Se
o indicador proposto por José Serra fosse adotado, haveria um engessamento da
União em matéria de política tributária e política fiscal.
Ceci
Juruá* - Carta Maior
O
Senador José Serra acaba de encaminhar parecer sobre a Emenda No. 1 de Plenário
ao Projeto de Resolução do Senado No. 84/2007, que trata dos
limites da dívida pública da União, conforme determinado na Lei
Complementar 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e em disposições
constitucionais. O Senador é o relator desta Emenda No.
1, no âmbito de comissão constituída no Senado em agosto último, a
Comissão Especial para o Desenvolvimento Nacional.
No relatório, o Senador enfatiza o objetivo de reduzir, ao longo de quinze anos, o limite de endividamento da União. Para o Senador este objetivo requer em primeiro lugar, a troca de indicador, abandonando-se a relação dívida bruta/ PIB e adotando-se, como novo indicador, a relação dívida consolidada /receita corrente líquida. Segundo o relatório, este novo indicador deveria passar dos atuais 5,6 para 4, no espaço de 15 anos. Isto é, em 2030 a divida consolidada da União deverá ser de no máximo 4 vezes a receita corrente líquida federal.
A justificativa apresentada para a troca do indicador consiste no argumento que é preciso incluir, como dívida da União, os títulos em carteira no Banco Central e todas e quaisquer operações entre o Tesouro e instituições financeiras estatais. São citados explicitamente BNDES, Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Tais operações são vistas pelo Senador como manobras contábeis que estimulam a lassidão fiscal, e graças a elas houve um forte aumento do endividamento público entre julho de 2014 e julho de 2015.
À primeira vista, os argumentos apresentados por Serra parecem atender às reivindicações dos mercados financeiros, interditando ao Tesouro socorrer-se de entes públicos do setor financeiro em situações justificadas pela conjuntura econômica, para fins de sustentação do crescimento e de minimização de efeitos deletérios provocados pela crise econômica internacional. Estas reivindicações foram claramente explicitadas no período eleitoral por correntes vinculadas ao projeto tucano. E ainda, foram rejeitadas nas urnas.
Por outro lado, e mais grave, a troca sugerida de indicador pretende assimilar a União aos demais entes federados – estados, municípios e Distrito Federal, cujo limite de endividamento é dado por relação entre dívida e receita corrente líquida. Proceder desta forma significa desconhecer a singularidade da União em matéria de competências específicas, muito distintas daquelas que correspondem aos demais entes federados. Cabe citar, a título ilustrativo, a responsabilidade de emitir moeda e de administrar as reservas cambiais do país. Na prática, o Senador parece desconhecer o capítulo sobre Organização dos Poderes da própria Constituição da República.
Por outro lado, merecem ser destacadas algumas qualidades do relatório, no que diz respeito à análise de fatos recentes. Sua leitura permite em particular entender melhor certas questões conflitivas entre o Tesouro e os segmentos rentistas da economia brasileira a partir de 2011, situações em que as demandas do mercado não foram sancionadas pelo Governo, como foi o caso da taxa de juros SELIC. Por exemplo:
O Tesouro não rolava integralmente a dívida porque não aceitava os preços que o mercado estava disposto a pagar por seus títulos. Tendo em vista a crescente deterioração fiscal, os poupadores só aceitam comprar títulos públicos a taxas mais elevadas, que reflitam o risco representado por um Tesouro fragilizado. Este, por sua vez, não queria sancionar os preços oferecidos pelo mercado e se recusava a vender a quantidade de títulos necessária para rolar toda a dívida vincenda. (relatório de José Serra, Emenda N. 1 de Plenário/2015)
Observa-se, no trecho acima, que o Governo Dilma-Mantega tentou resistir à pressão dos rentistas por aumento da taxa de juros SELIC, e o fez monetizando parcialmente a dívida pública por ocasião de resgate dos títulos, o que acabou por reintroduzir o overnight. Nas palavras do prof. Nakano:
...o Executivo pode ter déficits públicos ilimitados já que o Banco Central acabará financiando, com moeda indexada, isto é, no overnight, como já vem acontecendo crescentemente. (artigo intitulado Deterioração conjuntural in Valor de 11 de setembro último)
Para concluir, nesse momento inicial do debate em torno da Emenda No.1, deve-se atentar para a possibilidade de o indicador proposto representar, ainda, um engessamento da União em matéria de política tributária e política fiscal. Se adotado o indicador proposto por Serra, para limite da dívida pública, não haverá mais espaço para uma série de medidas tomadas recentemente em apoio ao mercado interno, tais como a desoneração da folha de pagamento e outras modalidades de subsídios à atividade econômica.
De fato a receita corrente líquida depende do crescimento econômico, por um lado, mas também das dimensões de certos itens do gasto orçamentário. Ficarão ameaçados, por exemplo, as despesas previdenciárias e os salários do funcionalismo, mas também as transferências constitucionais a outros entes da Federação, três itens do gasto público que concorrem para a redução da receita corrente líquida. Em situações de estresse orçamentário e financeiro, a proposta de Serra poderá ter efeitos indesejados, ampliando os conflitos no interior dos aparelhos de Estado e da própria sociedade civil.
*economista, doutora em política públicas, membro do Conselho Consultivo da CNTU. Rio de Janeiro, setembro de 2015.
No relatório, o Senador enfatiza o objetivo de reduzir, ao longo de quinze anos, o limite de endividamento da União. Para o Senador este objetivo requer em primeiro lugar, a troca de indicador, abandonando-se a relação dívida bruta/ PIB e adotando-se, como novo indicador, a relação dívida consolidada /receita corrente líquida. Segundo o relatório, este novo indicador deveria passar dos atuais 5,6 para 4, no espaço de 15 anos. Isto é, em 2030 a divida consolidada da União deverá ser de no máximo 4 vezes a receita corrente líquida federal.
A justificativa apresentada para a troca do indicador consiste no argumento que é preciso incluir, como dívida da União, os títulos em carteira no Banco Central e todas e quaisquer operações entre o Tesouro e instituições financeiras estatais. São citados explicitamente BNDES, Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Tais operações são vistas pelo Senador como manobras contábeis que estimulam a lassidão fiscal, e graças a elas houve um forte aumento do endividamento público entre julho de 2014 e julho de 2015.
À primeira vista, os argumentos apresentados por Serra parecem atender às reivindicações dos mercados financeiros, interditando ao Tesouro socorrer-se de entes públicos do setor financeiro em situações justificadas pela conjuntura econômica, para fins de sustentação do crescimento e de minimização de efeitos deletérios provocados pela crise econômica internacional. Estas reivindicações foram claramente explicitadas no período eleitoral por correntes vinculadas ao projeto tucano. E ainda, foram rejeitadas nas urnas.
Por outro lado, e mais grave, a troca sugerida de indicador pretende assimilar a União aos demais entes federados – estados, municípios e Distrito Federal, cujo limite de endividamento é dado por relação entre dívida e receita corrente líquida. Proceder desta forma significa desconhecer a singularidade da União em matéria de competências específicas, muito distintas daquelas que correspondem aos demais entes federados. Cabe citar, a título ilustrativo, a responsabilidade de emitir moeda e de administrar as reservas cambiais do país. Na prática, o Senador parece desconhecer o capítulo sobre Organização dos Poderes da própria Constituição da República.
Por outro lado, merecem ser destacadas algumas qualidades do relatório, no que diz respeito à análise de fatos recentes. Sua leitura permite em particular entender melhor certas questões conflitivas entre o Tesouro e os segmentos rentistas da economia brasileira a partir de 2011, situações em que as demandas do mercado não foram sancionadas pelo Governo, como foi o caso da taxa de juros SELIC. Por exemplo:
O Tesouro não rolava integralmente a dívida porque não aceitava os preços que o mercado estava disposto a pagar por seus títulos. Tendo em vista a crescente deterioração fiscal, os poupadores só aceitam comprar títulos públicos a taxas mais elevadas, que reflitam o risco representado por um Tesouro fragilizado. Este, por sua vez, não queria sancionar os preços oferecidos pelo mercado e se recusava a vender a quantidade de títulos necessária para rolar toda a dívida vincenda. (relatório de José Serra, Emenda N. 1 de Plenário/2015)
Observa-se, no trecho acima, que o Governo Dilma-Mantega tentou resistir à pressão dos rentistas por aumento da taxa de juros SELIC, e o fez monetizando parcialmente a dívida pública por ocasião de resgate dos títulos, o que acabou por reintroduzir o overnight. Nas palavras do prof. Nakano:
...o Executivo pode ter déficits públicos ilimitados já que o Banco Central acabará financiando, com moeda indexada, isto é, no overnight, como já vem acontecendo crescentemente. (artigo intitulado Deterioração conjuntural in Valor de 11 de setembro último)
Para concluir, nesse momento inicial do debate em torno da Emenda No.1, deve-se atentar para a possibilidade de o indicador proposto representar, ainda, um engessamento da União em matéria de política tributária e política fiscal. Se adotado o indicador proposto por Serra, para limite da dívida pública, não haverá mais espaço para uma série de medidas tomadas recentemente em apoio ao mercado interno, tais como a desoneração da folha de pagamento e outras modalidades de subsídios à atividade econômica.
De fato a receita corrente líquida depende do crescimento econômico, por um lado, mas também das dimensões de certos itens do gasto orçamentário. Ficarão ameaçados, por exemplo, as despesas previdenciárias e os salários do funcionalismo, mas também as transferências constitucionais a outros entes da Federação, três itens do gasto público que concorrem para a redução da receita corrente líquida. Em situações de estresse orçamentário e financeiro, a proposta de Serra poderá ter efeitos indesejados, ampliando os conflitos no interior dos aparelhos de Estado e da própria sociedade civil.
*economista, doutora em política públicas, membro do Conselho Consultivo da CNTU. Rio de Janeiro, setembro de 2015.
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