quarta-feira, 19 de agosto de 2015

AS DINÂMICAS DA PAZ (2)



Rui Peralta, Luanda

Os Direitos do Homem e a Paz

Quais os problemas fundamentais do nosso tempo (e desde o fim da II Guerra Mundial)? Paz e Direitos Humanos. Da Paz depende a nossa sobrevivência enquanto espécie, o desenvolvimento económico e social, o aprofundamento da democracia e a construção de um mundo melhor. Já os Direitos do Homem representam um trilho de progresso na vida politica e social, em paralelo com o desenvolvimento. Paz e Direitos do Homem são dois problemas que coexistem e que sobre os quais só é possível uma abordagem conjunta.

Existem dois documentos internacionais onde esta correlação está patente: a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). A Carta das Nações Unidas declara a necessidade de “salvar as futuras gerações do flagelo da guerra” e mais á frente afirma a “fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e mulheres e das nações grandes e pequenas”. Quanto á Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, considera que os Direitos do Homem constituem “o fundamento da liberdade, da justiça e da Paz no mundo”, afirmando, adiante, que os Direitos Humanos devem ser protegidos por normas jurídicas “se quisermos evitar que o Homem seja obrigado a recorrer em ultima instância á rebelião contra a tirania e a opressão”, ou seja, que o desrespeito pelos Direitos do Homem é motivo suficiente e legitimador para exercer o direito de desobediência civil e de resistência.

Além destes documentos internacionais, existem outros argumentos que favorecem a conexão entre a Paz e os Direitos do Homem, como o direito á vida, um direito primário ignorado e espezinhado em situação de guerra, a começar pelo facto de todos os Estados beligerantes (e facções, em caso de guerra civil) exigirem que os cidadãos sacrifiquem a vida pela Nação, Estado, Povo, Raça, Fé, Ideologia, Partido, Causa, etc. A guerra inviabiliza o exercício de outros direitos como a liberdade de informar e de ser informado, a liberdade de expressão, manifestação e outros (os direitos de liberdade) e induz os governos a comportarem-se de forma autocrática. Não sendo a vida respeitada, que mais há a respeitar?

Outro argumento que conclui pela elevada correlação Paz / Direitos do Homem, é a “Razão de Estado” que em caso de guerra ou de conflito interno prevalece sobre a Razão Humana e sobre a “Razão Cidadã”. A Razão de Estado é geralmente utilizada para restringir direitos, liberdades e garantias, para os suspender ou impedir o seu exercício. Também nas situações de paz podre, a Razão de Estado é sempre prevalecente e manifesta-se em todas as atitudes e comportamentos do aparelho estatal. A Razão de estado é aina utilizada mesmo em períodos de Paz efectiva, sempre com o intuito de impedir o exercício de direitos de cidadania que coloquem em causa o controlo da sociedade por parte do aparelho de Estado (a tentação totalitária, presente nas sociedades democráticas, por parte de sectores do aparelho politico de Estado representantes de interesses contrário ao interesse público). É frequente encontrarmos na política externa diversos exemplos do papel da Razão de Estado. É o caso dos USA em relação á América Latina. O apoio às ditaduras militares e às oligarquias sul e centro-americanas foram sempre efectuados em nome de superiores interesses de Estado. Aliás um outro termo muito utilizado por estas tendências fascizantes é “primado da política externa”, figura que representa o domínio de um Estado sobre outro, realizado de forma directa (intervenção militar) ou indirecta (desestabilização e/ou ingerência nos assuntos internos).

Outro factor de extrema importância que argumenta pela correlação Paz / Direitos do Homem, no âmbito das relações internacionais e do direito internacional é a protecção internacional dos Direitos Humanos. Este é um factor que desde a década de 50 do século passado até aos dias de hoje, revela-se complexo, impraticável e gerador de conflitos internacionais, de desestabilização e conflitos internos e de guerra, devido á condição da Soberania Nacional, uma condição dos Estados e das nações soberanas (embora todos os Estados sejam formalmente soberanos nem todos o são efectivamente). Os Direitos do Homem só podem ser protegidos se a sua protecção for globalizada. O problema é que nunca foram desenvolvidas as instituições e os procedimentos que garantam essa protecção. Como resultado as políticas internacionais de protecção colidem com os direitos de soberania nacional (e com o direito internacional). Para serem garantidos os Direitos Humanos necessitam de instrumentos adequados no interior de cada Estado e na Comunidade Internacional. Apenas quando for reconhecido ao individuo isolado o direito de recorrer às instâncias superior na ordem jurídica do seu Estado e em ultimo caso às instâncias internacionais e quando esses órgãos (nacionais e internacionais) estiverem munidos de suficiente Poder para conseguirem fazer respeitar as suas decisões é que se pode falar de efectivação dos direitos humanos. Até lá apenas assistiremos a belos discursos de grande efeito fraseológico e intervenções estrangeiras ou atentados á soberania.

E esta questão conduz-nos ao último argumento favorável á conexão Paz / Direitos do Homem: os direitos do individuo. É reconhecido ao indivíduo não apenas o direito a não ser morto (daí a luta pela abolição da pena de morte), mas também o direito a não morrer de fome. Ora estes direitos apenas podem ser observados em tempo de Paz, uma vez que a guerra é uma condenação á morte do individuo (ou melhor, a sua certidão de óbito).

(continua)

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