Há
neste momento em Angola uma questão que nos faz abrir a boca de espanto: por
que é que um país que está em processo de construção acelerada de
infra-estruturas (que se fazem com cimento) proíbe a importação de cimento,
quando não tem capacidade de o produzir?
Rui
Verde (*)
Esta
questão surgiu a propósito da recente investigação de Rafael Marques de Morais
acerca das venturas e desventuras da FCKS (Fábrica de Cimentos do Kwanza Sul).
Na
realidade, Angola necessita de cerca de sete milhões de toneladas anuais de
cimento, e a sua capacidade de produção não atinge metade desse número. Por
isso, muito se estranha o Decreto Executivo Conjunto n.º 15/14, de 15 de
Janeiro de 2014, que proíbe liminarmente a produção de cimento, excepto em
casos devidamente autorizados.
Este
Decreto tem três consequências óbvias. Primeiro, trava o crescimento económico,
pois condiciona a oferta de cimento no mercado. Segundo, enriquece aqueles que
em Angola detenham a produção de cimento. E, finalmente, aumenta as
possibilidades de corrupção e tráfico de influências para obter autorizações de
importação.
Sendo
uma medida tão negativa, por que razão decidiu o governo tomá-la?
A
resposta só pode ser uma: para aumentar a riqueza dos oligarcas angolanos,
atribuindo-lhes o controlo sobre mais um sector estratégico da economia.
O
cimento é uma indústria de base que, devido ao elevado investimento necessário
para a construção de fábricas e produção do material, limita fortemente as
entradas no mercado. Portanto, à partida só os investidores ricos conseguem
entrar nesse mercado. Se esses investidores tiverem concorrência de
estrangeiros, terão de fixar os preços do cimento ao nível do preço de
equilíbrio do mercado.
Se,
em vez disso, os investidores ficarem sem concorrência, poderão fixar o preço
que quiserem. Logo, irão fixar um preço o mais elevado possível. Isto é, o
encerramento do mercado do cimento ao estrangeiro faz aumentar o preço do
cimento. Também torna as empresas mais ineficientes, pois não têm de competir,
estão protegidas na sua coutada.
Assim,
um mercado fechado de cimento em Angola irá beneficiar os oligarcas angolanos
que aqui tenham investido em fábricas de cimento. São estes que irão ficar mais
ricos, cobrar preços mais altos e ter fábricas mais ineficientes. Estamos
perante um crime económico.
Poder-se-á
dizer que é uma opção política, para promover a “angolanização” das indústrias
estratégicas de Angola. Esta opção só resultaria se esses oligarcas tivessem
capacidade empresarial e consciência social, isto é, se soubessem gerir e
distribuir os proventos por toda a sociedade.
Esta
cultura ainda não existe em Angola. O que se vê é que aquilo que os ricos e
poderosos lucram em Angola tem servido para investir no estrangeiro. O problema
é que o investimento no estrangeiro é um desperdício para um país com tantas
oportunidades como o nosso, e só teria racionalidade económica se a taxa de
retorno fosse superior à obtida em Angola, o que não parece ser o caso na maior
parte dos casos.
Nesta
medida, os investimentos angolanos no estrangeiro são uma mera forma de
transferência de capitais. Por tudo isto, a história do cimento é de uma
gravidade atroz: para se beneficiar uma mão-cheia de amigos, prejudica-se
imensamente a economia nacional.
(*)
In: MakaAngola – retirado de Folha 8
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