domingo, 17 de maio de 2015

Luandino Vieira. ASSOCIAÇÃO DE ESCRITORES LEMBRA “LUUANDA”




Obra de Luandino Vieira e a repressão do Estado Novo à sua publicação serão evocadas na Fundação Gulbenkian

A distinção da obra Luuanda, de Luandino Vieira, e a “barbárie, que se lhe seguiu”, há 50 anos, durante a ditadura, vão ser evocados este mês numa sessão em Lisboa, anunciou ontem a Associação Portuguesa de Escritores (APE).

Em 1965, a obra Luuanda, do autor Luandino Vieira, que se encontrava preso no campo do Tarrafal, em Cabo Verde, foi distinguida com o Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, o que desencadeou uma forte repressão das autoridades políticas da época.

O Governo, presidido por António de Oliveira Salazar, proibiu a obra e encerrou definitivamente a sociedade, tendo sido presos quatro dos cinco elementos do júri – os escritores Alexandre Pinho Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho e Manuel da Fonseca. O único que não foi preso foi o crítico literário João Gaspar Simões, que, “por estimáveis razões”, não votou na obra de Luandino Vieira.

O presidente da APE, José Manuel Mendes, ontem, em conferência de imprensa conjunta com o editor da Editorial Caminho, Zeferino Coelho, afirmou que, após ter sido conhecido que Luuanda, de Luandino Vieira tinha vencido, “deu-se a actuação repressiva do regime, que teve contornos de barbárie que não podem ser esquecidos”.

A sede da Sociedade Portuguesa de Escritores, na rua da Escola Politécnica, em Lisboa, foi “alvo de atentado que chegou ao ponto de quase nada se ter conseguido salvar, nem atas, nem outros documentos, tudo foi vandalizado”.

“Os acontecimentos foram brutais e marcaram de forma nítida aquilo que era o traço da actuação repressiva do regime de Salazar com os escritores, os jornalistas e a liberdade de expressão”, disse Mendes.

“O que ocorreu teve contornos de barbárie, que não pode ser esquecida”, enfatizou José Manuel Mendes.

O ataque, no dia 21 de Maio de 1965, foi levado a cabo por “grupos ligados ao regime, que não deixaram pedra sobre pedra”, rematou.

Celebrando o cinquentenário do prémio, a obra terá uma edição especial, com uma tiragem de 500 exemplares, 100 deles assinados pelo autor, actualmente a viver em Vila Nova de Cerveira, no Minho.

A nova edição inclui uma introdução de José Manuel Mendes e um texto das catedráticas Laura Padilha e Rita Chaves, “assinalando a importância do aparecimento deste livro para as literaturas de Língua Portuguesa e angolana em particular”, disse Zeferino Coelho.

“Pela primeira vez, de forma muito consistente e sistemática, África e os africanos surgiam na literatura, não como uma coisa exótica e exterior, mas como sujeitos. As personagens principais são os negros dos musseques de Luanda”, disse Zeferino Coelho.

A edição conta ainda com fac-símiles de provas da 1.ª edição e dos textos datilografados pela mulher de Luandino, e ainda um texto do catedrático da Universidade do Porto Francisco Topa e o fac-símile da ata do júri, que escapou do ataque.

No Outono, a Caminho conta editar também Os papéis da prisão, de Luandino Vieira.

Em 1965, o júri do prémio assinalou “o que [no livro] era invenção da linguagem, e o surgimento de algo profundamente renovador no interior da própria literatura e língua portuguesas”.

Para José Manuel Mendes, “este foi um dos primeiros e formais actos claros anticolonialistas na sociedade portuguesa”.

A sessão evocativa dos 50 anos da destruição da Sociedade Portuguesa de Escritores e da distinção do livro de Luandino Vieira realiza-se no próximo dia 26, na Fundação Calouste Gulbenkian, com a presença do escritor.

Na sessão, entre outros, usarão da palavra a historiadora Irene Flunser Pimentel e o escritor Manuel Alegre, que também estava preso no Tarrafal, quando Luandino escrevia Luuanda.

Luandino escreveu os três contos que compõem Luuanda, no Tarrafal, passando papéis à sua mulher, Linda, que depois os datilografou, tendo as provas sido revistas por um amigo.

A sessão na Gulbenkian vai terminar com um recital do pianista Luís Pipa, que interpretará peças de sua autoria e também de Edvard Grieg e Isaac Albeniz.

Lusa, em Rede Angola


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