Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Ao
longo dos últimos anos agravou-se perigosamente a degradação da ação política.
O problema maior não reside na multiplicação de processos-crime a correr nos
tribunais contra dirigentes políticos e altos quadros da administração, o que
até pode ser interpretado como um sinal de independência e eficácia. Mais grave
é a percepção difusa daquilo que escapa à justiça, seja pela demora dos
procedimentos seja pela subsistência de suspeitas que as investigações não
lograram esclarecer, desde o caso dos "submarinos" à colaboração do
atual primeiro-ministro numa obscura ONG, desde o tráfico de vistos gold à
detenção continuada de um antigo primeiro-ministro, à violação sistemática do
segredo de justiça ou à proteção seletiva do segredo fiscal.
A
justiça enfrenta, sem dúvidas, desafios novos e difíceis mas não são os juízes
e procuradores quem determina os padrões éticos e cívicos que deviam reger a
atuação dos titulares dos órgãos de soberania. Desde logo, o défice de
autoridade do Presidente da República, sempre pronto a secundar este Governo,
quer para alimentar falsas expectativas na solidez financeira de um banco que,
depois, se descobriu ruinosa, quer para descrever um país imaginário,
desprezando as famílias, os jovens, os idosos e os desempregados fustigados pela
crise.
Sem
contraponto nem moderação presidencial, este Governo ficou à vontade para
cometer todos os embustes e prepotências. Para começar, violou todas as
promessas feitas durante a campanha eleitoral de 2011. Depois da bravata inócua
de extinguir os governos civis, passou à extinção das fundações que ficarão
para a história como um cínico monumento ao rigor das suas avaliações.
Recordamo-nos bem de a Fundação Gulbenkian ter sido classificada nesse
inesquecível ranking, abaixo da Fundação Social-Democrata da Madeira... Depois
veio a avaliação, tão cega quanto a anterior, dos centros de investigação das
universidades que foram condenados à extinção, segundo as quotas impostas pelo
Governo. Mais de dois terços das unidades de investigação que floresceram nas
universidades públicas sob a inspiração do saudoso Mariano Gago foram
consideradas dispensáveis, independentemente de qualquer orientação
estratégica, num processo obscuro e arbitrário. Em vez da prometida
racionalização do Estado e da Administração, o Governo preferiu a tática da
asfixia orçamental generalizada. Extinguiu alguns tribunais, agrupou algumas
freguesias, atrasou mais de um mês o arranque do ano judicial e comprometeu a
colocação dos professores que deixaram os alunos sem aulas por vários meses.
Mas seja o que for - a lista VIP do Fisco, os computadores da justiça, os
concursos de professores, a "resolução" do BES, delegada no
governador do Banco de Portugal e "sem encargos para os
contribuintes" conforme promessa da ministra, a demissão "irrevogável"
de Portas ou o "negócio" da TAP - nunca se encontra, em algum
momento, um governante que assuma as respetivas responsabilidades políticas.
Em
nome de princípios morais simples e indiscutíveis - "temos de pagar o que
devemos!" - tudo é negociado no segredo dos gabinetes sem sombra de debate
nem a mínima transparência, como se o Governo fosse um mero executor de uma
vontade alheia e, por isso, inimputável! A democracia, a Constituição, o
Parlamento, a política, tudo se reduz a uma espécie de atividade compulsiva.
Promovida "a impotência" ao governo do Estado, nada havendo para
apreciar nem decidir, só resta aos cidadãos expiar os pecados do Mundo.
Esta
perversa desqualificação da democracia, da responsabilidade política, da
prestação de contas, da participação cívica, não resulta exclusivamente dos
vícios do atual Governo. O arrastamento indefinido de uma crise económica e
financeira que por ausência de claros desígnios políticos promove a
disseminação da pobreza e penaliza os mais fracos, fez crescer o desespero e
alimenta um ceticismo que obscurece os valores fundacionais da própria
construção europeia. É premente a necessidade de inverter esta tendência. As
próximas eleições legislativas oferecem a oportunidade inadiável para travar o
descrédito a que foram votadas as instituições públicas e o Governo do país.
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