal explicados", como as dívidas à Segurança Social (e ao Fisco?) de
Passos Coelho, já haviam mostrado: os governantes que temos são irresponsáveis,
usam e abusam da hipocrisia e da fuga à verdade, negam e renegam até terem a
careca toda a descoberto. Só aí se predispõem a procurar justificações para os
seus atos, deitando mão a qualquer facto avulso, entretanto vindo a lume, que
lhes pareça servir de base para forjar uma argumentação que inevitavelmente sai
esfarrapada.
Só
quem não tem a mínima noção do enquadramento legal e da cultura da
Administração Pública pode admitir que um quadro de topo da Administração
Fiscal tomaria a decisão de criar a lista VIP sem autorização política da
tutela. E, já agora, é preciso dizer que o sr. José Maria Pires, que se
substituiu ao diretor-geral na elaboração do despacho e pôs a coisa a andar,
não é um qualquer funcionário, mas antes alguém com quem o secretário de Estado
se "cruzava" amiúde.
Esta
lista, ou "mecanismo de alerta", ou "nova metodologia", ou
como a queiram designar, não foi feita com a preocupação de garantir o sigilo
para o comum dos contribuintes. Ela foi concebida como um filtro para
privilegiados (no meio meteram alguns outros cidadãos para confundir) e, como
tal, configura-se como um crime contra o Estado que jamais pode passar sem a
devida punição. O secretário de Estado é o primeiro responsável. Se, por
absurdo, se confirmasse que ele não sabia da tramoia, ainda assim só pode ser
demitido: por incompetência e/ou incapacidade de controlar os organismos que
tutela. É claro que a ministra das Finanças, o ministro Marques Guedes e, em
particular, o primeiro-ministro também têm de assumir as suas responsabilidades
por terem andado a gozar com o povo e a faltar à verdade.
É
execrável o argumentário de suspeição sobre os trabalhadores da Autoridade
Tributária e Aduaneira (AT). Até ao início de outubro, altura em que a lista
surgiu, não havia processos sobre os trabalhadores e parece provar-se que
nenhum caso de quebra de sigilo surgido antes na Comunicação Social lhes fosse
imputado. Após o início desta trapalhada surgiram, logo em novembro, 17
processos. Hoje o cutelo sobre os trabalhadores da AT já conta 35 processos em
curso, 5 para averiguações e 112 notificações. Para além de proteger poderosos
e ricos, o Governo usa a "lista" para amedrontar e fragilizar
capacidades da AT.
Há
três fortes razões para antecipar as eleições legislativas: i) o atual Governo
em particular, mas também outros que o precederam, encheram o país de
esqueletos escondidos em armários, sendo que alguns são efetivamente questões
de Estado. Se ele continuar em funções, sem responsabilização política,
continuará a chamar-se politiquice a graves problemas políticos, a procura de
esqueletos não passará para e por onde deve, ocupará a campanha eleitoral
impedindo que se gere o debate e a formulação de compromissos sérios para
alternativas; ii) a situação do país e o que se está a passar na UE exigem que
Portugal tenha urgentemente um Governo credível e com mandato claro para
encetar, com a UE, uma negociação séria; iii) o Orçamento do Estado para 2016
tem de ser feito com tempo e por um novo Governo.
Senhor
presidente, a ética e a honra na coisa pública e na ação dos governantes não
pode descer ao patamar em que Ricardo Salgado e Ca. as colocam.
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