sábado, 4 de julho de 2015

Cabo Verde. SÃO NICOLAU: A ILHA DESAFORTUNADA



Celly Paixão – Expresso das Ilhas, opinião

À semelhança de Baltasar Lopes, destinto filho de São Nicolau e de Cabo Verde, autor do primeiro romance, genuinamente cabo-verdiano, sou uma saonicolauense confesso que, por circunstâncias outra fui obrigada a deixar a ilha em busca de outras oportunidades. Também natural de Caleijão, concelho de Ribeira Brava, oriunda de uma família de tradição camponesa, passei toda a minha infância e adolescência nessa localidade.

O tempo genesíaco da minha infância e adolescente, passada em ambiente rural, afetivo, entre a atmosfera familiar, a escola primária, as brincadeiras de menino e o ciclo preparatório na Stancha (então Vila Ribeira Brava), marca o meu horizonte de memória, profundamente.

O meu cordão umbilical está e estará sempre ligado à minha ilha, particularmente, ao meu Município da Ribeira Brava. Sempre que lá vou, com frequência, procuro estar com a minha gente. Gente da minha geração, mas também a da dos meus pais e avós. É das conversas que procuro encetar com as pessoas que nascem as luzes que refletem a realidade e o pulsar da ilha e do concelho. Pois, a situação socioeconómica do Município da Ribeira Brava inspira cuidados intensivos e muita atenção dos governos central e local, sob pena de a vida das pessoas se agravarem, ainda mais.

Nos últimos anos a ilha de São Nicolau foi fustigada pelas políticas erróneas do PAICV e do seu governo. Desde logo, políticas de transportes marítimos, de agricultura e pecuária, das pescas, de formação e capacitação dos jovens, passando pela elevada taxa de desemprego que aflige a ilha de Chiquinho e o Município da Ribeira Brava, em particular.

“Grito de Ipiranga”

Por estas e outras razões a ilha parou no tempo de crescimento e desenvolvimento. As populações sobretudo as mais jovens viram-se impossibilitadas de dar continuidade aos seus estudos e, naturalmente, de conseguir um emprego digno, em ordem a contribuir para o desenvolvimento da sua ilha e do seu concelho. Os agricultores, os criadores, os pescadores, os comerciantes e demais forças vivas locais vivem situações de verdadeira penúria e desencanto, que já os conduziram à uma profunda letargia social. Apetece-me dizer mesmo, que São Nicolau e Ribeira Brava em particular, precisam de uma espécie de “grito de Ipiranga”, que permita agitar a consciência das elites do poder local e central, para uma nova ordem de relação com a ilha que leve ao desenvolvimento sustentável e harmonioso.

Ainda no domínio de agricultura e da criação de gado, a situação é mesmo preocupante, para não dizer dramática. Com o mau ano agrícola que assolou o País, as pessoas viram-se impossibilitadas de fazer uma dieta alimentar condizente com as suas necessidades, por um lado. Mas também foram confrontadas, com a perda substancial de produção hortícola, já que os furos que fornecem a água para agricultura reduziu a sua capacidade, substancialmente. Contudo, com a entrada em funcionamento da unidade de dessalinização da água do mar, na Preguiça, para abastecimento doméstico, os agricultores acreditaram que teriam acesso a mais água (e mais barata) para irrigação.

Aliás, foram estas as promessas do presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava (CMRB), Américo Nascimento e do próprio Governo. O que realmente acabou por acontecer foi o anúncio, aqui há dias, do aumento do preço de água, quer para o consume doméstico, quer para agricultura. Portanto, se os agricultores, de per si, já tinham a vida difícil, com esta medida recente do Governo e da edilidade da Ribeira Brava, a situação agrava-se ainda mais.

Desastre, sem capacidade de escoamento da sua já fraca produção, para as outras ilhas em virtude do deficitário sistema de transportes marítimos de e para a ilha, aos homens da terra cabem-lhes agora a resignação e esperar melhores dias que hão-de vir, decerto. Infelizmente está-se perante a uma fatalidade protagonizada pela incompetência do poder local, que não soube, em boa hora, junto do Governo identificar a melhor política de produção, gestão, distribuição e venda de recursos hídricos para os agricultores e população do vale da Ribeira Brava. Estivesse vivo, Baltazar Lopes, como homem do campo que fora, seguramente, olharia para estes homens e mulheres da terra com muita mágoa e revolta.

No capítulo da pecuária, os criadores esperam e desesperam com o tão propalado programa de emergência de salvamento de gados. Os animais morrem de fome por falta de pasto, provocado pelo mau ano agrícola. O Governo continua a olhar para esta situação de forma impávida e serena. 

Assim, a situação socioeconómica de São Nicolau é de tal sorte degradante que, confrontados com o dilema: “querer ficar e ter que partir”, a ilha perdeu, nos últimos tempos, um número significativo da sua população, que foi obrigada a migrar-se para outras ilhas, em busca de melhores condições de vida.

Fuga de cérebro jovem

A juventude foi a franja da população que mais sofreu com as más políticas da edilidade da Ribeira Brava e do Governo. A fuga de cérebro para trabalhar em grandes centros urbanos do Pais, tem sido uma realidade sem precedente na ilha de Chiquinho, com perda da capacidade produtiva para a economia. Tudo por causa do desemprego gritante que fustiga os jovens de São Nicolau, com destaque para os do concelho da Ribeira Brava.
  
Para produzir este artigo, dei-me ao trabalho de visitar às fontes do INE – Instituto Nacional de Estatística, sobre o desemprego em Cabo Verde. Segundo os dados daquela instituição estatística a taxa de desemprego no País em 2014 era de 15,8 por cento. Isto considerando a nova metodologia de cálculo adotado pelo INE. Porém, se formos analisar as informações que dão conta da taxa de desemprego dos jovens com idade compreendida entre 15 e 24 anos, veremos que aqui a situação é deveras preocupantes. Ou seja, 35,8 por cento dos jovens cabo-verdianos, com capacidade para trabalhar estão no desemprego. É caso para perguntar: qual têm sido efeitos práticos de tão apregoadas, (com uma grande dose de propaganda política) políticas de formação, capacitação profissional e emprego jovens em Cabo Verde? A avaliar pelos dados do INE, podemos concluir que os efeitos da proliferação dos centros de emprego e formação profissional, pelas ilhas, têm sido muito aquém da expectativa dos jovens cabo-verdianos. Diria mesmo um bluff total!

Recorde-se, entretanto, que os dados recolhidos entre Outubro e Dezembro de 2013 mostram uma ligeira baixa do desemprego a nível nacional, passando de 16.8 para 16.4 por cento. Porém, uma diferença pouco expressiva e, por conseguinte, sem impacto direto na vida das pessoas e na economia, já que o crescimento do País continua a ser anémico e a não conseguir, por exemplo, atrair os investimentos diretos estrangeiros. 

Olhando agora, para os dados de desemprego jovem a nível dos concelhos do País, entre 2012 e 2013, ficamos, algo atónitos. Ribeira Brava é um exemplo paradigmático. Só assim, conseguiremos perceber melhor os motivos desta “hégira” dos jovens e população deste concelho para os grandes centros urbanos do País, à procura de emprego e rendimento.

Ora, o Município da Ribeira Brava lidera a taxa de desemprego concelhio aumentando de 18.8 para 23.7 por cento dos jovens deste município que se encontram desempregados e, naturalmente, sem rendimento para garantir a sustentabilidade da sua pessoa e da família. Uma subida, de resto, muito preocupante, já que ultrapassa, inclusive, São Vicente, que era o município com mais desempregados jovens em Cabo Verde, chegando atingir os 28,9 por cento, em 2012, tendo diminuído para 22,1 por cento em 2013.

Status quo das políticas

A situação do desemprego no País, é um problema muito sério que convoca a todos nós, mas sobretudo o poder político, à uma reflexão de fundo, sobre o status quo das políticas de governação deste País. Decorridos 14 anos de governo do PAICV importa agora interrogar: os cabo-verdianos estarão mais felizes ou não? Qual é a perceção, em termos da capital de confiança, que os cidadãos têm deste partido e do seu governo? Já percebemos, através de sucessivos estudos encomendados, que os cabo-verdianos hoje têm, menos confiança neste Governo. Apesar de toda propaganda e poesia que o PAICV e o seu governo têm abrilhantado nos seus discursos ao longo destes anos, ainda assim, o povo destas ilhas está a dar sinais claros, de querer um poema diferente para o povo destas ilhas.

Não se pode, sistematicamente, evocar em vão a pretensão de ser um partido/governo de “rosto humano”, quando se sabe que esta evocação não passa de um mero cinismo e hipocrisia. Um pecado contra os mandamentos da lei de “boa governação”, tão apregoada por este Governo.

Um partido que governa com razão e não com romantismo, não deve estimular políticas de agravamento da pobreza para depois explorá-la, durante o período das eleições. Esta é uma atitude desumana, sem rosto e típico dos regimes onde a força partidária se confunde com o Estado. Aliás, existem literaturas que defendem que este tipo de abordagem na governação de um País, com base em “assistencialismo e demagogia pode minar e beliscar o Estado de Direito Democrático”, pondo em causa as liberdades e as garantias dos cidadãos.
  
Ora bem, Cabo Verde e os cabo-verdianos não podem permitir que esta prática faça escola no nosso País. A independência e o advento da democracia e da liberdade são duas conquistas do povo destas ilhas. Como tal, são irreversíveis e contém suor e marcas indeléveis que perpetuarão na história e no imaginário do cabo-verdiano. É preciso, pois, renunciar todas e quaisquer práticas dos governos local e central que põem em causa, o maior ativo deste povo que é a liberdade e a democracia, conquistada a 13 de Janeiro de 1991.
  
Gostava, à guisa de conclusão desta minha reflexão, deixar uma palavra de apreço e carinho pela população de São Nicolau, particularmente, do Município da Ribeira Brava, que neste momento atravessa um tempo de penúria social, devido às políticas erróneas levadas a cabo por este Governo e pela Câmara liderada pelo senhor Américo Nascimento. Dizer-lhe que não perca a esperança, pois, dias melhores chegarão, decerto! Porque, contrariamente, ao que protagonizou o partido dos governos local e central, a situação por que passa a ilha e o concelho não é uma fatalidade!

Juntos, podemos encontrar a melhor solução para Ribeira Brava e São Nicolau!

Na foto: Cidade do Tarrafal, Ilha de São Nicolau

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