Celly
Paixão – Expresso das Ilhas, opinião
À
semelhança de Baltasar Lopes, destinto filho de São Nicolau e de Cabo Verde,
autor do primeiro romance, genuinamente cabo-verdiano, sou uma saonicolauense
confesso que, por circunstâncias outra fui obrigada a deixar a ilha em busca de
outras oportunidades. Também natural de Caleijão, concelho de Ribeira Brava,
oriunda de uma família de tradição camponesa, passei toda a minha infância e
adolescência nessa localidade.
O
tempo genesíaco da minha infância e adolescente, passada em ambiente rural,
afetivo, entre a atmosfera familiar, a escola primária, as brincadeiras de
menino e o ciclo preparatório na Stancha (então Vila Ribeira Brava), marca o
meu horizonte de memória, profundamente.
O
meu cordão umbilical está e estará sempre ligado à minha ilha, particularmente,
ao meu Município da Ribeira Brava. Sempre que lá vou, com frequência, procuro
estar com a minha gente. Gente da minha geração, mas também a da dos meus pais
e avós. É das conversas que procuro encetar com as pessoas que nascem as luzes
que refletem a realidade e o pulsar da ilha e do concelho. Pois, a situação
socioeconómica do Município da Ribeira Brava inspira cuidados intensivos e
muita atenção dos governos central e local, sob pena de a vida das pessoas se
agravarem, ainda mais.
Nos
últimos anos a ilha de São Nicolau foi fustigada pelas políticas erróneas do
PAICV e do seu governo. Desde logo, políticas de transportes marítimos, de
agricultura e pecuária, das pescas, de formação e capacitação dos jovens,
passando pela elevada taxa de desemprego que aflige a ilha de Chiquinho e o
Município da Ribeira Brava, em particular.
“Grito
de Ipiranga”
Por
estas e outras razões a ilha parou no tempo de crescimento e desenvolvimento.
As populações sobretudo as mais jovens viram-se impossibilitadas de dar
continuidade aos seus estudos e, naturalmente, de conseguir um emprego digno,
em ordem a contribuir para o desenvolvimento da sua ilha e do seu concelho. Os
agricultores, os criadores, os pescadores, os comerciantes e demais forças
vivas locais vivem situações de verdadeira penúria e desencanto, que já os
conduziram à uma profunda letargia social. Apetece-me dizer mesmo, que São
Nicolau e Ribeira Brava em particular, precisam de uma espécie de “grito de
Ipiranga”, que permita agitar a consciência das elites do poder local e
central, para uma nova ordem de relação com a ilha que leve ao desenvolvimento
sustentável e harmonioso.
Ainda
no domínio de agricultura e da criação de gado, a situação é mesmo preocupante,
para não dizer dramática. Com o mau ano agrícola que assolou o País, as pessoas
viram-se impossibilitadas de fazer uma dieta alimentar condizente com as suas
necessidades, por um lado. Mas também foram confrontadas, com a perda
substancial de produção hortícola, já que os furos que fornecem a água para
agricultura reduziu a sua capacidade, substancialmente. Contudo, com a entrada
em funcionamento da unidade de dessalinização da água do mar, na Preguiça, para
abastecimento doméstico, os agricultores acreditaram que teriam acesso a mais
água (e mais barata) para irrigação.
Aliás,
foram estas as promessas do presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava (CMRB),
Américo Nascimento e do próprio Governo. O que realmente acabou por acontecer
foi o anúncio, aqui há dias, do aumento do preço de água, quer para o consume
doméstico, quer para agricultura. Portanto, se os agricultores, de per si, já
tinham a vida difícil, com esta medida recente do Governo e da edilidade da
Ribeira Brava, a situação agrava-se ainda mais.
Desastre,
sem capacidade de escoamento da sua já fraca produção, para as outras ilhas em
virtude do deficitário sistema de transportes marítimos de e para a ilha, aos
homens da terra cabem-lhes agora a resignação e esperar melhores dias que
hão-de vir, decerto. Infelizmente está-se perante a uma fatalidade
protagonizada pela incompetência do poder local, que não soube, em boa hora,
junto do Governo identificar a melhor política de produção, gestão,
distribuição e venda de recursos hídricos para os agricultores e população do
vale da Ribeira Brava. Estivesse vivo, Baltazar Lopes, como homem do campo que
fora, seguramente, olharia para estes homens e mulheres da terra com muita
mágoa e revolta.
No
capítulo da pecuária, os criadores esperam e desesperam com o tão propalado
programa de emergência de salvamento de gados. Os animais morrem de fome por
falta de pasto, provocado pelo mau ano agrícola. O Governo continua a olhar
para esta situação de forma impávida e serena.
Assim,
a situação socioeconómica de São Nicolau é de tal sorte degradante que,
confrontados com o dilema: “querer ficar e ter que partir”, a ilha perdeu, nos
últimos tempos, um número significativo da sua população, que foi obrigada a
migrar-se para outras ilhas, em busca de melhores condições de vida.
Fuga
de cérebro jovem
A
juventude foi a franja da população que mais sofreu com as más políticas da
edilidade da Ribeira Brava e do Governo. A fuga de cérebro para trabalhar em
grandes centros urbanos do Pais, tem sido uma realidade sem precedente na ilha
de Chiquinho, com perda da capacidade produtiva para a economia. Tudo por causa
do desemprego gritante que fustiga os jovens de São Nicolau, com destaque para
os do concelho da Ribeira Brava.
Para
produzir este artigo, dei-me ao trabalho de visitar às fontes do INE –
Instituto Nacional de Estatística, sobre o desemprego em Cabo Verde. Segundo
os dados daquela instituição estatística a taxa de desemprego no País em 2014
era de 15,8 por cento. Isto considerando a nova metodologia de cálculo adotado
pelo INE. Porém, se formos analisar as informações que dão conta da taxa de
desemprego dos jovens com idade compreendida entre 15 e 24 anos, veremos que
aqui a situação é deveras preocupantes. Ou seja, 35,8 por cento dos jovens
cabo-verdianos, com capacidade para trabalhar estão no desemprego. É caso para
perguntar: qual têm sido efeitos práticos de tão apregoadas, (com uma grande
dose de propaganda política) políticas de formação, capacitação profissional e
emprego jovens em Cabo
Verde ? A avaliar pelos dados do INE, podemos concluir que os
efeitos da proliferação dos centros de emprego e formação profissional, pelas
ilhas, têm sido muito aquém da expectativa dos jovens cabo-verdianos. Diria
mesmo um bluff total!
Recorde-se,
entretanto, que os dados recolhidos entre Outubro e Dezembro de 2013 mostram
uma ligeira baixa do desemprego a nível nacional, passando de 16.8 para 16.4
por cento. Porém, uma diferença pouco expressiva e, por conseguinte, sem
impacto direto na vida das pessoas e na economia, já que o crescimento do País
continua a ser anémico e a não conseguir, por exemplo, atrair os investimentos
diretos estrangeiros.
Olhando
agora, para os dados de desemprego jovem a nível dos concelhos do País, entre
2012 e 2013, ficamos, algo atónitos. Ribeira Brava é um exemplo paradigmático.
Só assim, conseguiremos perceber melhor os motivos desta “hégira” dos jovens e
população deste concelho para os grandes centros urbanos do País, à procura de
emprego e rendimento.
Ora,
o Município da Ribeira Brava lidera a taxa de desemprego concelhio aumentando
de 18.8 para 23.7 por cento dos jovens deste município que se encontram
desempregados e, naturalmente, sem rendimento para garantir a sustentabilidade
da sua pessoa e da família. Uma subida, de resto, muito preocupante, já que
ultrapassa, inclusive, São Vicente, que era o município com mais desempregados
jovens em Cabo Verde ,
chegando atingir os 28,9 por cento, em 2012, tendo diminuído para 22,1 por
cento em 2013.
Status
quo das políticas
A
situação do desemprego no País, é um problema muito sério que convoca a todos
nós, mas sobretudo o poder político, à uma reflexão de fundo, sobre o status
quo das políticas de governação deste País. Decorridos 14 anos de governo
do PAICV importa agora interrogar: os cabo-verdianos estarão mais felizes ou
não? Qual é a perceção, em termos da capital de confiança, que os cidadãos têm
deste partido e do seu governo? Já percebemos, através de sucessivos estudos
encomendados, que os cabo-verdianos hoje têm, menos confiança neste Governo.
Apesar de toda propaganda e poesia que o PAICV e o seu governo têm abrilhantado
nos seus discursos ao longo destes anos, ainda assim, o povo destas ilhas está
a dar sinais claros, de querer um poema diferente para o povo destas ilhas.
Não
se pode, sistematicamente, evocar em vão a pretensão de ser um partido/governo
de “rosto humano”, quando se sabe que esta evocação não passa de um mero
cinismo e hipocrisia. Um pecado contra os mandamentos da lei de “boa
governação”, tão apregoada por este Governo.
Um
partido que governa com razão e não com romantismo, não deve estimular
políticas de agravamento da pobreza para depois explorá-la, durante o período
das eleições. Esta é uma atitude desumana, sem rosto e típico dos regimes onde
a força partidária se confunde com o Estado. Aliás, existem literaturas que
defendem que este tipo de abordagem na governação de um País, com base em
“assistencialismo e demagogia pode minar e beliscar o Estado de Direito
Democrático”, pondo em causa as liberdades e as garantias dos
cidadãos.
Ora
bem, Cabo Verde e os cabo-verdianos não podem permitir que esta prática faça
escola no nosso País. A independência e o advento da democracia e da liberdade
são duas conquistas do povo destas ilhas. Como tal, são irreversíveis e contém
suor e marcas indeléveis que perpetuarão na história e no imaginário do
cabo-verdiano. É preciso, pois, renunciar todas e quaisquer práticas dos
governos local e central que põem em causa, o maior ativo deste povo que é a
liberdade e a democracia, conquistada a 13 de Janeiro de 1991.
Gostava,
à guisa de conclusão desta minha reflexão, deixar uma palavra de apreço e
carinho pela população de São Nicolau, particularmente, do Município da Ribeira
Brava, que neste momento atravessa um tempo de penúria social, devido às
políticas erróneas levadas a cabo por este Governo e pela Câmara liderada pelo
senhor Américo Nascimento. Dizer-lhe que não perca a esperança, pois, dias
melhores chegarão, decerto! Porque, contrariamente, ao que protagonizou o
partido dos governos local e central, a situação por que passa a ilha e o
concelho não é uma fatalidade!
Juntos,
podemos encontrar a melhor solução para Ribeira Brava e São Nicolau!
Na
foto: Cidade do Tarrafal, Ilha de São Nicolau
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