Afonso
Camões – Jornal de Notícias, opinião
Manda
a tradição secular, ainda sobrevivente em parte do nosso universo rural, que se
coloquem flores na soleira da porta para que o compasso possa entrar e anunciar
a boa nova. Por todo o mundo cristão, a Páscoa é a principal e mais antiga
celebração do ano litúrgico, a festa que "atualiza" o mistério maior
da fé dos crentes, que simboliza a passagem da morte para a vida: Aleluia!
Crentes
ou não crentes, bem precisamos de boas novas.
Portugal
vive, há sete anos, a mais longa e magoada Quaresma da nossa geração. A chaga
do desemprego - que por sua vez gera pobreza, miséria, exclusão e insegurança -
é o espinho mais doloroso deste calvário.
Mais
de um milhão de portugueses aptos a trabalhar continuam sem emprego, logo sem
salário. É um em cada cinco e, pior ainda, um em cada três entre os mais novos.
E todos temos casos: na família, entre os amigos, na vizinhança.
Lembrarão
alguns que o problema, mais do que português, é europeu. Quase 25 milhões de
desempregados, sobretudo no Sul, dão já o rosto à agonia de uma esperança que
os principais líderes europeus, os nossos incluídos, teimam em negar-lhes: uma
União Europeia fundada na solidariedade e na coesão social.
Razões
outras, mas também fortes, tornaram sombrios e enlutados os nossos últimos
dias. Foram-se-nos um poeta, um economista, um cineasta - três portugueses
entre os maiores nas suas artes e saberes. Por entre a multiplicação de
obituários pesarosos, lemos em cartaz que "isto não é um país, é um
velório". Mas há, nas mortes de Herberto Helder, José Silva Lopes e Manoel
de Oliveira, o ficar da memória que contraria aquela ironia e nos traz sinais
de esperança. É que, doravante, há seguramente mais portugueses a saber quem
eles foram e porque foram grandes.
De
Oliveira ainda ficámos a saber que, confrontado por João Botelho sobre como se
pode fazer cinema com tão poucos recursos, respondeu-lhe o mestre: "Se não
há dinheiro para a carruagem, filma-se só a roda. Mas filme-se bem a
roda!"
E
porque hoje é domingo, e de Páscoa, é tempo de procurarmos vencer esta dormência
emocional e darmos ouvidos e força às palavras e aos gestos de esperança que,
decerto, encontramos nos nossos caminhos. Um povo que vem de tão longa Quaresma
não pode, nem deve, fechar portas ao compasso anunciador.
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