(Quase)
todos os jornalistas portugueses estão proibidos, ao abrigo de critérios
editoriais (forma simpática para traduzir a censura dos donos dos jornalistas e
dos donos dos donos) de falar sobre os crimes cometidos pelo regime de José
Eduardo dos Santos.
Orlando
Castro – Folha 8, mukandas
Aesmagadora
maioria do que aparece na comunicação social (jornalismo é outra coisa) sobre
este assunto resulta da reprodução pura e simples do que a Lusa põe em linha. Para além de
ser fácil e barato, permite sempre a desculpa mais usada pelos néscios: “quem
escreveu isso foi a Lusa, não fomos nós”.
Até
mesmo quando a Agência de Notícias de Portugal descobre que Namibe é o nome de
um novo país. A Lusa descobriu e, a partir daí, todos os produtores de
conteúdos, ao melhor estilo das salsicharias, copiaram e colaram a informação.
Por favor, não chamem Jornalismo ao que essas linhas de montagem de textos de
linha branca fazem.
Reconheça-se,
contudo, que esta é, de facto e cada vez mais de jure, uma forma eficiente de
evitar chatices com o dono total de Angola (José Eduardo dos Santos) e com o
dono (ainda) parcial de Portugal (José Eduardo dos Santos). Além disso, se
Cavaco Silva ou Passos Coelho, António Costa ou Paulo Portas, entendem que
Angola é uma democracia e um Estado de Direito, quem julgam os jornalistas que
são para os contrariar?
Desde
logo porque qualquer contrariedade que revele, mesmo que de forma ténue, a
existência de coluna vertebral pode significar – e significa muitas vezes –
ficar sem o prato diário de lentilhas.
Se
os porta-vozes portugueses do dono de Angola aceitam passiva e atavicamente
serem criados de luxo de José Eduardo dos Santos, porque carga de água deveriam
os operários das linhas de enchimento de textos de linha branca, agir de forma
diferente?
Por
alguma razão, o que se passou em Abril de 2001 quando se deu o afastamento
compulsivo das equipas de reportagem da RTP, SIC e TVI que estavam em Cabinda,
nunca mais algo de semelhante voltou a repetir-se.
José
Eduardo dos Santos entendeu que em vez de correr com os jornalistas, o que é
sempre chato para um reino que apregoa ser uma democracia, o melhor era comprar
quem nesses órgãos tem o poder. E se melhor o pensou, melhor o fez.
De
facto a cena de 2001 não voltou a acontecer, não porque Cabinda tenha
desaparecido do mapa. Não voltou porque os tais critérios editoriais, de
completa submissão acocorada ao poder económico do regime angolano, fazem com
que Cabinda deixe de ser notícia, obviamente ao contrário de uma qualquer
bitacaia em José Eduardo
dos Santos.
Por
alguma razão o próprio Sindicato dos Jornalistas portugueses protestou na
altura, nunca mais se interrogando (é verdade que também não é para isso que
existe) sobre as razões que levam os jornalistas por imposição superior a não
falarem do assunto.
Antes,
não muito – é certo, havia a censura em Portugal. Hoje não
há censura, há autocensura. Antes havia a censura, hoje há os critérios
editoriais. Antes havia censura, hoje há audiências. Antes havia censura, hoje
há lucros. Antes havia Jornalismo, hoje há comércio jornalístico.
Antes
a única tarefa humilhante no Jornalismo era a que se realizava com mentira,
deslealdade, ódio pessoal, ambição mesquinha, inveja e incompetência. Hoje nada
é humilhante desde que dê lucro ou satisfaça o ego dos senhores feudais.
Antes
um Jornalista nunca (nunca) vendia a sua assinatura para textos alheios, tantas
vezes paridos em latrinas demasiado aviltantes. Hoje é tudo uma questão de
preço.
Antes,
se o Jornalista não procurava saber o que se passava no cerne dos problemas
era, com certeza, um imbecil. Antes, se o Jornalista conseguia saber o que se
passava mas, eventualmente, se calava, era um criminoso. Hoje há cada vez mais
imbecis e criminosos.
Antes
os Jornalistas erravam muitas vezes. Hoje não erram. E não erram porque há cada
vez menos Jornalistas. Assim sendo, as linhas de montagem (em Angola como em
Portugal) não precisam de jornalistas.
Tudo
o resto são cantigas, tenha o país um governo eleito ou não, seja ou não uma
democracia, chame-se Portugal, Burkina Faso ou Angola.
E
quando alguns dos fazedores desse produto comercial a que se chama comunicação
social, reivindicam o papel de jornalistas, entram logo um funcionamento os
chamados critérios editoriais de carácter jornalístico.
E
o que é que isso é? É um patamar de decisão ao qual têm acesso privilegiado
todos aqueles mercenários que estão no poleiro, seja político, empresarial,
cultural etc. e que visa dar cobertura, a troco de apoios financeiros, aos dono
de uma sociedade de aparências, de favores, de corrupção, de compadrios, de
manipulações.
Hoje,
em Angola como em Portugal (por exemplo), a grande maioria aceita fazer tudo o
que o «chefe» manda (mesmo sabendo que este para contar até 12 tem de se
descalçar, e mesmo assim…), este aceita fazer tudo o que o director manda, este
aceita fazer tudo o que a Administração manda, e esta aceita fazer tudo o que
dê lucro.
Não
deixa, contudo, de ser curioso que – nesta matéria e neste contexto – quanto
mais imbecis e criminosos forem os jornalistas, mais hipóteses têm de subir na
carreira, seja esta nos media propriamente ditos ou nas assessorias políticas.
Contacte
directamente o autor: orlando.s.castro@gmail.com
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