Rui Peralta, Luanda
Os
Direitos do Homem e a Paz
Quais
os problemas fundamentais do nosso tempo (e desde o fim da II Guerra Mundial)?
Paz e Direitos Humanos. Da Paz depende a nossa sobrevivência enquanto espécie,
o desenvolvimento económico e social, o aprofundamento da democracia e a
construção de um mundo melhor. Já os Direitos do Homem representam um trilho de
progresso na vida politica e social, em paralelo com o desenvolvimento. Paz e
Direitos do Homem são dois problemas que coexistem e que sobre os quais só é
possível uma abordagem conjunta.
Existem
dois documentos internacionais onde esta correlação está patente: a Carta das
Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). A Carta
das Nações Unidas declara a necessidade de “salvar as futuras gerações do
flagelo da guerra” e mais á frente afirma a “fé nos direitos fundamentais do
Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos
homens e mulheres e das nações grandes e pequenas”. Quanto á Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948, considera que os Direitos do Homem
constituem “o fundamento da liberdade, da justiça e da Paz no mundo”,
afirmando, adiante, que os Direitos Humanos devem ser protegidos por normas
jurídicas “se quisermos evitar que o Homem seja obrigado a recorrer em ultima
instância á rebelião contra a tirania e a opressão”, ou seja, que o desrespeito
pelos Direitos do Homem é motivo suficiente e legitimador para exercer o
direito de desobediência civil e de resistência.
Além
destes documentos internacionais, existem outros argumentos que favorecem a
conexão entre a Paz e os Direitos do Homem, como o direito á vida, um direito
primário ignorado e espezinhado em situação de guerra, a começar pelo facto de
todos os Estados beligerantes (e facções, em caso de guerra civil) exigirem que
os cidadãos sacrifiquem a vida pela Nação, Estado, Povo, Raça, Fé, Ideologia,
Partido, Causa, etc. A guerra inviabiliza o exercício de outros direitos como a
liberdade de informar e de ser informado, a liberdade de expressão,
manifestação e outros (os direitos de liberdade) e induz os governos a
comportarem-se de forma autocrática. Não sendo a vida respeitada, que mais há a
respeitar?
Outro
argumento que conclui pela elevada correlação Paz / Direitos do Homem, é a “Razão
de Estado” que em caso de guerra ou de conflito interno prevalece sobre a Razão
Humana e sobre a “Razão Cidadã”. A Razão de Estado é geralmente utilizada para
restringir direitos, liberdades e garantias, para os suspender ou impedir o seu
exercício. Também nas situações de paz podre, a Razão de Estado é sempre
prevalecente e manifesta-se em todas as atitudes e comportamentos do aparelho
estatal. A Razão de estado é aina utilizada mesmo em períodos de Paz efectiva,
sempre com o intuito de impedir o exercício de direitos de cidadania que
coloquem em causa o controlo da sociedade por parte do aparelho de Estado (a
tentação totalitária, presente nas sociedades democráticas, por parte de sectores
do aparelho politico de Estado representantes de interesses contrário ao
interesse público). É frequente encontrarmos na política externa diversos
exemplos do papel da Razão de Estado. É o caso dos USA em relação á América
Latina. O apoio às ditaduras militares e às oligarquias sul e centro-americanas
foram sempre efectuados em nome de superiores interesses de Estado. Aliás um
outro termo muito utilizado por estas tendências fascizantes é “primado da
política externa”, figura que representa o domínio de um Estado sobre outro,
realizado de forma directa (intervenção militar) ou indirecta (desestabilização
e/ou ingerência nos assuntos internos).
Outro
factor de extrema importância que argumenta pela correlação Paz / Direitos do
Homem, no âmbito das relações internacionais e do direito internacional é a
protecção internacional dos Direitos Humanos. Este é um factor que desde a
década de 50 do século passado até aos dias de hoje, revela-se complexo,
impraticável e gerador de conflitos internacionais, de desestabilização e
conflitos internos e de guerra, devido á condição da Soberania Nacional, uma
condição dos Estados e das nações soberanas (embora todos os Estados sejam
formalmente soberanos nem todos o são efectivamente). Os Direitos do Homem só podem
ser protegidos se a sua protecção for globalizada. O problema é que nunca foram
desenvolvidas as instituições e os procedimentos que garantam essa protecção.
Como resultado as políticas internacionais de protecção colidem com os direitos
de soberania nacional (e com o direito internacional). Para serem garantidos os
Direitos Humanos necessitam de instrumentos adequados no interior de cada
Estado e na Comunidade Internacional. Apenas quando for reconhecido ao
individuo isolado o direito de recorrer às instâncias superior na ordem
jurídica do seu Estado e em ultimo caso às instâncias internacionais e quando
esses órgãos (nacionais e internacionais) estiverem munidos de suficiente Poder
para conseguirem fazer respeitar as suas decisões é que se pode falar de
efectivação dos direitos humanos. Até lá apenas assistiremos a belos discursos
de grande efeito fraseológico e intervenções estrangeiras ou atentados á
soberania.
E
esta questão conduz-nos ao último argumento favorável á conexão Paz / Direitos
do Homem: os direitos do individuo. É reconhecido ao indivíduo não apenas o
direito a não ser morto (daí a luta pela abolição da pena de morte), mas também
o direito a não morrer de fome. Ora estes direitos apenas podem ser observados
em tempo de Paz, uma vez que a guerra é uma condenação á morte do individuo (ou
melhor, a sua certidão de óbito).
(continua)
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