Carvalho
da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
Nas
últimas semanas, ficou mais claro o cenário em que decorrem as eleições
legislativas do próximo dia 4 de outubro: o país e os portugueses estão
bloqueados num complexo atoleiro político, que tende a aprofundar-se com as
propostas e movimentações dos partidos que nos têm governado nas últimas
décadas, e se amplia com as "ajudas" que nos chegam da União Europeia
(UE). No espaço europeu, e noutras regiões, a desintegração da democracia é,
com nuances, um processo em aceleração, enquanto a liberdade de circulação do
dinheiro cresce à medida que as pessoas vão ficando mais prisioneiras.
Portugal,
para sair do caminho de retrocesso social e político e de negação da soberania
que vem trilhando, precisa de políticas e de um programa de Governo que
articulem, de forma sólida, medidas de conjuntura - dirigidas à revitalização
da democracia, ao combate à pobreza, às desigualdades e à emigração forçada, à
promoção do valor do trabalho e do emprego, ao incremento de atividades
produtivas e de serviços indispensáveis a uma sociedade moderna -, com uma
estratégia de longo alcance que equacione as opções que o país terá de tomar,
dentro ou fora do euro, por forma a ser um espaço onde as novas gerações possam
organizar as suas vidas e trabalhar com dignidade, dando futuro ao país. Este
desafio vital não surge na agenda das duas forças políticas que as sondagens
nos apresentam como possíveis vencedores das eleições, em "empate
técnico".
A
coligação de direita (PSD/CDS) montou, com múltiplas ajudas, um quadro
ficcionado sobre as condições de vida e de trabalho, sobre a situação económica
do país, as contas públicas e a dívida, para iludir os portugueses. Joga forte
com as contradições e os medos gerados, quer pelos fatores que apresentam como
causas da austeridade, quer pelos efeitos brutais dessa mesma austeridade,
preparando-se (se lhe permitirmos) para prosseguir num quadro de submissão e
apoio às desastrosas políticas da UE. Nesta campanha eleitoral, o discurso da
direita sobre a Europa vai resumir-se a "malhar" na Grécia (com
eleições a 20 de setembro), que classificarão hipocritamente de "mau
exemplo", escondendo as dimensões do lamaçal em que se encontra a UE e os
reais desafios que Portugal vai ter de enfrentar.
O
Partido Socialista, em cujo seio se desenvolvem manobrismos fratricidas, surge
com algumas orientações e perspetivas interessantes em algumas áreas do
designado Estado social, mas são desastrosas as suas ideias de manutenção do
desequilíbrio das relações entre capital e trabalho e de secundarização de
direitos coletivos, ou a superficialidade de certas propostas económicas que
acabarão por sacrificar o fator trabalho. Por outro lado, ignora fundamentais
condicionalismos decorrentes da nossa condição de país do euro, como se
Portugal e os portugueses não tivessem de se preparar e mobilizar para
negociações e decisões delicadas nos próximos quatro anos. O PS e a sua
liderança não sacodem as inevitabilidades do neoliberalismo e alguns mostram
clara simpatia por opções e posturas políticas de direita.
Neste
contexto, importa relevar dois fatores: i) nenhuma daquelas duas forças vai ter
uma maioria que lhe permita formar governo sozinha; ii) o PS estará sempre no
centro do processo de constituição do futuro governo, ou porque ganha as
eleições e tem de fazer alianças, ou porque viabiliza um governo de direita.
O
desempate que permite encetar caminhos de rotura com a austeridade, um novo
rumo de negociação e posicionamento digno na UE, exige que se consolide e
reforce a representação eleitoral das forças à esquerda do PS. Elas têm um
grande peso político e social, embora diferenciado, na sociedade portuguesa, e
as suas propostas e intervenção são indispensáveis como contributo para um
programa de governação que tire o país do atoleiro em que se encontra. O quadro
de fragmentação em que hoje se apresentam não tem de ser definitivo.
À
esquerda vivemos, há décadas, com um elefante no meio da sala carregado de
incomunicabilidade e bastante sectarismo, mas se houver determinação ele há de
ser retirado e será possível construir convergência programática e de ação.
*Investigador
e professor universitário
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