quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Angola. A POLÍTICA DO CIMENTO E A CONTINUAÇÃO DA ROUBALHEIRA



Há neste momento em Angola uma questão que nos faz abrir a boca de espanto: por que é que um país que está em processo de construção acelerada de infra-estruturas (que se fazem com cimento) proíbe a importação de cimento, quando não tem capacidade de o produzir?

Rui Verde (*)

Esta questão surgiu a propósito da recente investigação de Rafael Marques de Morais acerca das venturas e desventuras da FCKS (Fábrica de Cimentos do Kwanza Sul).

Na realidade, Angola necessita de cerca de sete milhões de toneladas anuais de cimento, e a sua capacidade de produção não atinge metade desse número. Por isso, muito se estranha o Decreto Executivo Conjunto n.º 15/14, de 15 de Janeiro de 2014, que proíbe liminarmente a produção de cimento, excepto em casos devidamente autorizados.

Este Decreto tem três consequências óbvias. Primeiro, trava o crescimento económico, pois condiciona a oferta de cimento no mercado. Segundo, enriquece aqueles que em Angola detenham a produção de cimento. E, finalmente, aumenta as possibilidades de corrupção e tráfico de influências para obter autorizações de importação.

Sendo uma medida tão negativa, por que razão decidiu o governo tomá-la?

A resposta só pode ser uma: para aumentar a riqueza dos oligarcas angolanos, atribuindo-lhes o controlo sobre mais um sector estratégico da economia.

O cimento é uma indústria de base que, devido ao elevado investimento necessário para a construção de fábricas e produção do material, limita fortemente as entradas no mercado. Portanto, à partida só os investidores ricos conseguem entrar nesse mercado. Se esses investidores tiverem concorrência de estrangeiros, terão de fixar os preços do cimento ao nível do preço de equilíbrio do mercado.

Se, em vez disso, os investidores ficarem sem concorrência, poderão fixar o preço que quiserem. Logo, irão fixar um preço o mais elevado possível. Isto é, o encerramento do mercado do cimento ao estrangeiro faz aumentar o preço do cimento. Também torna as empresas mais ineficientes, pois não têm de competir, estão protegidas na sua coutada.

Assim, um mercado fechado de cimento em Angola irá beneficiar os oligarcas angolanos que aqui tenham investido em fábricas de cimento. São estes que irão ficar mais ricos, cobrar preços mais altos e ter fábricas mais ineficientes. Estamos perante um crime económico.

Poder-se-á dizer que é uma opção política, para promover a “angolanização” das indústrias estratégicas de Angola. Esta opção só resultaria se esses oligarcas tivessem capacidade empresarial e consciência social, isto é, se soubessem gerir e distribuir os proventos por toda a sociedade.

Esta cultura ainda não existe em Angola. O que se vê é que aquilo que os ricos e poderosos lucram em Angola tem servido para investir no estrangeiro. O problema é que o investimento no estrangeiro é um desperdício para um país com tantas oportunidades como o nosso, e só teria racionalidade económica se a taxa de retorno fosse superior à obtida em Angola, o que não parece ser o caso na maior parte dos casos.

Nesta medida, os investimentos angolanos no estrangeiro são uma mera forma de transferência de capitais. Por tudo isto, a história do cimento é de uma gravidade atroz: para se beneficiar uma mão-cheia de amigos, prejudica-se imensamente a economia nacional.

(*) In: MakaAngola – retirado de Folha 8

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