terça-feira, 14 de abril de 2015

Portugal. MIGUEL SOUSA TAVARES E O FIM DO SIGILO FISCAL



Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião

Uma crítica de Sousa Tavares, no Expresso, à hipótese que apresentei de eliminar o sigilo fiscal, como na Suécia, levantou questões muito boas.

Saber o salário dos colegas ou do patrão aumenta a conflitualidade nas empresas? Nas grandes firmas do nosso tempo, onde o CEO pode ganhar 300 vezes o salário médio dos trabalhadores - nos anos 80 essa diferença rondava as 40 vezes - esse confronto não é um inconveniente, é uma necessidade. Nas outras empresas essa é uma arma contra o nepotismo, o sexismo, o racismo e respetivas desigualdades salariais, ilegais e nunca resolvidas.

Na função pública, na saúde e no ensino estatais a maioria dos salários são tabelados e os índices publicados. Quem aí fizer as contas sabe quanto ganham colegas e chefes. Nas empresas em bolsa os salários dos gestores são declarados. Os salários dos eleitos são públicos. O atual sigilo sobre os restantes salários é, portanto, uma discriminação.

O dinheiro que uma pessoa possui é assunto que só diz respeito à própria e ao Estado? Ninguém ganha dinheiro sozinho: os rendimentos individuais resultam sempre de uma interação com a sociedade. O direito a proteger a vida privada deve ser sagrado no que diz respeito à forma como cada um gasta o seu dinheiro - direito que o Estado, de resto, viola - mas deve subordinar-se ao direito da comunidade em saber, com dados exatos, se a distribuição da riqueza - um bem finito - é justa e legal.

A comunidade tem também o direito de saber se o Estado cumpre o seu papel fiscalizador e regulador, coisa que o segredo fiscal e a não prestação de contas que ele permite impedem. Estão aí os escândalos financeiros a demonstrá-lo.

Parece-me errado misturar numa lista de dados sigilosos o estado civil ou a residência com as dívidas e as pensões. As duas primeiras só não são públicas para quem não tenha vizinhos, as outras duas já são em grande parte divulgadas: o fisco revela todos os que devem mais de 7500 euros ao Estado e a Caixa Geral de Aposentações publica mensalmente os nomes de novos pensionistas, numa lista que soma 640 mil pessoas.

Resta o problema da "pobreza envergonhada", que seria revelada com o fim do sigilo fiscal. Este é o problema mais humano e delicado dos que Sousa Tavares levanta, mas confronta-se com ações diárias, banalizadas, de humilhações públicas feitas por credores, privados e estatais, a devedores: milhares de penhoras de salários provam-no.

Cada indivíduo deveria saber, via internet, o que o fisco, a Segurança Social e o serviço de saúde guardam e trabalham sobre si próprio. Pelo menos esta medida, uma lista VIP com todos, poderia ser imediata e defenderia cada cidadão dos abusos, estatais e privados.

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