quinta-feira, 17 de setembro de 2015

PEDRITÓRIO DE PORTUGAL



Sandro Mendonça – Expresso, opinião

Com as primeiras chuvas começa já muita água a correr aceleradamente debaixo da ponte. Por isso talvez seja interessante analisar alguns temas com um olhar fresco, uma perspectiva de espanto. O país continua com a capacidade de se surpreender a si próprio, esta é a pergunta.

Pedritório, ... essa nova palavra. O actual representante do partido que vendeu ao país o mito do “capitalismo popular” não consegue lidar com os despojados da tanga disto tudo. Vingança do destino esse mito ter explodido justamente no seu mandato! Por isso, só pode ser com espanto e surpresa que se vê o ainda Primeiro-Ministro a falar de uma subscrição pública para o povo em geral indemnizar os lesionados do engodo financista. Portanto, Pedro pede ... pede caridade. E o “vice” insistiu na ideia.

A verdade é que este logro foi sistémico. O BES era o cavalo de tróia de um plano maior e é preciso ter respeito pelas vítimas. Se Pedro e Paulo querem montar uma ONG para acudir voluntariamente aos enganados do sistema tudo muito bem: mas façam-no fora do governo. Por isso é de exigir que honrem essa promessa mesmo quando merecidamente percam as eleições. Ficamos à espera.

O que é verdade é que o caso BES pesa ao país. E pesará! Apenas o prejuízo da venda (€3000 milhões) é mais custoso do que todo o investimento nacional em investigação e desenvolvimento: €2268m. Felizmente esta gente da porta-giratória entre a política e finança é bastante inovadora: porém, e como ficamos conscientes através de mais esta arrepiante notícia em vesperas de eleições, é pena que seja apenas para benefício próprio!

Assim, a boa notícia é que pelo menos já não dá para fazer ilusionismo, fazer desaparecer o Titanic com um estalar de dedos. Pelo meu lado, há pouco mais de um ano atrás em declarações à Lusa já me tinha pronunciado sobre a cadeia de riscos que se estaria a accionar com o holograma que foi criado para soprar o problema BES para a frente. Pouco depois, e por seu lado, Ricardo Arroja via espaço para que outro cenário de resolução tivesse sido ensaiado.

Vale muito a pena, por tudo isto, ler com atenção o que esta semana disse o Embaixador Seixas da Costa. E disse-o de modo claro, contundente e oportuno naquela que foi por sinal a sua última crónica no Diário Económico. Seixas da Costa chama-lhe o “Novo Buraco” e isso é o mais simpático que lá está escrito. Afinal, é dito o que muita gente pensa: que “a supervisão bancária falhou em Portugal”, que há uma teia de cumplicidades entre o sistema financeiro e a supervisão, que dá náuseas a “cobardia política demonstrada pelo governo neste caso”.

E era o que faltava culpar o suspeito do costume por tudo isto. Não o Estado não estava aos comandos daquele camião financeiro desgovernado chamado BES. E nisso o novo livro lançado por André Barata e Renato Carmo (sim, mais um excelente livro nesta rentrée!) é tão útil. Nesta obra chamada “O Futuro nas Mãos: De Regresso à Política do Bem Comum” os autores argumentam que o Estado existe para uma missão: defender as liberdades comuns dos cidadãos. O Estado neo-liberalizado, leofilizado e mercadorizado resulta em predações e extorções, desigualdades e desiquilíbrios, ultra-favorecimentos e hiper-oligarquização. Como dizem os autores: “É essencial defender um espaço público plural e democrático contrário ao dogmatismo e às falsas certezas sobre o que terá de ser o futuro humano.”

Há assim que perceber as “Encruzilhadas do Desenvolvimento”. Este é o título de um assinalável evento organizado pelo Professor Manuel Branco da Universidade de Évora que hoje começa nessa cidade. Trata-se de um curso internacional que durante três dias e irá garantir várias conferências de grande qualidade e debates abertos ao público. Entre alguns temas destaquem-se estes: “Os Desafios da Alimentação no Mundo” (Helder Muteia, Representante da FAO em Portugal e junto da CPLP), “A Política de Cooperação para o Desenvolvimento da União Europeia” (Fernando Frutuoso de Melo, Diretor Geral da Cooperação Internacional e do Desenvolvimento da Comissão Europeia), “Política Externa e Cooperação Portuguesa” (Luís Moita, Professor Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa), “Global Goals and Human Rights and Capabilities: the power of numbers to shape agendas” (Sakiko Fukuda-Parr, Professora na The New School, Nova Iorque). Mais informação aqui.

A resposta a estas encruzilhas é o que estão a fazer muitos cidadãos pelas suas próprias mãos. Chamou, portanto, a atenção um novo movimento de cidadãos pela salubridade do ambiente urbano e pelo acesso aos serviços do ecosistema. Refiro-me à recém-criada Vamos Salvar o Jamor. Nesse antigamente-visto-como-município-modelo chamado Oeiras surge uma voz organizada que denuncia subversões do PDM, questiona o modelo de desenvolvimento baseado em jogadas de interesse imobiliário e a operação de grupos económicos com ligações ao poder. O manifesto singuraliza-se pela acutilância e pelo rigor da postura: por exemplo, “Não se promova nem autorize a construção numa zona sujeita a elevadíssimos riscos naturais e em violação da legislação aplicável.” Mais um sinal de que a vida política portuguesa está a alterar-se a partir das bases?

Democracia será talvez isto mesmo: inteligência em movimento. Recusa de quem nos puxa para trás. Por isso dia 4 de Outubro será importante. O voto é o mais nobre dos investimentos sociais.

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